O convite ficou feito — Rui Tavares quer contar com o PAN na “ecogeringonça” que gostava de montar depois das eleições — mas foi recebido, para já, com pouco entusiasmo. No debate que pôs em (ligeiríssimo) confronto os líderes do Livre e do PAN, Inês Sousa Real recusou uma e outra vez colocar-se de um dos lados do espectro esquerda/direita — mesmo deixando críticas ao programa do PSD e não ao do PS — e insistiu que o compromisso do PAN é única e exclusivamente com as suas causas — das quais acabaram por passar o resto do debate a falar.
Rui Tavares bem tentou: logo no arranque do debate, não poupou elogios à postura responsável que o PAN teve sobre o Orçamento do Estado, atirou farpas à esquerda que deixou cair o Governo e lançou queixas sobre o perigo do apelo ao voto útil de que, em teoria, o PAN também se poderia queixar. Nada. Do lado de Sousa Real, a única promessa seria a de genericamente se assumir como “partido responsável e de diálogo” que examinará a agenda política de quem estiver em vias de formar Governo. Seja de esquerda ou de direita, garantiu: “Essas preocupações são tão importantes que não podem ficar acantonadas. O nosso compromisso é com as causas”.
Apesar de durante o processo do chumbo do Orçamento a líder do PAN ter tecido algumas das críticas mais duras à esquerda, nomeadamente por ter aberto espaço a um Governo de direita (o que lhe valeria elogios do próprio António Costa), e de no próprio debate ter apontado “linhas vermelhas” no programa do PSD, nesta fase a estratégia do PAN passa mesmo por não se comprometer. A não ser com as promessas que foi conseguindo introduzir no debate, como a luta contra a liberalização dos eucaliptos, a criação de um ministério da economia e alterações climáticas ou o fim do transporte de animais vivos para países terceiros.
O foco nos animais nunca foi esquecido, até porque a tática do partido passa, também, por falar para dentro — e mostrar que não abandonou as causas que são a sua imagem de marca e que ajudaram a conquistar votos suficientes para conquistar o seu próprio grupo parlamentar.
Do outro lado, Rui Tavares tentou resistir a centrar o debate apenas nas questões ambientais e frisar que o Livre, ao contrário do PAN, só contará para “soluções à esquerda” e se considerará sempre oposição à direita. Mais uma vez, sem sucesso: Sousa Real tinha registado uma referência que o Livre terá feito ao PAN como sendo um partido apenas “animalista” e aproveitou para começar a vincar diferenças entre as duas forças políticas.
Desde logo, na área das medicinas alternativas, em que Rui Tavares pediu uma “política baseada na ciência” enquanto Sousa Real lembrava que a regulação deste tipo de tratamentos já está prevista na lei. Depois, quando a líder do PAN desafiou Tavares a dizer o que pensa o Livre sobre os impactos da pecuária nas alterações climáticas, acusando mesmo outras forças de esquerda de votarem de forma “negacionista” sobre o assunto (especificamente, a taxa de carbono proposta pelo PAN) no Parlamento.
O momento de competição para decidir qual dos dois partidos é o mais ambientalista incluiria ainda uma troca de argumentos sobre a transição ambiental que deve ser feita “com e não contra as pessoas”, requalificando os modos de produção e consumo que existem e são poluentes — ponto em que acabaram por se mostrar de acordo. A “polinização cruzada” de temas, como Tavares chamou à grande quantidade de pontos em que, na verdade, os programas dos dois partidos se tocam, estava à vista.
No final, questionados sobre outra ideia comum — a do rendimento básico incondicional –, assumiram o consenso, ainda que sem grande entusiasmo: Tavares frisou que seria preciso fazer um projeto piloto para testar a ideia (que, no seu entender, não viria acompanhada de um corte das outras prestações sociais) e Sousa Real concordou que é uma ideia para testar, mas que não seria necessariamente universal e só deveria aplicar-se mais à frente, depois de apresentadas propostas sobre temas mais urgentes, como a revisão dos escalões do IRS, a descida do IRC ou o combate à precariedade.
Seriam temas de fundo para todo um outro debate — mas este, quase sempre centrado no ambiente, já estava mesmo a acabar.
O diálogo mais revelador
Rui Tavares — O que nos distingue é que o PAN quer estabelecer quotas, ou queria no programa de 2019, nós achamos que há várias vias de chegar ao mesmo objetivo. Há uma fileira de investigação científica sobre carne laboratorial que está cada vez mais barata.
Inês Sousa Real– Isso está muito distante. Estamos muito distantes dessa realidade.
Rui Tavares — Nós estamos ano a ano a ver o preço dessa carne baixar e vai-se generalizar e mudar o jogo completamente, chegando a um ponto em que provavelmente teremos de pagar para ter algum gado no território porque também ajuda a fazer gestão florestal e a manter os ecossistemas. Na agricultura e na vida rural há um elemento essencial, temos que fazer isto com as pessoas, não podemos fazer isto contra as pessoas.
Inês Sousa Real — O PAN nunca disse que temos de fazer contra as pessoas, muito pelo contrário. Os fundos da PAC e a revisão da nova Política Agrícola Comum não pode ser uma oportunidade desperdiçada. O transporte de animais vivos, algo que não tem sido falado e tem sido considerado por alguns uma alavanca na economia põe em causa as formas mais elementares de dignidade e bem-estar animal e tem uma pegada ambiental tremenda. Não podemos ignorar esta realidade e que os animais são tratados como mercadoria. A nossa economia não pode assentar neste sofrimento animal, o PAN propõe-se na próxima legislatura a acabar com o transporte de animais vivos para países terceiros.