“Não temos eletricidade, água ou internet. Não podemos comunicar com ninguém, conseguimos ligar-nos com uma VPN. A polícia está vestida à civil, a agredir e a matar, para que se pense que é o povo revolucionário e não eles. Denunciem por favor. E rezem por nós.”

Replicada no Twitter esta terça-feira de manhã, hora europeia, início da madrugada em Havana, esta mensagem escrita tenta dar conta daquilo que se passa atualmente em Cuba, menos de dois dias depois dos maiores protestos governamentais de que há memória nos últimos 30 anos no país, e a sua veracidade é impossível de apurar.

Depois de este domingo os protestos de milhares de cubanos terem chegado a todo o mundo, amplificados pelas redes sociais, segunda-feira o dia amanheceu sem internet móvel na ilha — essa parte, pelo menos, é factual e já tem sido corroborada pelas agências internacionais, como a Efe, que deu conta de uma “calma tensa”, alicerçada numa forte presença policial nas ruas da capital Havana, no dia após as manifestações.

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De acordo com a BBC, que cita dados do site Netblocks, redes sociais como WhatsApp, Facebook, Instagram e Telegram foram bloqueadas nos servidores da Etecsa, a empresa estatal de telecomunicações que desde dezembro de 2018 providencia e controla o acesso à internet móvel no país.

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Se até às 15h da tarde desta segunda-feira, hora cubana, não tinham sido descarregados na internet quaisquer novos vídeos ou fotografias de manifestações ou confrontos com a polícia, conforme atestou a Efe, nas últimas horas já começaram a surgir, via Twitter, novas imagens, que dão conta da continuação de confrontos em várias zonas da capital e até de disparos por parte das forças da autoridade contra manifestantes. Mais uma vez, não é possível perceber quando, onde e em que circunstâncias foram captadas ou se correspondem às legendas que os acompanham.

Apesar de não ter sido ainda divulgado o número oficial de detenções feitas no passado domingo, tudo indica que terão sido pelo menos várias as dezenas de pessoas detidas — o El País fala em centenas.

A correspondente do espanhol ABC em Havana, Camila Acosta, foi uma das detidas — foi intercetada pela polícia esta segunda-feira de manhã à porta de casa, enquanto saía com o pai, que tinha de ir fazer um teste à Covid-19, detalhou o jornal. Mais tarde, o apartamento da jornalista, que este domingo assegurou a cobertura das manifestações na capital cubana, foi revistado e todos os seus objetos profissionais, computador incluído, foram apreendidos. Segundo conseguiu apurar o ABC, Acosta, que continua detida, deverá ser acusada de “delitos contra a segurança do Estado”.

Entretanto, Julie Chung, a secretária adjunta do Gabinete para os Assuntos do Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado dos EUA, elencou através do Twitter uma lista de ativistas que terão sido também detidos — e apelou à sua “libertação imediata”. Entre eles estão José Daniel Ferrer, coordenador-geral da UNPACU, a União Patriótica de Cuba; o artista visual Luis Alcantara; o poeta Amaury Pacheco; e o jornalista independente Guillermo Fariñas, que em 2010 foi agraciado com o prémio Sakharov.

Através do Twitter, a filha de Fariñas foi atualizando as informações sobre o paradeiro do pai, que no domingo chegou a ser dado como desaparecido, apenas para esta segunda-feira se perceber que tinha sido detido. Segundo Haisa Fariñas, Guillermo foi entretanto libertado, tendo sido novamente detido e depois libertado uma vez mais — com ordens para permanecer no domicílio, à porta do qual esta segunda-feira chegaram a reunir-se manifestante pró-governo. “A polícia política quer impedi-lo de se manifestar. Ele continua a dizer que a casa não é uma masmorra e que vai continuar a lutar, mesmo que o impeçam, porque Cuba pertence aos Cubanos, não aos Castros ou aos comunistas”, escreveu entretanto Haisa naquela rede social.

De acordo com a BBC, há ainda concentrações à porta de várias esquadras, com familiares a reclamar informações sobre os seus entes queridos desaparecidos e presumivelmente presos.

Ariel González, que falou à BBC News Mundo, é um deles: nas últimas horas foi duas vezes à esquadra local para tentar obter notícias sobre o filho, estudante, de apenas 21 anos. Ambas as tentativas foram infrutíferas: “Sei que ele foi levado porque alguns dos amigos que estavam com ele mo disseram. Na esquadra da polícia disseram-me que não podiam dizer-me onde ele estava porque tinha sido levado por outra instituição“, disse o pai, numa referência à presença de agentes à paisana nas manifestações.

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À mesma equipa de reportagem, um morador de Havana deu conta do aumento de efetivos policiais nas ruas da capital nas últimas horas — “as ruas estão cheias de polícia” foi a expressão que utilizou. “Há polícias em todas as esquinas e praticamente só se vê passar patrulhas policiais.”