Os constitucionalistas Vieira de Andrade e Reis Novais consideraram esta sexta-feira que as reuniões entre cientistas e políticos no Infarmed se substituíram aos organismos públicos previstos na lei de vigilância em saúde pública.

Durante um colóquio comemorativo do 45.º aniversário da Constituição da República Portuguesa, organizado pelo Tribunal Constitucional, Reis Novais considerou que estas reuniões sobre a situação da Covid-19 em Portugal se substituíram até à Assembleia da República.

A questão colocada aos dois constitucionalistas foi se as reuniões que se têm realizado no Infarmed, em Lisboa — foram 20, até agora, desde março do ano passado — “não terão esvaziado a estrutura administrativa médico-científica legalmente prevista, o Conselho Nacional de Saúde Pública e a Comissão Coordenadora de Emergência, para o acompanhamento destas situações”, se “não terá esta prática esvaziado o exercício de competências dos organismos públicos”.

Claro que sim. A resposta é sim“, declarou José Carlos Vieira de Andrade, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

O que está na Lei do sistema de vigilância é a competência de um determinado órgão e esse órgão só reuniu uma vez no início, e nem sequer, aliás, se seguiu o parecer do Conselho Nacional de Saúde Pública. Portanto, houve, de facto, uma ultrapassagem prática. Não houve a aplicação estrita da Lei do sistema de vigilância em saúde pública”, considerou.

Vieira de Andrade reiterou, contudo, o entendimento de que esta lei não tem as normas adequadas para situações como a atual pandemia de Covid-19. Por sua vez, Jorge Reis Novais afirmou: “Do ponto de vista jurídico-político, eu iria mais longe e diria que as reuniões do Infarmed não se substituíram só aos órgãos administrativos, substituíram-se também à própria Assembleia da República“.

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“O controlo público e a discussão pública sobre a execução do estado de emergência fazia-se nas reuniões do Infarmed. Era a seguir às reuniões do Infarmed que se discutia publicamente como as coisas estavam a correr. E a Assembleia da República, mas aí com responsabilidades da própria, foi completamente esvaziada de poder de controlo, e mesmo de definição – porque a autorização que dava aos decretos presidenciais era meramente formal”, acrescentou.

Segundo o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, “a Assembleia da República ficou totalmente fora do lugar que lhe cabe neste domínio”.

Na perspetiva de Reis Novais, por outro lado, “os responsáveis políticos utilizaram o álibi das apreciações científicas ou dos especialistas para se eximirem, algumas vezes, à assunção das responsabilidades políticas”.

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