Saber se a proteção conferida pelas vacinas contra a Covid-19 se mantém ao longo do tempo é a grande questão neste momento, especialmente com as farmacêuticas a insistirem que é preciso dar uma terceira dose e os países e reguladores do medicamento a debaterem-se com a necessidade do reforço.
Nas justificações para a administração da terceira dose misturam-se anticorpos com imunidade, como se um definisse o outro, e pede-se uma imunidade total que dificilmente seria alcançada por qualquer vacina conhecida.
Um estudo divulgado esta quinta-feira pelo Algarve Biomedical Center (ABC) e pela Fundação Champalimaud, refere que os anticorpos caem de forma significativa ao fim de quatro meses nas pessoas com mais de 70 anos. Que significado tem esta informação? E como se justifica que outra parte da resposta imunitária se mantenha? Estas são algumas das dúvidas que o Observador tenta responder.
A diminuição de anticorpos significa uma perda de imunidade?
A resposta mais correta, neste momento, é que não se sabe. As farmacêuticas têm usado a quantidade de anticorpos neutralizantes no sangue, capazes de eliminar o coronavírus SARS-CoV-2, e a diminuição da quantidade dos mesmos ao longo do tempo nas pessoas vacinadas como medida aproximada de perda de imunidade. Uma estratégia que ainda não convenceu os reguladores quanto à necessidade da dose de reforço.
Que os anticorpos atinjam um pico poucas semanas depois da infeção ou da vacinação e que meses depois comecem a diminuir é o processo normal da resposta imunitária. Se a ameaça foi eliminada, o organismo não precisa de continuar a gastar recursos desnecessariamente, até porque o modelo de fabrico dos anticorpos fica guardado nas células de memória.
A eficácia das vacinas diminui ao longo do tempo?
Desde o primeiro momento, as vacinas nunca pretenderam impedir totalmente a infeção com o vírus ou bloquear completamente a transmissão entre pessoas, mas, se acontecesse, seria um efeito secundário bem vindo.
O objetivo principal das vacinas — e foi isso que foi avaliado na generalidade dos ensaios clínicos — era que fossem capazes de impedir a doença grave, internamentos e morte com Covid-19. E, neste campo, as vacinas passaram e continuam a passar no teste.
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Os reguladores europeus e norte-americano estabeleceram como limite mínimo de eficácia 50% para poderem avaliar a autorização das vacinas, mas as vacinas de mRNA, por exemplo, atingiram níveis de eficácia superiores a 90% nos ensaios clínicos.
O que quer dizer que nem todas as pessoas vacinadas estão protegidas e que, uma vez infetadas, nem todas as pessoas conseguiram uma resposta plenamente eficaz, mas o risco de doença grave ou morte em pessoas vacinadas é relativamente pequeno.
Os números em Portugal mostram isso mesmo. Na primeira semana de agosto, por cada cinco casos de Covid-19 admitidos em enfermaria, quatro não tinham esquema vacinal completo, o mesmo se verificando em 14 de cada 15 internamentos em unidades de cuidados intensivos, revelou, na reunião do Infarmed, Pedro Pinto Leite, chefe da Divisão Epidemiológica e de Estatística da Direção-Geral da Saúde.
Na mesma reunião, Baltazar Nunes, investigador no Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, disse que, em Portugal, a vacina mostrou-se eficaz na prevenção da doença ligeira e grave e dos internamentos em 70 a 80% da população acima dos 65 anos (o grupo estudado). Passadas 14 a 20 semanas (3,5 a cinco meses), a proteção contra doença ligeira cai — há mais pessoas a apresentar sintomas —, mas a proteção contra doença grave e internamentos mantém-se.
A resposta imunitária celular também cai ao longo do tempo?
A maior parte dos estudos sobre a imunidade baseiam-se em testes serológicos (de deteção de anticorpos contra o SARS-CoV-2), seja através de uma fotografia num dado momento (como o estudo do ABC e Champalimaud) ou ao longo dos meses nos mesmos indivíduos.
O estudo da resposta imunitária celular, baseada nos glóbulos brancos (células T e células B, por exemplo) é mais dispendiosa e mais morosa, mas os resultados já publicados têm mostrado uma imunidade duradoura.
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Esta terça-feira, um estudo publicado na revista Science, mostrava que era possível encontrar células T CD4+ em 34 das 35 pessoas que receberam a primeira dose da vacina da Moderna na primeira fase dos ensaios clínicos e em todas as 32 pessoas que receberam a segunda dose no mesmo ensaio.
A equipa do Instituto para a Imunologia La Jolla, nos Estados Unidos, não só verificou a presença destas células T em 100% das pessoas estudadas como as encontrou nas mesmas pessoas ao fim de seis meses.
Ora, as células T CD4+ são linfócitos ou glóbulos brancos que têm como função ativar os linfócitos B para que produzam anticorpos contra o patogénio (neste caso, o SARS-CoV-2), o que significa que ao fim de seis meses (o tempo do estudo) ainda conseguem fazê-lo em caso de infeção.
Além disso, existem células T capazes de detetar as proteínas virais que vão sendo produzidas pelas células humanas infetadas e que as matam. No fundo é como se ASAE identificasse que uma fábrica estava a produzir alimentos contaminados e a mandasse encerrar.
Porque se fala então em vacinar as pessoas mais velhas ou mais vulneráveis?
A resposta do sistema imunitário não é igual em todas as pessoas estando bastante comprometida em pessoas que têm outras doenças, como VIH/sida, ou estão a fazer determinados tratamentos, como a quimioterapia. Estas pessoas, mesmo vacinadas, podem não estar protegidas contra o SARS-CoV-2.
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Além disso, ainda que os dados indiquem que os mais idosos têm uma resposta imunitária equivalente à dos adultos mais novos após a vacinação, alguns estudos apontam para uma perda de imunidade ao longo do tempo neste grupo. Baltazar Nunes alerta, no entanto, que muitos destes estudos ainda não foram revistos por investigadores independentes — ou seja, a sua avaliação deve ser cautelosa.
Assim, para se confirmar que as pessoas mais vulneráveis deveriam tomar uma dose adicional e se os mais idosos (ou outros) precisam de tomar uma dose de reforço é preciso realizar ensaios clínicos como os primeiros e verificar se a terceira dose aumenta a eficácia na prevenção de internamentos e mortes, como explicou noutro momento Luís Graça, coordenador-adjunto da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC).