Apenas alguns minutos depois de se saber que morreram 218 pessoas num só dia com Covid-19 (de longe o valor mais elevado de sempre), o primeiro-ministro foi pressionado pelos deputados a avançar com novas respostas de combate à crise sanitária no primeiro grande debate parlamentar do ano. António Costa acabou por admitir que pode mesmo não ficar por aqui, nomeadamente nas escolas, se — e é um grande se — a pandemia ganhar novos contornos.
“Se para a semana soubermos, se amanhã soubermos, se depois de amanhã soubermos, se daqui a 15 dias soubermos, por exemplo, que a estirpe inglesa se tornou dominante no nosso país, ah, muito provavelmente vamos ter mesmo de fechar as escolas e aí farei o que tenho de fazer, que é fechar as escolas”, respondeu António Costa ao deputado Adão e Silva, do PSD.
O primeiro-ministro defende que, “neste momento, é adequado proteger e garantir a educação desta geração” e que encerrar escolas implica um custo elevado para os jovens — custo que “não é imediato”, mas será pago “daqui a 20 anos”. Por isso, promete “fazer tudo” para “manter escolas abertas”.
A opção, no entanto, está em cima da mesa: “Quando a sobrevivência desta geração depender do encerramento das escolas é isso que será feito”, respondeu António Costa ao deputado Telmo Correia, do CDS. “Nessa altura, senhor deputado, poderá vir dizer que recuei, e eu com muito orgulho direi que recuei, porque eu farei sempre, em cada momento, o que em minha consciência for adequado fazer”.
Da parte do PSD, terá todo o apoio: “Se vier a encontrar razões tecnicamente para o encerramento das escolas, o PSD nunca dirá que vossa excelência recuou, dirá que finalmente tomou a decisão certa”, atirou Adão Silva, para quem o Governo não cumpriu o seu papel, foi vago, anunciou um confinamento ‘faz de conta’, com imensas exceções a regras “que deviam ser claras e límpidas”.
Mas será que o Governo não está a evitar fechar as escolas porque se atrasou a entregar computadores? António Costa diz que a questão — colocada por André Silva, do PAN — não se coloca, porque, mesmo que houvesse equipamento para esse efeito, defende que não é possível dar a mesma qualidade de ensino à distância.
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Em todo o caso, reconhece que não se cumpriu ainda o objetivo da entrega de computadores a todos os alunos que precisam. Costa diz que foram entregues 100 mil computadores a alunos dos escalões A e B, tendo adjudicados outros 350 mil. O primeiro-ministro — lembrou o PSD — tinha prometido que no novo ano letivo seria garantido um acesso “universal” a computadores e Internet.
Natal? “Na circunstância que temos hoje, nenhum de nós teria tomado aquelas medidas“
Encostado à parede pelos números da pandemia — que colocam Portugal no topo de casos diários — e pelas imagens de ambulâncias em fila nos hospitais, o primeiro-ministro admitiu que não faria tudo igual, sabendo o que sabe hoje. “Na circunstância que temos hoje, nenhum de nós teria tomado aquelas medidas“, respondeu Costa a Telmo Correia, dizendo que a cada momento se tomam as decisões informadas pela ciência disponível.
“Se o sr. deputado acha que resolve os problemas do país dizendo que a culpa da forma como as famílias celebraram o Natal foi minha e que é por isso que estamos como estamos, ofereço-me já a esse sacrifício”, disse o primeiro-ministro, que mais tarde voltaria a defender-se: “Se quiserem dizer que a culpa é do primeiro-ministro resolvam a vossa consciência assim – mas não resolvem a pandemia“.
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À esquerda, BE e PCP pressionaram o primeiro-ministro para que reforce o SNS e avance com uma requisição civil que permita tirar partido dos meios hospitalares privados e aliviar a pressão sobre o sistema público — numa altura em que há mais de 5 mil pessoas internadas, das quais mais de 600 em cuidados intensivos com Covid-19.
“Os grandes hospitais querem fazer negócio, não espere pela rutura do SNS para chamar os privados à responsabilidade — faça-o já“, apelou Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda. No mesmo sentido, o PCP disse que seria necessário “mobilizar todos os serviços de saúde existentes no país sob a direção do SNS”.
Na resposta, Costa disse que “o país tem conseguido enfrentar a crise sem suspender a democracia” e que não quer criar conflitos “onde eles não se justificam”. O primeiro-ministro lembrou que há já vários protocolos assinados com entidades privadas, embora não descarte totalmente a ideia: “Ainda não chegámos a esse ponto e espero bem que não cheguemos a esse ponto” de fazer requisição civil.
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Para já, aponta outras soluções. “Amanhã vai entrar em funcionamento o hospital de campanha no Estádio Universitário (Lisboa) que não foi necessário na primeira vaga mas agora vai ser usado”, diz Costa, lembrando também o uso, como retaguarda, das instalações “dos nossos campeões”, referindo-se à seleção portuguesa de futebol.
Costa admite aumentar rastreamentos com outros funcionários públicos
A oposição pressionou ainda António Costa sobre os rastreamentos da Covid, que estão aquém do necessário numa altura em que a pandemia tem levado o número de infeções diárias para a casa dos 10 mil de forma recorrente.
António Costa garante que a capacidade de rastreamento “tem vindo a ser progressivamente reforçada ao longo destes meses”, lembrando que já houve “meses muito difíceis”, com “mais de 30 mil inquéritos por fazer, por exemplo em meados de novembro”.
Mas, “agora, numa situação bem mais difícil”, com “um número muito elevado de inquéritos por concluir”, o primeiro-ministro adianta que devem “ser concluídos num prazo entre 48h e 72h”. Conta, para já, “com as Forças Armadas e outros profissionais de saúde”, mas admite mesmo a possibilidade, permitida por lei, de ter outros trabalhadores do Estado a executar esta tarefa.
“É absolutamente indispensável vencer receios e pôr efetivamente a trabalhar neste esforço de recenseamento, como a lei prevê, como a lei permite, funcionários públicos que estão neste momento em confinamento domiciliário ou que podem ser dispensados para esta função, como também professores que, por razões de saúde, não estão estão a desempenhar atividades letivas e que estão disponíveis para desenvolver este trabalho”.
António Costa voltou ainda a pedir aos portugueses para que cumpram as diretrizes do Governo com vista ao controlo da pandemia, porque “este é um combate que está para durar por muitos e longos meses” até que se atinja uma imunização coletiva, quando entre 60% e 70% estiver imunizada porque foi contagiada ou porque foi vacinada. “Esta é uma maratona que dura muito mais do que 42 quilómetros”.
Também a ministra da Saúde, Marta Temido, revelou que os membros do Governo estão “muitíssimo preocupados com os números” dos últimos tempos, “com os óbitos, com os novos casos”, mas garante que têm conseguido “aumentar o ritmo de testagem, graças a uma cooperação entre vários setores”. E porque “os próximos tempos serão duríssimos” deixou um apelo, no encerramento do debate: “Por favor, ajudem-nos todos!”
A pandemia, como é natural, acabou por ‘açambarcar’ o primeiro debate sobre política geral (os antigos debates quinzenais), mas haveria pelo meio ainda tempo para discutir outras polémicas. Desde logo, os casos de Ihor Homeniuk e do procurador europeu — em que o primeiro-ministro voltou a defender a ação do Governo.
Artigo atualizado às 22h00