São sinais da falta de cooperação estratégica entre Belém e São Bento. Ao contrário do que fez em todos os estados de emergência desde que foi reeleito, Marcelo Rebelo de Sousa não fará esta noite uma comunicação ao país pela televisão no arranque do horário nobre, apurou o Observador junto de fonte de Belém. O Presidente tem falado quase sempre depois das medidas do Governo para dar respaldo, para dar uma explicação pedagógica e validar as posições do executivo. Desta vez, não o fará: primeiro, porque poderá ainda não conhecer o plano às 20h00 (se o Conselho de Ministros se atrasar); depois porque na reunião-jantar que teve esta quarta-feira com Costa, o primeiro-ministro não foi claro no plano que irá apresentar esta quinta-feira; por fim, porque discorda da estratégia do Governo.
O chefe de Estado mantém a solidariedade institucional — e não quer criar pedras na engrenagem ao primeiro-ministro — mas faz assim uma pausa na solidariedade estratégica. Até porque a estratégia defendida por ambos não é, desta vez, a mesma. Ainda muita coisa poderá mudar no Conselho de Ministros e o chefe de Estado não se quer comprometer com o plano que sairá. Depois de Costa falar ao país, o silêncio presidencial. Ou melhor: apenas uma nota no site.
O Presidente, sabe o Observador, entende que já disse o que tinha a dizer no discurso da tomada de posse, onde recomendou um “desconfinamento com sensatez“. Também quando falou com os partidos tentou pôr um travão a fundo. Para Marcelo o plano de desconfinamento deve ser repensado a três meses e não de seis meses e deve acelerar só depois da Páscoa, como o Observador noticiou na terça-feira. No preâmbulo do decreto, Marcelo reiterou a necessidade de travar o ímpeto “desconfinador” do Governo de Costa, ao avisar que “os sinais externos são ainda complexos” e que por isso impõe-se “acautelar os passos a dar no futuro próximo”.
Enquanto Marcelo põe um travão, o Governo é pressionado — por outros lados que não Belém — a desconfinar o máximo possível. Costa tem na mão um plano mais ambicioso (pelo menos antes de ir ao Conselho de Ministros) do que aquele que Marcelo gostaria. Daí que o Presidente deixe Costa sozinho no palco. “O Presidente entende que quem tem algo a dizer é o Governo, porque quem apresenta o plano e a execução do decreto é o Governo, logo quem tem de falar é o primeiro-ministro para apresentar as medidas”, disse ao Observador fonte de Belém.
O calendário também permite constatar a estranheza do momento. O Presidente da República falou sempre ao país em momentos relevantes da pandemia, como o confinamento ou desconfinamento. Em abril de 2020, naquele que foi o último estado de emergência antes do desconfinamento, Marcelo falou ao país pela televisão. Fê-lo, aliás, em todos os estados de emergência da priemeira vaga. Em novembro, quando começou a segunda vaga de estados de emergência (a que ainda continua), Marcelo também falou ao país em horário nobre. Deixou de o fazer (substituindo o discurso na televisão por uma nota) apenas quando foi assumidamente candidato presidencial. Logo que deixou de o ser, a 28 de janeiro. Fê-lo novamente a 25 de fevereiro, antecipando já divergências com o Governo: “É muito tentador defender que há que abrir e desconfinar”. Em todas estas vezes importantes falou e, mesmo que enviasse recados ao Governo, veio validar as medidas. Agora, apenas silêncio.
Marcelo livra-se do Estado de Emergência logo que seja possível
Marcelo Rebelo de Sousa nunca parou, com o magistério de influência, de tentar influenciar a governação do que achava melhor para o país na gestão da pandemia. O Presidente foi forçado, no entanto, a ter ele mesmo um papel interventivo na gestão da pandemia a partir do momento em que tem de decretar os estados de emergência que dão respaldo constitucional às medidas restritivas do Governo.
Neste decreto presidencial, Marcelo ainda não dá sinais de que estes serão os últimos quinze dias do país em estado de emergência — pelo contário, pede cautela –, mas o Observador sabe que o Presidente não exclui essa hipótese. Para Marcelo tudo depende dos números da pandemia. Se em abril a situação melhorar e for possível aplicar o plano do Governo sem o regime de excecionalidade, o Presidente não se vai opor ao fim do Estado de emergência. Isto independemente da solução jurídica que venha a ser encontrada para eventualmente substituir os estados de emergência e manter as medidas. “Na primeira vaga tivemos um mês e meio, agora já vamos em quatro meses e mais de dois meses em 2021, se for possível terminá-lo a 31 de março, termina-se. Se for preciso, haverá mais”, disse fonte de Belém ao Observador.
Na quarta-feira, Marcelo Rebelo de Sousa utilizou mesmo dados científicos para defender um confinamento mais lento. Na audiência com o líder da oposição, Rui Rio, Marcelo Rebelo de Sousa alertou que o índice de transmissão, o famoso R(t), está atualmente nos 0,9, o que representa uma subida. Já o INSA correu a dizer aos jornalistas que está nos 0,8 e que só há novos dados a 12 de março. O Presidente, sabe o Observador, deu dados atualizados a Rio, mas fonte de Belém alerta que o cálculo pode ser do “último dia, dos últimos dias” ou de um “determinado prazo de tempo”. Acrescentando ainda: “Isto muda todos os dias. Se o INSA diz que é 0,8, ótimo”.