A vida de Pedro Miguel Alcântara Duarte pode vir a dar um filme que ainda pode ter um fim mais insólito do que o que está a viver agora. O português tem cerca de 50 anos e, dessas cinco décadas, uma devia ter sido passada na cadeia após ter sido condenado por burla, em 2006, pelo Tribunal da Boa-Hora. Devia, mas não o foi. Nesse ano, o “burlão”, como o descreveu a Lusa nesse ano, desapareceu sem deixar rasto. Tudo até abril deste ano, quando apareceu, alegadamente com amnésia, em São Paulo, no Brasil, como contou a Record TV. Durante dias, o caso foi notícia e Pedro apresentado como um homem mistério, que não se lembrava de nada da sua vida. Mas a farsa acabaria por ser descoberta — voltou esta terça-feira a Portugal e foi detido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

Há 20 anos o português foi notícia por ter conseguido enganar vários “amigos”. “À exceção de uma, as vítimas eram todas pessoas com estudos superiores e acesso a informação económica”, escreveu a agência de notícias. Mesmo assim, e ao prometer lucros de 30 por cento/ano, livres de impostos, conseguiu ficar-lhes com 500 mil euros do quais nunca mais se viu o rasto.

O “burlão bem falante” dizia que tinha “uma grande fortuna do seu falecido pai e que era titular de um depósito bancário numa dependência off shore do Banco Espírito Santo (BES), sita em Nassau, nas Bahamas, na qual tinha depositado para cima de um milhão de euros”, lê-se numa queixa à Polícia Judiciária. Além de querer ter mais dinheiro, não se sabe o que levou o “pretenso herdeiro” a enganar tanta gente.

Um dos advogados das vítimas referia que Pedro era “inteligente, bem falante e bem educado”, truques que utilizara para ir a casa das vítimas e convencer os pais destas que era um herdeiro milionário. Só que era tudo uma fraude. De acordo com uma advogada das vítimas à época, a única explicação para as burlas foi que vivemos num país em que “o parecer é mais importante que o ser”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Era exibicionista, conduzia carros desportivos e fazia muitas viagens”, como descreveu o advogado Bernardino Amaral.

A história não acaba aqui. De todo. Pedro Miguel Alcântara Duarte terá até tido uma noiva, que tratava por «Formiguinha». Para conquistá-la, levou-a a Paris e foi até comprar os móveis a Singapura. “Dias antes do casamento, revelou-se falido e terá mesmo simulado o próprio sequestro”, escreve a Lusa.

Em todas as ocasiões o arguido mostrava dispor de grandes meios de fortuna, fazendo grandes dispendios, dizendo-se envolvido em operações de investimento muito avultadas e dizendo-se titular de rendimentos de capital aplicado no estrangeiro, nomeadamente na Austrália”, lê-se numa das queixas.

Uma das vítimas ainda recebeu parte dos juros do dinheiro que deu a Alcântara Duarte. No entanto, a certa altura, e como seria de esperar — se assim não fosse esta história não estaria a ser escrita — o caso chega a tribunal e Pedro Duarte é acusado de cinco crimes de burla qualificada, cometidos entre 2001 e 2003.

“Numa encenação espetacular, o alegado burlão convidou alguns dos seus “amigos” para jantarem num restaurante no Centro Comercial de Lisboa e contou-lhes a verdade: nunca tivera qualquer conta bancária no estrangeiro, nem fizera investimentos no estrangeiro”, escreveu a agência. Pior, para as vítimas, revelou que não tinha restado nenhum dinheiro. A partir daí, nunca mais ninguém o viu. Ou pelo menos é do que se lembra.

De burlão a amnésico em São Paulo

Este ano, Pedro Miguel Alcântara Duarte volta a ser notícia. Não com este nome, porque não se sabia quem era. Foi encontrado sem documentos, na Praça da Sé, em São Paulo, no Brasil. Alegadamente não se lembrava de nada: nem como ali chegou, nem do seu nome. Disse apenas que lhe tinham roubado os documentos. O caso tornou-se viral.

[No vídeo, a reportagem da Record TV na qual relata a descoberta de que o homem com amnésia é procurado por vários crimes de burla]

Rapidamente começa uma campanha para ajudar o homem a encontrar as suas origens, a sua família. E acabou por ser reconhecido por dois amigos que disseram que se chamava Pedro Duarte e que era português. Os jornalista da Record TV entram em cena e levam o caso para a delegação do canal na Europa, com sede em Lisboa, para tentar encontrar a família deste homem mistério. De repente, descobrem toda uma outra história.

Como conta a Record TV, encontraram mais oito pessoas com queixas de casos em que Pedro Miguel Alcântara Duarte voltou a tentar burlar pessoas, prometendo lucros garantidos em troca de investimentos. No Brasil, terá também tido algumas peripécias, que passaram por contas de noites em hotéis que ficaram por pagar a mais pessoas que viram desaparecer o dinheiro que lhe davam para que investisse.

Tudo acaba em Lisboa. Os tais dois amigos do Brasil que identificaram inicialmente o alegado amnésico quando passaram as primeiras reportagens, dizem agora que não são próximos de Pedro Miguel e nem fazem caso de este os poder ter enganado. O canal de televisão tentou refazer os passos do português desde que chegou ao Brasil e, para surpresa, nem no Consulado de Portugal há registo de que o homem estava no Brasil, pelo menos com o nome oficial.

Amnésico, Pedro Miguel Duarte teve de ser repatriado para Portugal. Ao chegar, foi detido. E, 20 anos depois, volta a ser notícia deste lado do Atlântico: “O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) deteve esta terça-feira no Aeroporto de Lisboa, à chegada do Brasil, um cidadão português que tinha dois mandados de detenção por burla e que alegou amnésia“. Ao chegar ainda foi a uma autoridade judicial para aplicação das medidas de coação. Resta saber o que o “bem falante” alegou e o que terá ainda para revelar.