A Provedora de Justiça enviou para o Tribunal Constitucional um “pedido de declaração de inconstitucionalidade” de dois pontos de um dos artigos alterados na lei eleitoral autárquica. Tudo começou no verão passado, quando PS e PSD se alinharam e aprovaram a lei que dificulta as regras para candidaturas independentes. Agora, seis meses depois e a oito meses das eleições autárquicas, Maria Lúcia Amaral assina um documento com 25 páginas de argumentos que podem travar essa mesma lei, pede a inconstitucionalidade do artigo que regula a “eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais” e pretende que seja dada “prioridade” a este caso.

Maria Lúcia Amaral considera que com as alterações feitas à lei eleitoral autárquica está em causa a “violação dos direitos dos cidadãos de tomar parte na vida política e na direção dos assuntos públicos do país”, sendo este um direito previsto na Constituição, e que, tendo em conta a justificação da Provedora, não está a ser respeitado.

“O direito de os cidadãos apresentarem, diretamente — sem intermediação dos partidos políticos –, candidatura às eleições dos órgãos das autarquias locais é, na sua essência um direito fundamental, determinado a nível constitucional”, refere o documento da Procuradora da Justiça, esclarecendo que “não pode o legislador introduzir alterações de natureza substancial, que injustificadamente venham restringir um direito fundamental de participação política”.

Autárquicas. Alterações na lei eleitoral põem em causa candidaturas independentes

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A Provedora da Justiça considera que “na esmagadora maioria dos casos [é] objetivamente impossível de cumprir” a necessidade de recolha de assinaturas distintas em cada freguesia, mesmo que o grupo de cidadãos eleitores seja o mesmo.

“Esta impossibilidade legal (…) de um mesmo grupo de cidadãos eleitores apresentar, simultaneamente, aos órgãos municipais e às assembleias de freguesia [do mesmo município] consubstancia uma violação da liberdade de participação na vida pública”, insiste o documento.

Mais do que uma “exigência de natureza formal”, está em causa um “impacto material”, crê Maria Lúcia Amaral. Desta forma, “o legislador (…) condiciona fortemente as dinâmicas de constituição de grupos de cidadãos eleitores, limitando o conteúdo das suas mensagens, a escolha dos temas a eleger, a definição das prioridades políticas e da estratégia eleitoral a seguir e, finalmente, o próprio envolvimento dos cidadãos na propositada de candidaturas”.

A Provedora da Justiça, tendo em conta a urgência de esclarecimento, já que que as eleições se realizam daqui a oito meses, pede que “seja atribuída prioridade à apreciação deste processo”.

O que mudou na Lei Eleitoral Autárquica para os independentes?

Com estas alterações aprovadas em 2020, tem de haver recolha de assinaturas em cada junta — no mínimo 3% de proponentes do universo dos eleitores — e nos concelhos com mais de 135 mil votantes têm de se recolher quatro mil assinaturas para a Câmara e mais quatro mil assinaturas para a Assembleia Municipal. Por outro lado, um partido apenas precisa de recolher 7500 assinaturas a nível nacional.

Rui Moreira admite criar partido político para se recandidatar à Câmara do Porto após alterações à lei autárquica

A vida dos independentes tornou-se, desta forma, bem mais difícil. De tal maneira que Rui Moreira, independente e presidente da Câmara do Porto, chegou mesmo a admitir criar um novo partido político caso visse a candidatura indeferida por causa da nova lei. O autarca da Invicta tem sido um dos maiores críticos destas alterações e atira-se aos partidos do centro, culpando-os por estarem a prejudicar a democracia e praticamente a impossibilitar os movimentos independentes.

O presidente da Associação Nacional dos Movimentos Independentes (AMAI), Aurélio Ferreira, já tinha dito ao Observador que a Constituição “não está a ser respeitada” com esta lei e que PS e PSD “deviam ter a humildade de reconhecer que erraram e emendar a lei”. Ana Catarina Mendes admitiu no programa Circulatura do Quadrado, da TVI e TSF, que se trata de um “absurdo que tem de ser mudado”. A líder da bancada socialista considera que esta situação é “penalizadora da vida democrática” e assegurou que o PS vai apresentar uma alteração para corrigir as mudanças que foram aprovadas na lei.

PS recua e quer alterar lei que bloqueia candidaturas independentes