António Costa não concorda com o seu ministro da Administração Interna que ainda esta semana falou na possibilidade de as eleições autárquicas se realizarem em dois dias diferentes, para evitar aglomerações com uma situação sanitária difícil. Para o líder socialista, essa possibilidade está fora da equação, segundo apurou o Observador entre várias fontes que assistiram à reunião da Comissão Nacional do PS neste sábado à tarde. Costa terá mesmo referido essa ideia como “muito perigosa”.

Na reunião que decorreu à porta fechada — para lá da intervenção inicial de António Costa que foi aberta aos jornalistas — o primeiro-ministro revelou aos socialistas que integram este órgão máximo entre congressos do partido que a esta distância e sem prejuízo de avaliar mais tarde a situação epidemiológica no país, não lhe parece boa ideia fazer as eleições autárquicas em dois dias — nem em dois dias seguidos, nem em dois fins de semana. Isto porque, lembrou Costa aos colegas de partido, já houve duas eleições realizadas em tempo de pandemia, caso das regionais dos Açores, em setembro, e das eleições presidenciais, em janeiro, e ambas decorreram apenas num dia (nas presidenciais, com hipótese de voto antecipado e em pleno estado de emergência e confinamento geral), sem que se tenham registado problemas além de algumas filas de espera.

Numa entrevista à Lusa, na passada sexta-feira, o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, disse que nas eleições autárquicas “não está previsto o voto antecipado”, mas existe “abertura para ponderar modelos”, sendo “a distribuição do voto entre dois fins de semana perfeitamente possível”. Mas, à porta fechada, Costa deixou bem claro que, para já, discorda dessa solução.

Os avisos para dentro e a “saída airosa” do PSD

A reunião tinha sido marcada com o pretexto de agendar o congresso do PS (para 10 e 11 de julho), com moldes ‘pandémicos’, incluindo um corte no número de congressistas e uma distribuição, por treze cidades diferentes, dos trabalhos do conclave. No entanto, o prato principal deste encontro acabou mesmo por ser as eleições autárquicas, desde logo com avisos para dentro.

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Foi logo na intervenção inicial que Costa, no papel de secretário-geral, fez questão de avisar: o PS tem de estar acima de “jogadas políticas” nas autárquicas, que não devem funcionar como uma distração para o partido. Depois, à porta fechada, o secretário-geral adjunto (número 2 de Costa no partido), José Luís Carneiro, concretizou o aviso: apesar de no PS ainda serem poucos os nomes dos candidatos autárquicos confirmados — e de isso já estar a provocar alguma convulsão, incluindo no Porto, onde o próprio Carneiro é dado como hipótese –, os socialistas terão de ter consciência de que a estratégia de apresentação tem de se articular com o programa que o partido definir.

Por outras palavras: o PS “não entrará numa disputa de quem apresenta em primeiro e quem apresenta em segundo, porque não fazemos das autárquicas uma afirmação personalista”. Para os pretendentes a candidatos e dirigentes locais que acreditam que o processo se está a atrasar demasiado, a palavra de ordem é, portanto, calma, até para não prejudicarem o partido na praça pública. Carneiro foi ainda mais claro: a apresentação oficial dos nomes será feita quando as estruturas entenderem e, sobretudo, quando o secretário-geral entender que é o “momento oportuno”, terá dito o socialista de acordo com fontes presentes na reunião.

Até lá, gelo nos pulsos e cuidado com as distrações, ouviu-se da cúpula do partido. Primeiro porque, como alertou Costa e completou Carneiro de seguida, a “prioridade” é a estratégia de combate à pandemia e o PS deve concentrar-se nisso mesmo. Depois porque há uma mensagem a passar e essa passa por sublinhar o contraste com a estratégia da direita: se já esta semana o número 2 do aparelho socialista, avisando que os nomes dos candidatos ficariam fechados entre o fim de março e o início de abril, tinha criticado a “coligação negativa” assinada pelo PSD e CDS a nível nacional, desta vez criticou a “passerelle de nomes individualizados” destes partidos e a estratégia de se coligarem com movimentos independentes para poder cantar vitória na noite das eleições e procurar uma “saída airosa” de uma eleição que os socialistas acreditam que será sua. Uma mostra de “tatiscismo”a, terá incentivado Carneiro, como que apontando uma espécie de guião de argumentos a seguir rumo à campanha autárquica.

Autarcas chamados a ajudar na “recuperação”

Mas a meses de eleições autárquicas também houve palavras de motivação para os candidatos e futuros candidatos a autarcas, sobretudo lembrando a importância dos fundos que chegarão da Europa para a gestão municipal. Costa começou por dizê-lo, sublinhando que, olhando para o Plano de Recuperação e Resiliência do Governo, “metade das verbas do programa são elegíveis para programas de âmbito municipal” e chamando os autarcas a serem “agentes ativos da recuperação económica do país”.

