A administração de uma dose de reforço continua em discussão e sob análise das autoridades do medicamento nos Estados Unidos (FDA) e na Europa (EMA). A farmacêutica Pfizer defende a perda de imunidade e a necessidade de uma terceira dose, mas muitos especialistas ainda questionam a necessidade de o fazer, sobretudo de forma generalizada.

Anticorpos diminuem semanas depois da vacinação, mas isso não significa que precisamos de uma dose de reforço

Esta sexta-feira, o comité de aconselhamento da FDA para as vacinas reúne para conhecer os dados dos ensaios clínicos com a terceira dose realizados pela Pfizer, os resultados de contexto real da campanha de vacinação em Israel e a opinião dos especialistas do regulador com base naquilo que foi possível avaliar até ao momento.

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Alguns estudos observacionais sugeriram um declínio da eficácia da [vacina da Pfizer], ao longo do tempo, contra a infeção sintomática ou contra a variante Delta, enquanto outros não”, lê-se no documento da FDA com o resumo do assunto em discussão. “Existem muitos estudos potencialmente relevantes, mas a FDA não reviu ou verificou de forma independente os dados subjacentes ou as suas conclusões.”

A reunião de sexta-feira servirá também para decidir se os dados submetidos pela Pfizer são suficientes para avaliar o pedido de autorização de uma dose de reforço, a partir dos 16 anos, seis meses depois da segunda dose.

No documento, a FDA indica que a Pfizer não apresentou dados de eficácia da terceira dose da vacina (fase 3 dos ensaios clínicos) — e que se propõe inferi-los com base na quantidade de anticorpos produzidos. Além disso, a farmacêutica está a pedir autorização a partir dos 16 anos, ainda que os ensaios clínicos da terceira dose tenham sido feitos com maiores de 18 anos.

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Para perceber se há ou não benefício da dose de reforço, a terceira dose tem de mostrar ser mais eficaz a prevenir doença do que nos casos em que as pessoas se ficaram só pelo esquema vacinal até agora aprovado. Caso contrário, se as duas doses da Pfizer se continuarem a mostrar eficazes na redução da doença grave e morte, não haverá justificação para a dose de reforço.

Mais, a dose de reforço tem de mostrar ser eficaz contra a variante Delta e não contra o vírus original com base no qual foi desenvolvida a vacina. A pedido da FDA, a farmacêutica apresentou dados neste sentido, mas muito poucos: 23 indivíduos entres os 18 e os 85 anos.

Além disso, a dose de reforço também tem de mostrar que é segura e que não provoca efeitos secundários mais graves, por um período de tempo mais longo ou mais difíceis de tratar do que as duas doses anteriores. Os dados apresentados pela farmacêutica não mostram haver mais reações do que depois da segunda dose.

Para tudo isto ainda faltam dados robustos e a FDA reforça que as vacinas autorizadas nos Estados Unidos continuam a mostrar-se eficazes contra a doença grave e morte. O documento acrescenta ainda que, apesar de os dados em contexto real serem importantes — como é o caso de Israel —, também é preciso lembrar que não se tratam de uma experiência controlada (como um ensaio clínico) e podem existir outros fatores, não identificados, a influenciar os resultados.

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A mesma ideia foi defendida por uma equipa internacional de especialistas, que inclui dois elementos da FDA e quatro da Organização Mundial da Saúde (OMS), num artigo de opinião na revista científica The Lancet.

“Mesmo que o reforço mostre, eventualmente, uma diminuição do risco de doença grave a médio prazo, as doses de vacinas atualmente disponíveis podiam salvar mais vidas se usadas em populações não vacinadas do que como reforço nas populações vacinadas”, escrevem os autores dando eco ao que a OMS não se cansa de repetir.

Na reflexão sobre a administração da terceira dose, os autores não defendem o uso de reforço na população em geral — pelo menos não até haver dados mais robustos que permitam perceber quem deve tomar, quando e em que dosagem. Os autores dizem ainda que se deveria tomar uma decisão com base nos dados de todas as vacinas e não apenas de algumas.

Eric Topol, diretor do Instituto Scripps de Investigação Translacional, reagiu no Twitter dizendo que não se trata do benefício para a população em geral, mas dos mais de 70 milhões de norte-americanos que têm mais de 60 anos e que poderiam tomar esta dose de reforço. “A evidência é inequívoca”, defende.

O investigador lembra que os 76 milhões de doses que já foram distribuídos pelos vários estados já não podem ser entregues aos países mais carenciados e podem ser usadas como doses de reforço. É possível vacinar não vacinados e dar doses de reforço, defende, uma coisa não exclui a outra. Até porque há vacinas a expirar a validade e a serem deitadas no lixo.

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