Das cinco maiores bancadas do Parlamento Europeu (PE), três estão a contestar a nomeação do procurador José Guerra para representante português no colégio da Procuradoria Europeia. Depois do Partido Popular Europeu (centro-direita) e do Renovar Europa (liberais), é agora a vez d’Os Verdes (centro-esquerda) instarem o Conselho da União Europeia (UE) a esclarecer a nomeação do magistrado nacional com base em “factos falsos” fornecidos pelo Governo de António Costa. Os três grupos parlamentares representam praticamente metade dos deputados do PE: são 352 de um total de 705 eurodeputados.
Os Verdes dizem mesmo numa carta enviada a 19 de janeiro para o Conselho da UE que “as consequências necessárias devem ser tomadas de imediato” pelo principal órgão político da UE a quem cabe designar formalmente cada um dos procuradores europeus. Mas não clarificam o que entendem por “consequências necessárias” na missiva a que o Observador teve acesso e que foi destacada na newsletter desta quarta-feira do jornal Político — o órgão de comunicação social internacional mais influente em Bruxelas.
António Costa explica caso do procurador ao Parlamento Europeu com novo lapso
Os cinco eurodeputados d’Os Verdes subscritores dizem que têm seguido com “grande preocupação” as “recentes notícias da comunicação social sobre a nomeação do sr. José Guerra para o colégio dos procuradores europeu”, nomeadamente pelo facto de o Conselho ter optado por “desviar-se da ordem de nomeação do painel independente com base na informação fornecida pelo Governo português — que se veio a provar ser falsa. Esta nomeação [de José Guerra] precisa de ser clarificada e as consequências necessárias devem ser tomadas de imediato”, lê-se na missiva escrita em inglês.
Como o Conselho da UE, que é um órgão político que reúne os representantes dos governos de todos os estados-membros, recusou divulgar as razões específicas que o levaram a seguir a recomendação do Governo de António Costa em nomear José Guerra em vez de Ana Carla Almeida (a procuradora escolhida pelo painel independente de especialistas), Os Verdes insistem em que o Conselho “divulgue pormenorizadamente” as razões de tal decisão.
E desafiam o Conselho a fazer o mesmo sobre as nomeações dos representantes da Bélgica e da Bulgária, em que os respetivos governos também impuseram nomes diferentes dos que foram escolhidos pelo painel independente europeu. No caso do representante belga nomeado, chamado Yves Van Den Berge, estamos perante um ex-diretor-adjunto do gabinete do ministro da Justiça.
Caso do procurador. José Guerra não foi a primeira escolha do Governo
“O trabalho do Ministério Público europeu pode ser um marco na luta da União contra a fraude [contra os interesses financeiros da UE] e a corrupção. (…) Encontramo-nos numa situação em que a nomeação de três procuradores foi influenciada pelos próprios Estados-membros e corresponde a um desvio de painel independente” que foi criado para promover “procedimentos claros e transparentes”. Estes factos, na ótica d’Os Verdes, “minam seriamente a credibilidade de um Ministério Público Europeu independente”.
Secretária de Estado defenderá Governo — e não António Costa
A influência e a imposição do nome de José Guerra por parte do Governo português deveria ter sido explicada esta terça-feira no Parlamento Europeu (PE) mas o Executivo liderado por António Costa propôs ao presidente do PE, o italiano David Sassoli, o adiamento do debate para a tarde desta quarta-feira. Tudo porque o primeiro-ministro teria de estar presente no debate mensal na Assembleia da República, em Lisboa. Sassoli acedeu ao pedido.
Miguel Romão. “Caso UGT foi relembrado pela ministra Francisca Van Dunem”
Contudo, não será António Costa a prestar esclarecimentos aos eurodeputados. Será, sim, Ana Paula Zacarias, secretária de Estado dos Assuntos Europeus, que irá defender a bondade da decisão tomada pela ministra Francisca Van Dunem — que foi quem ordenou à Representação Permanente de Portugal junto da UE que comunicasse a oposição do Governo à nomeação de Ana Carla Almeida e a preferência por José Guerra.
António Costa vai apresentar esta manhã ao PE as prioridades da presidência portuguesa da UE — reunião que deverá ter começado às 10h30 (hora de Lisboa). Mas não participará no debate que irá decorrer durante a tarde — praticamente à mesma hora que Joe Biden toma posse em Washington como novo presidente dos Estados Unidos.