O Tribunal Constitucional rejeitou o recurso de Manuel Pinho que alegava a inconstitucionalidade de uma decisão da Relação de Lisboa que repôs o estatuto de arguido ao ex-ministro da Economia de José Sócrates.

O juiz Ivo Rosa tinha anulado em maio de 2018 a constituição de arguido de Manuel Pinho e de Miguel Barreto por razões formais. O MP recorreu para a Relação de Lisboa e os desembargadores revogaram em junho de 2019 a decisão de Ivo Rosa por entenderem que não tinha competência para tomar tal decisão em fase de inquérito. As defesas de Pinho e de Barreto recorreram para o Constitucional mas a conselheira Mariana Gomes Canotilho não lhes deu razão.

“O Tribunal Constitucional conclui não existir fundamento bastante para julgar inconstitucional a norma questionada, nos termos do qual está está subtraída ao juiz de instrução criminal a competência para conhecer das invalidades processuais dos atos de constituição de arguido e aplicação de TIR, praticados pelo Ministério Público”, lê-se no acórdão a que o Observador teve acesso.

Crimes de corrupção de Manuel Pinho em risco de prescrição

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Era um recurso que estava pendente há um ano e três meses e era muito esperado. Porquê? Porque, tal como o Observador noticiou a 15 de outubro de 2020, uma vitória da defesa poderia ter automaticamente uma influência na prescrição dos alegados ilícitos relacionados com a alegada avença mensal de 14.963,94 euros do Grupo Espírito Santo (GES) que Manuel Pinho terá recebido através da Espírito Santo (ES) Enterprises, o famoso saco azul do GES.

Pinho perde assim um triunfo precioso para arguir a prescrição dos alegados crimes de corrupção passiva que lhe são imputados pelo Ministério Público (MP). O mesmo se aplica a Miguel Barreto, igualmente suspeito de corrupção passiva mas tendo como alegados corruptores ativos António Mexia e João Manso Neto, ex-líderes da EDP.

Em declarações ao Observador, o advogado Ricardo Sá Fernandes afirmou que “contava com outra posição do Tribunal Constitucional na defesa de direitos fundamentais que entendo que foram postos em causa. Subtrair ao juiz de instrução criminal, na fase de inquérito, a possibilidade de apreciar a legalidade dos termos em que ocorreu a constituição de um cidadão como arguido, limitando o poder de intervenção do juiz à fase de instrução, não me parece que seja a melhor solução. Mas a vida é como é, respeito a decisão do Tribunal Constitucional e continuarei a cumprir os meus deveres enquanto advogado na defesa do professor Manuel Pinho”, afirma o defensor do ex-ministro da Economia de José Sócrates.

Ricardo Sá Fernandes afirmou à Agência Lusa esta quarta-feira que irá avançar com uma queixa no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem mas que a mesma não terá qualquer efeito no no caso EDP.

Inquérito na reta final e despacho de encerramento de inquérito em breve

Esta vitória do MP no Constitucional deverá impulsionar a fase final do inquérito do caso EDP. A primeira consequência será finalmente a conclusão do interrogatório de Manuel Pinho. Recorde-se que devido às diversas peripécias que rodearam a constituição de arguido de Manuel Pinho, os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto nunca conseguiram concluir interrogar o ex-ministro da Economia. Ou seja, Pinho foi confrontado o despacho de indiciação, cujos principais pontos pode ler aqui, mas nunca os procuradores ouviram as suas explicações.

Manuel Pinho deverá ser assim chamado novamente ao DCIAP. Concluído esse interrogatório e outros igualmente pendentes, o despacho de encerramento de inquérito deverá ser proferido a breve trecho.

“Manuel Pinho terá causado um prejuízo de 1,2 mil milhões de euros aos portugueses”

A causa da prescrição que já não se vai verificar

Tudo começou quando Manuel Pinho foi constituído arguido nos autos do caso EDP em julho de 2017. Contudo, e a pedido da defesa, o juiz Ivo Rosa (então o titular do processo no Tribunal Central de Instrução Criminal) anulou essa decisão do MP em maio de 2018. A Relação de Lisboa revogou o despacho do juiz de instrução criminal em junho de 2019, o que levou Sá Fernandes a recorrer para o Constitucional.

Tal como o Observador noticiou em julho de 2019, a defesa de Pinho alegou no seu recurso que é “inconstitucional a interpretação” do Tribunal da Relação de Lisboa, de que o juiz de instrução criminal não tem competência para decidir sobre a irregularidade ou nulidade de um ato de constituição de arguido.” Isto porque, entendeu o advogado, é função dos tribunais “assegurar a defesa dos direitos e interesses legítimos protegidos dos cidadãos, reprimindo a violação da legalidade democrática”.

A Relação de Lisboa entendeu que o juiz Ivo Rosa anulou a constituição de arguido de Pinho sem ter legitimidade para o fazer por a mesma pertencer ao MP. Mais: a intervenção de Rosa podia eventualmente justificar-se caso estivessem em causa a defesa de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente protegidos — o que não era o caso. Estava apenas em causa a prestação do Termo de Identidade e Residência, logo tratava-se apenas da obrigação de “comunicar a nova residência ou lugar onde possa ser encontrado”. Logo, não se colocava qualquer limitação dos direitos e garantias do arguido que justificasse a intervenção do juiz de instrução.

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E foi isto que Ricardo Sá Fernandes utilizou para tentar convencer os conselheiros do Palácio Ratton a declararem o acórdão da Relação de Lisboa como inconstitucional. Ou seja, alegava que estão em causa direitos fundamentais do seu cliente por Pinho não ter sido confrontado com os factos que justificam a sua constituição de arguido e diz que é função dos tribunais “assegurar a defesa dos direitos e interesses legítimos protegidos dos cidadãos, reprimindo a violação da legalidade democrática.”

E porque razão se colocava um risco de prescrição? Simples: se Manuel Pinho ganhasse o recurso, a sua condição de arguido seria definitivamente anulada. Ou seja, e para todos os efeitos legais, Pinho nunca teria sido arguido nos autos do caso EDP. Isso significaria que a primeira causa de interrupção da contagem do prazo de prescrição (precisamente a constituição de arguido) não poderia ser aplicada.

Tendo em conta que o prazo de prescrição máximo de um crime de corrupção passiva é de 15 anos e que o primeiro dos crimes de corrupção passiva ter-se-á consumado em março de 2005 (quando os pagamentos do saco azul do GES começaram a ser feitos), isso significaria que, caso a constituição de arguido de Pinho fosse definitivamente anulada, um dos crimes de corrupção passiva poderia já ter prescrito.

Contudo, o Constitucional acabou por não acolher os argumentos da defesa de Manuel Pinho. Assim, o despacho de Ivo de Rosa de maio de 2018, que retirou o estatuto de arguido ao ex-ministro, é anulado. Consequência: Pinho é definitivamente arguido desde o dia 3 de julho de 2017 e a contagem do prazo de prescrição é interrompida e regressa ao início.

Acrescentada informação às 12h39m do dia 10 de fevereiro de 2021 de que a defesa de Manuel Pinho irá avançar com uma queixa para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem