O ministro dos Negócios Estrangeiros frisa que a União Europeia “está a fazer mais” no mundo para que as vacinas contra a Covid-19 cheguem a todo os países, mas insiste que todos os atores mundiais têm de “fazer mais“.

Em entrevista à Lusa, Augusto Santos Silva admite que “as insuficiências são muitas“, nomeadamente em África, e, apontando as falhas de produção como principal razão, afirma que todos os países podem fazer mais.

“Acho que o professor Carlos Lopes [comissário da União Africana] faz muito bem em pressionar, como faz muito bem o secretário-geral das Nações Unidas [António Guterres] em pressionar, ou o diretor-geral da Organização Mundial de Saúde [Tedros Ghebreyesus] em pressionar, porque nós precisamos de facto de fazer mais para que todo o mundo esteja vacinado o mais depressa possível”. “Isso é verdade, e eu acho que deve ser dito as vezes que for preciso”, afirma.

O ministro frisa, contudo, que, “de todos os que têm grandes responsabilidades, fazendo eventualmente ainda menos do que o que devia, a União Europeia é o que faz mais“.

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O problema principal aqui é que os Estados Unidos não exportam, embora haja agora declarações de que vão fazer doações significativas, […] e o Reino Unido também não estava a exportar, o que quer dizer que, dos grandes exportadores ocidentais, só a União Europeia está a exportar”, sublinha.

O ministro admite, no entanto, que os últimos dados de que dispõe, indicam que, “do total de mais de 200 milhões de doses exportadas pela União Europeia, 80% têm sido exportadas para países desenvolvidos e só 20% para países em desenvolvimento”.

Covid-19. Bruxelas aguarda luz verde este mês para vacinar a partir dos 12 anos

Augusto Santos Silva respondia a uma questão sobre declarações de Carlos Lopes, Alto-Representante da União Africana (UA) para as Parcerias com a Europa, que, numa conferência realizada na segunda-feira, afirmou que a UE não destinou “um euro adicional” à luta contra o Covid-19 em África, tendo “desviado” apoios dos programas de desenvolvimento para a compra de vacinas.

“Julgo que não. O mecanismo de distribuição Covax tem como principal financiador a União Europeia, e muitos países africanos já beneficiam do mecanismo Covax ou vão beneficiar dentro em pouco desse mecanismo“, disse o ministro português.

Santos Silva frisou por outro lado que os Estados-membros da UE, “no âmbito das suas relações bilaterais, vão também tendo os seus próprios programas de distribuição de vacinas em África”, e apontou que Portugal já enviou “uma primeira remessa de 24 mil doses” para Cabo Verde e tem “o compromisso de, ao longo do segundo semestre, destinar pelo menos 5% das vacinas que adquiriu para doação aos Países Africanos de Língua Portuguesa e a Timor-Leste”.

“Este esforço tem dee ser comum, a dimensão da necessidade de África é muito grande, são 1.300 ou 1.400 milhões pessoas”, frisa.

 Desvio do voo da Ryanair é “um ato absolutamente desesperado” da Bielorrússia

O ministro dos Negócios Estrangeiros português defende que o desvio do voo da Ryanair é “um ato absolutamente desesperado” da Bielorrússia, no “limite do que é imaginável”, e as justificações de Minsk são “tão implausíveis que são até ridículas”.

Augusto Santos Silva afasta um possível envolvimento da Rússia, aliada do regime de Alexander Lukashenko: “Não acho que seja do interesse da Rússia patrocinar ou pactuar com este, diria, desespero da Bielorrússia”. “Vamos ver. Temos de falar com eles”, acrescenta, referindo-se aos responsáveis políticos russos.

Jornalista detido na Bielorrússia, que viajava em avião desviado, aparece em vídeo a confessar crimes

O ministro referia-se ao incidente ocorrido no domingo, em que um voo da companhia de baixo custo irlandesa entre Atenas, na Grécia, e Vílnius, na Lituânia, foi forçado a fazer um desvio para Minsk, na Bielorrússia, que culminou com a detenção do jornalista e ativista bielorrusso Roman Protasevich e da companheira.

Eu entendo este ato praticado pelas autoridades bielorrussas no domingo passado como um ato absolutamente desesperado. É chegar ao limite do que é imaginável, mandar um caça intercetar um voo da Ryanair porque se quer apanhar um jornalista”, afirma Santos Silva.

O ministro prossegue considerando que o vídeo divulgado na terça-feira pela televisão pública bielorrussa — em que Roman Protasevich afirma estar a colaborar com as autoridades e faz uma confissão — “não merece nenhuma credibilidade”, sobretudo “nas condições em que a pessoa foi detida e permanece detida”.

As justificações que até agora foram dadas pelas autoridades bielorrussas são tão implausíveis que são até ridículas”, afirma Santos Silva, acrescentando que “não tem pés nem cabeça” a alegação, por Minsk, de que o desvio foi motivado por uma ameaça de bomba feita pelo movimento palestiniano Hamas.

Na segunda-feira, a União Europeia, reunida em cimeira extraordinária, aprovou uma série de medidas contra o regime bielorrusso e exigiu a libertação de Roman Protasevich. Para Santos Silva, as medidas, as “habituais em diplomacia e política externa”, são adequadas.

“A condenação, que em si mesma é uma expressão de força, o isolamento político e diplomático, as sanções. É essa pressão no sentido de procurarmos um objetivo. Em primeiro lugar, garantir a segurança da pessoa em causa. Em segundo lugar, contribuir para a sua libertação ou para um julgamento justo”, afirma o ministro. “E a primeira coisa que a gente tem de fazer é denunciar, porque evidentemente não é maneira de proceder, intercetar um avião para prender uma pessoa e a sua companhia”, frisa.

Santos Silva evoca, entre as decisões tomadas pelos líderes europeus, a investigação internacional pedida à Organização Internacional da Aviação Civil, a proibição de voo da companhia aérea bielorrussa no espaço aéreo europeu e o apelo a que as companhias aéreas da UE não sobrevoem o espaço bielorrusso. “O impacto disto é grande”, assegura.

Por outro lado, e com a Comissão Europeia encarregada de elaborar um relatório sobre a relação com a Rússia, Santos Silva aposta num “processo importante” e aponta “a experiência do que sucedeu com a Turquia”.

Segundo o ministro, depois de, em 2020, os líderes europeus terem mandatado o Alto Representante e a Comissão para fazerem um relatório sobre “as relações com a Turquia e como é que elas poderiam evoluir, negativa ou positivamente”, houve “gestos mais positivos” da Turquia e “uma reflexão mais profunda” na UE. “Vamos ver se as coisas também podem melhorar um pouco no relacionamento com a Rússia”, afirma.

Santos Silva vê “má-fé” nas críticas à posição do governo

O ministro dos Negócios Estrangeiros aponta “má-fé” às críticas do BE, PCP e Livre à posição do governo sobre a recente escalada de violência entre Israel e o Hamas e frisa que ela corresponde à “posição bem consolidada da política externa portuguesa”.

A polémica surgiu depois de Bloco de Esquerda, Partido Comunista e Livre terem acusado o governo de legitimar as ações militares israelitas contra palestinianos numa mensagem colocada na conta oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros no Twitter a 11 de maio.

Santos Silva frisa que essa mensagem, devido à sua extensão, foi dividida em dois tweets publicados com menos de um minuto de intervalo.

E manifesta-se “indignado” porque, afirma, “só por má-fé se pode tratar esta declaração como se ela fosse composta apenas pelo primeiro tweet”. “Portugal acompanha com grande preocupação os recentes desenvolvimentos em Israel e no território palestiniano ocupado, incluindo Jerusalém Leste. Condenamos o lançamento indiscriminado de mísseis a partir da Faixa de Gaza contra civis israelitas. Um tweet”, cita.

“E logo a seguir: Portugal recorda que qualquer resposta militar, [de Israel] deverá ser proporcional e urge todas as partes a evitarem qualquer ação que possa gerar mais violência. Este é momento para contenção e desanuviamento”, prossegue, citando o segundo tweet.

A “má-fé” que considera ter levado a tomar parte da mensagem pelo todo é “fácil de ver”, na medida em que o primeiro tweet — referido pelos críticos — teve “muitas partilhas”, enquanto o segundo, que completa a mensagem, registou um número muito reduzido de partilhas. Na segunda-feira à tarde, o primeiro tweet contabilizava 511 partilhas e o segundo tinha 14.

“Portugal considera que o direito de defesa [de Israel] é um direito limitado. Agora, se fizer a comparação com aqueles que me atacaram, reparará que a única diferença é que eu digo que Portugal condena os rockets do Hamas, ao passo que outros não condenam”, aponta. “Essa é a verdadeira diferençam e essa diferença faz que a justiça e a ética estejam do meu lado e não do lado deles”, assegura Santos Silva.

