O hacker Rui Pinto não vai ser chamado à comissão parlamentar de inquérito às perdas do Novo Banco, depois de uma votação ter dado um empate (8 contra 8), o que anula o requerimento do PAN para ouvir o pirata informático que esteve na origem dos Football Leaks e Luanda Leaks. A votação, feita em duas instâncias (que deram o mesmo resultado, um empate), seguiu-se a um acalorada discussão entre os deputados da comissão sobre se a comissão deve ouvir um cidadão que, como é publicamente sabido, obteve as informações que obteve de forma ilícita.
Os deputados PS e do CDS votaram contra, recusando ouvir uma pessoa sabendo-se a forma como as informações foram obtidas. Já o PAN (proponente) e os deputados do PCP e o BE votaram a favor da audição, reconhecendo a questão da ilicitude mas sublinhando o “critério da relevância” em aceder a informação que outros organismos de investigação, designadamente os judiciais, também tiveram acesso.
Também os deputados do PSD disseram que não iriam “obstaculizar” a audição e, por isso, votaram a favor, embora a dada altura se tenham juntado à sugestão feita por João Cotrim de Figueiredo, da IL (que acabou por se abster), de que Rui Pinto fosse chamado mas para que lhe fosse perguntado oficialmente, no início da hipotética audição, como é que obteve a informação.
Declaração de voto de Cecília Meireles, do CDS-PP
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A decisão que hoje nos é colocada parte do pressuposto de que não só não é afirmada nem remotamente conhecida nenhuma ligação da pessoa em causa com o BES, o GES ou o BESA, como também não foi apontada sequer como possibilidade qualquer forma lícita de obtenção de informação relevante.
Nas comissões de inquérito, os Deputados têm uma responsabilidade particular, e mesmo individual, que penso todos levamos muito a sério, e foi especialmente tendo isso em conta que decidi como devia votar este requerimento. Foi uma decisão tomada de acordo com a minha consciência e a minha convicção individuais.
É uma decisão não só muito relevante como também muito séria e nela estão em causa valores essenciais, de lados opostos, que têm que ser ponderados.
Percebo que a descoberta de factos é um pressuposto da realização da justiça e que o processo judicial não pode ser de tal maneira tecnocrático ou garantístico que impeça na prática a realização do seu fim. Mas isso não significa que o fim justifica quaisquer meios e que o indivíduo e os particulares possam ser, a qualquer momento, despidos de quaisquer direitos ou garantias face a um qualquer coletivo, seja esse coletivo o Estado ou um conjunto de auto-intitulados vingadores ou justiceiros. Não há nenhum Estado de Direito no Mundo sem processo penal. E esta é a essência do que aqui discutimos hoje.
Se aceitamos o princípio de que quaisquer meios podem ser utilizados para chegar aos factos, que parece ser o que alguns partidos defendem, não vejo como não estamos a aceitar o inaceitável, como a tortura, por exemplo. E já agora, também não compreendo porque queremos aceitar como boa a espionagem dos outros, e porque não contratamos nós os meios para entrarmos nos computadores e nos telefones do BES, do BESA ou do NB.
E porquê parar aí, e não passarmos também a vigiar os cidadãos e uns aos outros? Uma vez quebrado o princípio essencial que hoje aqui estamos a quebrar, é evidente que fica a porta aberta para qualquer tipo de abuso. A linha que hoje aqui discutimos hoje é uma linha que não se passa, e é aquela o totalitarismo da Democracia. Esta não é uma questão técnica ou mesmo jurídica, é exatamente a mesma diferença que separa o julgamento por multidões na praça pública do julgamento em tribunais com um processo justo.
Por último, gostava de lembrar que hoje assistimos a muito discursos piedosos com grandes preocupações com extremismos e populismos. Sobretudo quando da crítica se pode retirar vantagem partidária. Não costumo fazer desses discursos por uma razão simples: aquilo em que acreditamos pratica-se; não se apregoa. O medo de acusações e insinuações de encobrimento não justifica nem desculpa quaisquer votos. Tenho a certeza de que Deputados com medo não servem o País, e eu não serei um deles. Nesta votação ficaremos a saber quem realmente acredita no Estado de Direito e está disposto a defendê-lo, mesmo sabendo que corre o risco de impopularidade, críticas, incompreensões ou quaisquer outras consequências. Em consciência não posso ter outro voto que não seja contra.
Rui Pinto diz-se “vetado” e critica “regime socialista” e Cecília Meireles
“Em 47 anos de Democracia, serei porventura o primeiro cidadão a ser vetado de uma CPI, já durante o desenrolar avançado dos trabalhos”, comentou Rui Pinto no Twitter. “Mais do que o mero veto, deve-se enaltecer o simbolismo da decisão e o seu significado político”, acrescentou o hacker.
Em 47 anos de Democracia, serei porventura o primeiro cidadão a ser vetado de uma CPI, já durante o desenrolar avançado dos trabalhos.
Mais do que o mero veto, deve-se enaltecer o simbolismo da decisão e o seu significado político.— Rui Pinto (@RuiPinto_FL) May 27, 2021
Rui Pinto escreveu, também, “a simbiose entre política e os principais escritórios de advogados é uma das marcas deste regime socialista“. O sentido de voto dos deputados do PS, e as suas justificações eram mais do que expectáveis, para alguém como eu, que está convicto de que não será o PS a encetar reais esforços no sentido de travar a corrupção sistémica existente em Portugal.
Faz, ainda, “uma menção também à deputada do CDS, C. Meireles, e ao seu pré-juízo, substituindo-se aos tribunais, e violando a minha presunção de inocência. Isso sim, é atentatório do Estado de Direito democrático“.
“Para finalizar, agradeço o convite do senhor deputado do PAN, André Silva. E continuarei a fazer o meu trabalho, na colaboração com as autoridades, com o objectivo comum de caçar os maiores criminosos em matéria económico-financeira deste país. Nisso poderão contar sempre comigo”, conclui.
A audição a Rui Pinto tem causado desavenças entre os deputados da comissão de inquérito. O nome do “hacker” consta da lista de pessoas que o PAN quer ouvir e recentemente o partido (ainda) liderado por André Silva acusou outros partidos de boicotarem essa audição.
André Silva enviou uma carta ao presidente da comissão, Fernando Negrão, a insistir na marcação do depoimento e, ao jornal Público, o deputado disse que “há aqui claramente manobras e expedientes dilatórios para não ser ouvido. Há partidos que aparentemente não querem que Rui Pinto seja ouvido, porque deve ter informação mesmo muito, muito importante”.
Em resposta ao requerimento do PAN, o PSD pediu a Fernando Negrão uma reunião de Mesa e coordenadores “para o proponente [PAN] nos municiar com informação sobre a relevância deste depoimento para o objeto da nossa Comissão”. Foi, depois, marcada uma votação para finalmente se determinar se o “hacker” que esteve na origem dos Football Leaks e Luanda Leaks deveria ou não ser ouvido.
Rui Pinto está neste momento a ser julgado por atos de pirataria informática e ele próprio mostrou, através do Twitter, estranhar a controvérsia em torno da sua ida à comissão parlamentar de inquérito: “será que alguns elementos da CPI não querem saber o que eu tenho para dizer?”
“Os crimes ocorridos no BESA (BES Angola) tiveram e têm ainda consequências. A verdade não pode ser enclausurada”, escreveu, acrescentando: “Será que os contribuintes não têm o direito a saber o que andam a pagar, a quem e porquê?”.