Na mesma linha, o eurodeputado e ex-ministro Pedro Marques, que se apresentou “otimista” face às autárquicas, frisou que é preciso pôr o dinheiro, o plano de recuperação “no terreno”, lamentando que a Comissão Europeia seja “demasiado burocrata” na aprovação destes programas, disse, segundo apurou o Observador. Aos autarcas, a lembrança de que poderão contar com os fundos, mas também a garantia de que será o trabalho a nível local, na recuperação económica e no processo de vacinação, que poderá ajudar o PS a ultrapassar um momento cheio de obstáculos sem mossas eleitorais. E esses obstáculos nem sequer serão apenas pandémicos: no momento dedicado à análise da situação política foram várias as intervenções a propósito da situação da TAP, em sintonia quanto à importância de salvar a empresa e com alguns elogios a Pedro Nuno Santos, que não interveio nesta reunião (embora tenha estado à distância), pelo meio.

Críticos falam em “asfixia democrática”

Quanto ao tema principal que juntava ali (uns presencialmente, no Centro Esquerda, em Lisboa; outros por vídeoconferência) a Comissão Nacional do PS, ficou aprovada a data do congresso e os seus moldes mistos, mas não sem contestação. Por entre intervenções que defenderam o modelo, como a de Miguel Costa Matos, o líder da JS — que lembrou precisamente que os jovens socialistas já fizeram um congresso e uma comissão com a componente virtual, sem problemas – os críticos (minoritários) de Costa protestaram.

Daniel Adrião, que chegou aliás a candidatar-se contra Costa à liderança do partido, começou desde logo por informar que um grupo de 23 membros da Comissão Nacional apresentou um protesto formal ao presidente do partido, Carlos César, por entender que é “inaceitável” que a “elite dirigente” do partido reúna presencialmente à porta fechada e os membros deste órgão sejam forçados a assistir à reunião à distância. E se, no caso desta reunião, o grupo de Adrião já considerava que existiu um “cordão sanitário” para afastar os críticos, quanto ao modelo do congresso a sentença foi mesmo de que está em curso “uma mudança radical das regras do jogo” e um “golpe de secretaria”.

Dos argumentos dos críticos fazem parte a redução do rácio de delegados eleitos e a votação online, um suposto “processo de asfixia democrática” que, no seu entendimento, em como objetivo impedir que apareçam alternativas à atual maioria. “O que está a ser preparado é uma espécie de comício por videoconferência”, sentenciou Adrião, duvidando mesmo de que a solução encontrada para o congresso está conforme com as leis e a Constituição — e prometendo suscitar”essa questão no futuro junto das “instituições que zelam pelo regular funcionamento do nosso Estado de direito”.

Mas para António Costa qualquer das alternativas faladas não era tão boa como aquela que acabou por ser adotada. Voltar a adiar o congresso não era opção, deixar tudo igual ninguém compreenderia, alegou Costa, lembrando mesmo que o PS não poderia fazer como o PCP fez com o seu congresso e a Festa do Avante. Aliás, Costa até disse que a opção de reduzir participantes ainda resultaria pior para a questão da participação.

De acordo com a votação na Comissão Nacional, que alguns dos comissários criticaram, garantindo que não conseguiram votar eletronicamente, o congresso será então a 10 e 11 de julho, desdobrado por reuniões nos Açores, Madeira, Portimão, Lisboa, Aveiro, Estremoz, Barcelos ou Esposende, Mirandela, Covilhã, Coimbra, Porto, Fátima e Alcácer do Sal. Sobre as queixas de vários comissários por não terem conseguido votar, o secretário nacional Pedro Cegonho disse ao Observador que “votaram todas as pessoas que confirmaram a sua presença na reunião da Comissão Nacional atempadamente, nos termos da convocatória expedida”.

A reunião será “inovadora”, segundo apontou no final da reunião em declarações aos jornalistas o secretário nacional Pedro Cegonho. E isto porque “a pandemia obriga a precauções” e é preciso garantir “a máxima participação de todos”, daí a divisão por vários locais. As alterações ao regulamento do Congresso Nacional tiveram de ir a votos e a remarcação da data e dos locais foram aprovadas por 89% dos votos da Comissão Nacional.

Além disso, o partido terá ainda a eleição do secretário-geral, que desta vez terá a modalidade de voto antecipado eletrónico, que decorrerá a 11 de junho. A presencial será a 18 e 19 desse mesmo mês. Também esta alteração foi votada, com 90% dos socialistas presentes na reunião a concordarem.

Artigo atualizado às 21h com informação complementar entretanto recolhida pelo Observador