Portugal “considera Jerusalém um território ocupado”, “condena a expansão de colonatos de Israel”, “condena as deslocações forçadas de famílias e demolições ocorridas em Jerusalém”, “condena as tentativas de anexação por parte de Israel de território que à luz do direito internacional é território ocupado”, “não acompanhou” os Estados Unidos “na mudança das instalações diplomáticas de Telavive para Jerusalém”, “condena o lançamento de ‘rockets’ ou mísseis contra populações civis em Israel e “entende que Israel tem o direito de se defender”, mas que esse direito “não é ilimitado” e “tem que cumprir as regras do direito internacional, designadamente humanitário”, enumera.

África, Leste, Médio Oriente e Indo-Pacífico em foco no Gymnic

As relações com África, o Leste da Europa, o Médio Oriente e o Indo-Pacífico são os temas em debate na reunião informal de ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia — Gymnich —, que Lisboa recebe na quinta-feira. Os Conselhos informais de Negócios Estrangeiros e de Defesa realizam-se a cada semestre e a sua organização cabe ao país que exerce a presidência do Conselho da UE.

Consideradas das reuniões mais importantes das presidências rotativas, elas são presididas pelo Alto Representante da UE para a Política Externa, atualmente Josep Borrell, e pelos ministros da tutela, no caso Augusto Santos Silva e João Gomes Cravinho.

O ministro dos Negócios Estrangeiros explica que “o grande interesse” do Gymnich é que “demora pelo menos um dia” durante o qual os ministros “estão sozinhos”, sem as habituais delegações, “o que permite uma discussão política, de macropolítica, portanto, de natureza estratégica, bastante livre porque totalmente reservada”.

Nestas reuniões, prossegue, debatem-se temas de atualidade, “mas não de uma atualidade imediata”, até porque, não sendo reuniões formais, não há decisões nem conclusões formais. A agenda é acertada entre o Serviço Europeu de Ação Externa (SEAE) e a presidência rotativa.

A agenda desta quinta-feira assenta em quatro temas. O primeiro é uma discussão sobre as relações da União Europeia e África, que contará com a participação da comissária europeia para as Parcerias Internacionais, Jutta Urpilainen.

Sendo uma das prioridades da presidência portuguesa, e com a pandemia a obrigar ao adiamento, em 2020 e em 2021, de uma Cimeira União Africana-União Europeia, Santos Silva destaca a área do investimento, da transição verde, das migrações e da paz e segurança.

Dentro destas, “três ou quatro pontos fundamentais”: o Norte da África, a segurança marítima no Golfo da Guiné, a parceria de investimento e, “o [ponto] mais crítico neste momento”, o apoio a Moçambique para combater as redes terroristas em Cabo Delgado. O segundo tema do Gymnich, prossegue ministro, são os chamados ‘conflitos não resolvidos’ na vizinhança leste da UE.

“Neste momento, em cinco dos seis países da vizinhança leste temos este tipo de conflitos: entre a Arménia e o Azerbaijão, por causa do Nagorno-Karabakh, na Geórgia, por causa da situação vivida na Ossétia do Sul, e na Abkházia, na Moldova, por causa da Transnístria e na Ucrânia por causa da do Donbass e da Crimeia”, aponta o ministro.

“Por ironia, um pouco triste, o único dos seis países da vizinhança leste que não entraria nesta categoria dos conflitos não resolvidos seria a Bielorrússia, mas evidentemente que também falaremos sobre a Bielorrússia”, acrescenta. A agenda prossegue com o Indo-Pacífico, ecoando, tal como África, uma das prioridades na ação externa da presidência portuguesa.

“Tivemos a Cimeira entre a União Europeia e a Índia, no dia 8 de maio, no Porto, aprovámos antes as conclusões do Conselho de Negócios Estrangeiros mandatando o Alto Representante e a Comissão para apresentarem uma estratégia europeia para o Indo-Pacífico até ao próximo mês de setembro e, portanto, esta discussão que os ministros vão ter é muito relevante no âmbito da preparação dessa estratégia”, afirma.

Finalmente, a situação no Médio Oriente será discutida durante o almoço de trabalho, para o qual foi convidado o ministro dos Negócios Estrangeiros da Jordânia, Ayman al-Safadi. O Gymnich deve o seu nome ao castelo alemão onde foi realizada a primeira reunião do género, em abril de 1974, da então Comunidade Económica Europeia.

Por Maria de Deus Rodrigues (texto) e António Pedro Santos (foto), da agência Lusa