O Governo permitiu à EDP vender um direito à compradora das barragens no Douro que não era permitido no contrato de concessão daqueles empreendimentos. Essa é a conclusão do Bloco de Esquerda a partir da análise da documentação enviada pelo Ministério do Ambiente sobre o polémico negócio da venda de seis barragens no ano passado. Esses documentos permitem perceber que a Agência Portuguesa do Ambiente começou por levantar objeções à transmissão desse direito na venda dos empreendimentos à Engie, mas os argumentos da EDP terão convencido a APA a permitir essa operação.

Daí a conclusão de que “A EDP vendeu um direto que não estava previsto nem existia sequer. Ou seja, a EDP transmitiu um direito que se extinguia automaticamente por efeito da cisão (das barragens que foram vendidas numa nova empresa)”. E o Estado concedeu esse direito novo com um elevado valor económico (para o comprador) que a EDP fez refletir no preço de venda, “apropriando-se inteiramente dele”.

Os documentos remetidos ao partido estavam classificados como confidenciais, apesar de alguns deles serem já públicos, mas o Bloco de Esquerda divulgou em comunicado algumas conclusões retiradas do seu conteúdo. E numa delas considera que o Estado concedeu à EDP de forma gratuita e sem contrapartida um novo direito. Foi essa atribuição decidida pelo Governo “tornou economicamente viável uma transmissão de concessões que à partida não tinha racionalidade”.

Em causa está a possibilidade de efetuar bombagem para as barragens Baixo Sabor e Feiticeiro no Douro a partir de outra barragem concessionada à EDP, a Valeira. O contrato de concessão de 2008 só permitia essa bombagem (que aumenta a produção das duas barragens) caso o concessionário das três barragens fosse o mesmo. Ora, escreve o Bloco, “em resultado do negócio, estas duas barragens passaram a ser operadas pela Engie, continuando a Valeira a ser operada pela EDP. Em consequência, e nos termos do contrato com o Estado, terminaria a possibilidade de bombagem da água do Douro para o Sabor”.

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Segundo a documentação enviada ao Bloco de Esquerda, a APA “opôs-se à possibilidade de continuar a ser bombada água do rio Douro para montante para o Rio Sabor, através das barragens de Feiticeiro e do Baixo Sabor”, alegando que essa possibilidade só existia no contrato de 2008 porque a EDP era a única concessionária. Esta oposição foi manifestada no início de outubro, ou seja, na fase final do longo processo de aprovação do negócio pela autoridade ambiental e pelo Governo que dá luz verde à transação de 2,2 mil milhões de euros a 13 de novembro, pouco mais de um mês depois.

Os documentos recebidos pelo BE mostram que a EDP contrariou esta oposição, argumentando que o cumprimento desta cláusula de 2008, e a impossibilidade de realizar a bombagem ,”teria um pesado impacto negativo na rentabilidade dos investimentos, e no equilíbrio financeiro do contrato, tornando inúteis os elevados investimentos efetuados pela EDP no equipamento das três barragens com turbinas reversíveis (que permitem bombagem). Três das barragens vendidas à Engie no Sabor e no Tua (afluentes do Douro) dependem em termos operacionais das barragens que a elétrica portuguesa continua a ter no Douro.

O que é certo é que a possibilidade de realizar bombagem se manteve na adenda ao contrato de concessão feita em 2020 no contexto da venda das barragens, sem que tivesse havido contrapartida para o Estado, sublinha o Bloco de Esquerda.  Este é mais um elo da complexa cadeia de operações e autorizações para a venda das seis barragens a suscitar dúvidas e que resulta da chegada entre outros documentos de trocas de correspondência entre a EDP e a APA.

O negócio começou por suscitar questões relativas ao pagamento de impostos (que está a ser investigado numa inspeção da Autoridade Tributária) por iniciativa do Movimento Terras de Miranda ainda no ano passado. Já este ano, e através documentos pedidos e obtidos por partidos da oposição, ficou a saber-se que uma diretora da APA tinha considerado em julho de 2020 não estarem reunidas as condições legais para concretizar a operação —  obstáculos que o Ministério do Ambiente diz terem sido entretanto ultrapassados ou esclarecidos — e que o Estado não fez a sua própria avaliação económica e financeira do negócio, nem fez as contas para perceber se valia a pena exercer o direito de preferência.