Se não estivéssemos em 2022, mas sim nos anos 80, o maior êxito de Marco Paulo poderia muito bem ter sido inspirado em Inês Sousa Real. O PAN abre a porta a dois amores e a líder não diz de qual gosta mais (embora haja suspeitas, pelas linhas vermelhas que diz ter). Em novembro, a porta-voz do PAN admitia coligar-se num cenário pós-eleições tanto com o PS como com o PSD e não mais desfez o tabu sobre quem é o alvo preferencial. A retórica do “eu tenho dois amores” tem sido mantida ao longo de toda a campanha, apesar das insistências dos jornalistas.

Inês Sousa Real utilizado um jogo de cintura  para fugir à questão e apontar baterias para as causas que o partido defende e para aquilo que “é fundamental para o PAN”, uma frase que tem sido muito repetida pela candidata para desviar atenções daquele que tem sido um dos mistérios desta campanha.

Mas não tem sido só da boca da comunicação social que Inês Sousa Real tem ouvido os apelos para esclarecer se prefere António Costa ou Rui Rio. Quando visitou Évora, bastião comunista que entretanto foi conquistado pelo rosa socialista, a líder do PAN foi claramente desafiada. “Queria ver o PAN coligado com o PS, nunca com o PSD”, dizia uma eleitora perante Inês Sousa Real, ao mesmo tempo que defendia que uma maioria absoluta social-democrata resultaria em “medidas mais drásticas” e num país “pior”. Mesmo assim, a candidata preferiu desconversar e garantir apenas que o PAN “não viabilizará governos que queiram impor mais austeridade ao país”.

Mas não é só no sentido de António Costa que o eleitorado tem apelado à convergência do PAN. Em Loures, Inês Sousa Real foi confrontada por um fiel de Sá Carneiro, eleitor social-democrata “há muitos, muitos anos” e que, entre elogios à candidata, admitiu que gostava de ver o PSD “coligado com o PAN”. Se Inês Sousa Real tem preferência por um dos amores, não a diz, e prefere manter no ar que “não sabe de qual gosta mais”. Resta saber se essa estratégia funcionará no dia 30 de janeiro ou, por outro lado, se o feitiço se vira contra o feiticeiro e o PAN ganharia mais nas urnas se esclarecesse de forma clara e direta quem é que prefere no cenário de uma eventual coligação.

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As várias formas de Inês Sousa Real fugir à questão

Têm sido inúmeras as vezes em que a líder do PAN é confrontada com aquilo que ela própria disse há meses. O partido manteve a piscadela de olho tanto a António Costa como a Rui Rio e espera-se que não esclareça quem prefere até esta sexta-feira. E tem usado várias expressões para desconversar. “O PAN está coligado é com os portugueses”, afirmou já várias vezes.

Também tem lembrado o facto de ter sido o único partido a permitir que o Orçamento do Estado para 2022 pudesse subir à especialidade para alinhar na narrativa de que o PAN está “aberto a todo o diálogo” com as  forças políticas (excluindo-se o Chega). Aliás, essa é uma das (várias) linhas vermelhas para eventuais conversações com Rui Rio: o partido está disponível para negociar com o PSD, mas sem o partido de André Ventura.

“O PAN não vai escudar-se numa oposição de terra queimada que não constrói pontes nem soluções para o país”. O exemplo 2.0 de como Inês Sousa Real tem contornado as perguntas dos jornalistas. Uma vez mais, diz apenas que o partido que lidera tem seguido sempre pela via do diálogo e assim se vai manter. Nunca fará oposição, diz, apenas por fazer. “Aquilo que é importante no dia 30 de janeiro é que as pessoas votem nas causas e naquilo em que acreditam”.

A rejeição ao apelo ao voto útil é o 3.0 de como a líder do PAN prefere não ser clara sobre esta questão. Para Inês Sousa Real, o eleitorado deve votar “nas causas” e vai mais longe: rejeita a lógica de “bipartidarização” que tem defendido ao longo desta campanha que tem prejudicado o país. Um voto em PS ou PSD não é desejável para o partido, na ambição de que socialistas e social-democratas sejam obrigados a conversar com as restantes forças no Parlamento.

As “linhas vermelhas” do PAN

Se falta clareza para Inês Sousa Real revelar se, num cenário de negociações a 31 de janeiro, preferia conversar com PS ou PSD, por outro lado a candidata tem sido bastante clara quando se trata de definir condições. Aliás, quando é questionada sobre António Costa ou Rui Rio, Inês Sousa Real opta a maior parte das vezes por lembrar as “linhas vermelhas” do partido.

No caso do PSD, a candidata tem lembrado que o regresso dos debates quinzenais na Assembleia da República (e que está fora de questão para os social-democratas) é ponto assente para eventuais conversas. A política de “eucaliptização” no programa de Rui Rio é também uma das linhas vermelhas que Inês Sousa Real tem evocado. Quanto à política fiscal, o PAN quer uma descida mútua do IRS e do IRC, enquanto que para o presidente social-democrata uma baixa do imposto sobre as empresas é mais prioritário.

Feitas as contas, e pelas pistas que vão sendo dadas pela líder do PAN, o partido estará mais longe de Rui Rio do que aquilo que está de António Costa, secretário-geral socialista que até tem piscado várias vezes o olho a Sousa Real ao longo desta campanha numa espécie de princípio de namoro.

Mas também há um “mas” para estes lados. A candidata já fez saber que quer “mais ambição” de António Costa para um possível entendimento, defendendo que o país “não pode continuar estagnado”. E na segunda semana de campanha até adotou a estratégia de criticar tanto PS como PSD, que “mantiveram o país entre a austeridade e as cativações”.

A expressão “linhas vermelhas” tem marcado o discurso de Inês Sousa Real, que, passadas quase duas semanas de campanha, mantém a indefinição sobre conversações pós-eleitorais. O partido que não come carne nem peixe assume-se assim como o partido que não é carne nem é peixe na hora de definir preferências para eventuais entendimentos.