Depois de falarem a duas vozes sobre o desconfinamento, Presidente da República e primeiro-ministro voltam a estar totalmente alinhados na estratégia de gestão da pandemia. Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa, temendo os efeitos da Páscoa e de novas variantes do vírus, estão preparados para puxar o travão do desconfinamento e voltar a fechar o país assim que haja um mínimo risco. O Presidente da República pôs esta segunda-feira água na fervura do desconfinamento ao avisar que é “muito provável” que haja estado de emergência até maio. Na mesma linha, o primeiro-ministro também garantiu na Comissão Nacional do PS, na intervenção que fez à porta fechada, que aprendeu a “lição” no Natal e que, ao “primeiro sinal” de aumento de risco, o Governo irá mesmo “parar e até recuar” no desconfinamento para não voltar a ser surpreendido por outra variante do vírus que possa aparecer.
O regresso de vários países europeus ao confinamento é uma preocupação partilhada pelas duas figuras que lideram o combate à pandemia de Covid-19 no país. António Costa lembrou no sábado — na mesma reunião da Comissão Nacional e segundo relataram fontes presentes ao Observador — que há muitos países europeus a viver a “onda” negativa da variante britânica do vírus, que atingiu Portugal em dezembro e que seguiu de oeste para leste. A preocupação de Costa à porta fechada foi verbalizada por Marcelo publicamente após a visita a uma escola na zona de Benfica, em Lisboa, esta segunda-feira. O Presidente da República mostrou preocupação com os “avanços e recuos das sociedades à nossa volta [noutros países europeus]“, que estão a voltar a fechar. Acrescentou ainda que foi isso mesmo que verificou in loco em Roma quando foi ao Vaticano há pouco mais de uma semana e que o mesmo viria a ocorrer também em Espanha, país que visitou no mesmo dia.
Apesar de ter sido pensada uma solução jurídica para que se pudesse dispensar o estado de emergência, Marcelo parece ser agora claro a defender a manutenção deste instrumento que tem vindo a ser utilizado ininterruptamente desde novembro. Se há atividades confinadas, alerta, é preciso garantir o estado de emergência que “legitima aquilo que são as restrições impostas aos portugueses”. Ou seja: não vale a pena inventar e abrir espaço a que se questione a constitucionalidade de certas restrições. O Presidente chegou a admitir, sabe o Observador, que o atual estado de emergência pudesse ser o último ou o penúltimo, mas agora está mais prudente. Não só diz ser “muito provável” que dure até maio, como sugere que essa é a melhor opção.
Na fase em que Marcelo fez queixa aos partidos do que se sabia até então do plano de desconfinamento, pedia um plano de três meses (no Governo falava-se em seis) e não fez a típica comunicação ao país, Presidente e primeiro-ministro falavam a duas vozes. Depois, o plano saiu e o primeiro-ministro acabou por ir em quase tudo ao encontro do que pretendia o Presidente, com um plano a três meses e a “conta-gotas”. Só num aspeto não convergiram: Marcelo queria (e verbalizou-o publicamente numa anterior declaração ao país) as escolas abertas só depois da Páscoa, enquanto Costa ordenou a abertura do primeiro ciclo logo a 15 de março. Mas até nesse ponto estará tudo sanado.
O Presidente da República disse — no fim de uma visita à escola, onde esteve sentado no chão com os alunos a ouvir a história da galinha que “pôs um ovo muito branquinho” — que o executivo fez bem em começar pelos estabelecimentos de ensino. Começar o desconfinamento pelas escolas foi, afinal, um ato “bem escolhido por parte do Governo“, que “teve o apoio do Presidente da República”, já que a escola é “uma peça essencial do processo de abertura”.
A solidariedade estratégica não fica por aqui. Relativamente ao avanço do processo de vacinação, Marcelo mantém a confiança no plano do Governo e da task force liderada pelo “vice-almirante”. Marcelo Rebelo de Sousa afirma que “tudo indica que no segundo trimestre haja um número suficiente de vacinas para recuperar o calendário que se atrasou” e que “se houver essa capacidade de recuperação, no segundo trimestre e início do terceiro trimestre, chegamos a 70% da população vacinada, chegamos a uma taxa de imunização muito grande”. Mais uma vez, está na mesma linha do que disse António Costa no debate bimestral.
Uma crítica ao governo de Costa?
Apesar de se aproximar da estratégia do Governo, Marcelo não fez uma intervenção completamente imaculada na perspetiva do Executivo de António Costa. O Presidente começou por criticar toda a gestão do processo de vacinação por parte da União Europeia para logo criticar também a “suspensão da vacinação individualmente por parte dos países da União Europeia”. Ora, para o Presidente, “a União Europeia é uma união, não um somatório de egoísmos”, logo “não deve cada um por si suspender e não suspender”.
Para Marcelo a Europa devia ter “dúvidas como um todo”, perguntar em bloco à Agência Europeia do Medicamento (EMA) e depois tomar uma decisão comum. Ao invés disso, cada país suspendeu por si, naquilo que o Presidente chama de “reino dos egoísmos”. Problema: o Governo português foi um dos que unilateralmente também suspendeu a vacina, podendo a crítica ser estendida ao executivo de António Costa. Atenuante: Portugal foi o 19º país a fazê-lo.
Uma crítica, mas sobrou mais solidariedade institucional — até para lá da pandemia. No caso da EDP, Marcelo volta a estar perfeitamente alinhado com o discurso de António Costa no debate bimestral. Se o primeiro-ministro colocou a responsabilidade de averiguação do caso nas autoridades, Marcelo foi pelo mesmo caminho. O Presidente disse esta segunda-feira que “neste momento há duas autoridades que estão a investigar a matéria: a Autoridade Tributária, para dizer se sim ou não é devido o imposto de selo e o Ministério Público para dizer se sim ou não é devida alguma matéria para além dessa ou relacionada com essa que seja do foro criminal”. Terão por isso, no entender do Presidente, de ser estas autoridades a agir.
Quanto à divergência António Costa-Eduardo Cabrita, em que um defende eleições autárquicas num só dia e outro partido em dois dias ou dois fins-de-semana, Marcelo não se quer meter. O Presidente lembra que “quem tem competência exclusiva para a matéria é o Governo”. Ao contrário das outras eleições, que são marcadas pelo chefe de Estado, estas são mesmo competência do Governo e nisso Marcelo não se mete.