Os manuscritos das Cantigas do rei Afonso X de Castela, guardados no palácio do Escorial e os únicos inacessíveis ao público e aos investigadores até agora, vão ser disponibilizados online pelo Património Nacional Espanhol. A partir do final do mês, os manuscritos estarão disponíveis para todo o mundo através do website www.patrimonionacional.es.

Os dois códices das “Cantigas de Santa Maria” — uma coleção de mais de 400 canções em galego, elaboradas no século XIII pelo rei Afonso X, o Sábio — até agora inacessíveis vão ser revelados ao mundo antes de julho, confirmou ao El País a presidente do Património Nacional, Llanos Castellanos. Segundo o jornal espanhol, o “Códice Rico” e o “Códice de los Músicos” dormiram um sono de séculos, guardados na Real Biblioteca de San Lorenzo de El Escorial, em Madrid.

O organismo estatal que conserva e preserva os bens históricos ligados à Coroa espanhola atrasou a exposição online destes documentos, ao passo que os outros dois manuscritos das mesmas Cantigas, mantidos pela Biblioteca Nacional de Espanha (“Códice de Toledo”) e a Biblioteca Nacional Central de Florença (“Códice de Florença”), estavam à disposição do público e dos investigadores através de “um simples clique”.

A impossibilidade de aceder aos manuscritos mantidos em El Escorial gerou mal-estar em algumas instituições, ao ponto de, em janeiro último, a Academia Real Galega (RAG) ter enviado uma carta ao presidente do Património Nacional exigindo o acesso online aos manuscritos.

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“O Património Nacional deve-o à cultura galega, hispânica, europeia e universal”, afirmou a instituição galega, depois de destacar que as bibliotecas de todo o mundo que possuem coleções significativas as divulgam através da Internet, como é o caso da Biblioteca Nacional de Portugal, com o cancioneiro trovadoresco galego-português que guarda, e da Biblioteca Apostólica Vaticana, com outros dois livros de cantigas trovadorescas galego-portuguesas mais importantes.

A RAG salientou ainda o facto de se assinalar o 800.º aniversário do nascimento de Afonso X (1221-1284): “Um inspirado poeta na nossa língua que ainda acolheu na sua corte uma plêiade de trovadores que compuseram cantigas em galego, das quais os livros de trovadores galego-portugueses nos oferecem um esplêndido testemunho”, de que são exemplo as “Cantigas de Santa Maria”, consideradas uma das joias do património cultural da humanidade.

A academia galega quis editar no ano passado o “Códice dos Músicos”, cuja última publicação data dos anos sessenta, mas assegura que só encontrou problemas, enquanto o “Códice de Toledo”, que é mantido pela Biblioteca Nacional, já podia ser acedido a partir da página de internet dessa instituição. O Conselho da Cultura Galega, organismo responsável pela proteção dos valores culturais do povo galego, fez duas edições do “Códice de Toledo” (em 2003 e 2008) “de grande qualidade, mas a um preço acessível ao público”.

Por outro lado, este organismo sublinha que dos dois códices que o Património Nacional detém na Biblioteca de El Escorial, o “de los Músicos” foi publicado nos anos 1940 “em condições muito precárias” e, o “Rico”, famoso pelas suas ilustrações, “foi objeto de várias edições de luxo por editores privados, apenas ao alcance de pessoas e instituições que as podem adquirir a preços muito elevados”.

A Real Academia Galega manifestou a sua “enorme satisfação” pelo que significa o acesso universal “a uma das joias da cultura poética da língua galega”.

As “Cantigas de Santa Maria” são um conjunto de 427 composições em galego-português, que no século XIII era a língua fundamental da lírica culta em Castela, que se encontram repartidas em quatro manuscritos: “Códice de Toledo”, “Códice de los Músicos”, “Códice Rico” e “Códice de Florença”. Embora persistam algumas dúvidas sobre a autoria direta do rei Afonso X, há pouca dúvida acerca de sua participação direta como compositor em muitas delas.

Afonso X, cognominado o Sábio ou o Astrólogo, foi rei de Castela e Leão de 1252 até à sua morte. Teve vários filhos, entre os quais Beatriz de Castela, que casaria, em 1253, com o rei Afonso III de Portugal. Deste matrimónio, nasceu aquele que viria a ser o rei de Portugal e do Algarve de 1279 até 1325, D. Dinis de Portugal, conhecido como o Lavrador.