O Governo aprovou esta sexta-feira um “mecanismo inédito”, que dissocia o preço do gás da formação do preço da eletricidade. A medida, explicou o ministro do Ambiente, pretende limitar a escalada dos preços da eletricidade, socializar os custos e benefícios do sistema e “proteger quem está mais exposto”. Segundo o ministro, a limitação poderá conduzir a uma “redução muito significativa dos preços da eletricidade”.

Quem irá pagar a medida será o sistema, através da captura de ganhos não esperados. “Quando os preços atingem valores altos, há ganhos não esperados por parte das empresas. Não paga o contribuinte, paga o sistema, e beneficiam os consumidores”, sublinhou o ministro, garantindo que “não haverá custos do ponto de vista orçamental”.

A medida, que estabelece um regime excecional temporário para a fixação de preços no Mercado Ibérico de Energia Elétrica (MIBEL), foi aprovada no Conselho de Ministros Extraordinário desta sexta-feira.

O mecanismo foi proposto por Portugal e Espanha à Comissão Europeia e recebeu a aprovação prévia de Bruxelas no final de abril. Na prática, a “exceção ibérica” limita os preços do gás natural usado para a produção de eletricidade, colocando-lhes um teto inicial de 40 euros por MWh, que será progressivamente aumentado até 50 euros por MWh, o que ajudará a baixar os preços no mercado grossista de eletricidade. O mecanismo terá a duração de 12 meses e permitirá “gerar poupanças para famílias e empresas, nomeadamente as que se encontram mais expostas ao mercado, por não terem tarifa fixa”. Os consumidores que têm tarifa fixa também beneficiarão do mecanismo na altura de renegociar os contratos.

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Esta quarta-feira, no Parlamento, o ministro adiantou que  o mecanismo poderá permitir uma poupança até 18% face aos valores que foram pagos no mercado ibérico grossista nos primeiros quatro meses do ano. As contas foram confirmadas por Duarte Cordeiro esta sexta-feira. O preço médio do gás natural no primeiro trimestre foi de 96,31 euros MWh, chegando a máximos de 300 euros MWh em março, adiantou o ministro. Entre janeiro e março, o gás marcou o preço da eletricidade em 89% das horas. Se a medida tivesse vigorado no primeiro trimestre, “teríamos tido valores máximos do gás de 50 euros e preços da eletricidade de 180 euros MWh, que compara com uma média de 230 euros MWh no primeiro trimestre, o que se traduziria numa poupança de 18% nos preços da eletricidade”.

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O ministro classificou a medida como “inédita e histórica”, e revelou que foi obtida após um “longo trabalho com a Comissão Europeia”, tendo resultado de uma “vitória política que resultou do reconhecimento da exceção ibérica”, ou seja, pelo facto de Portugal e Espanha terem poucas interligações com o resto da Europa.

O ministro detalhou que Bruxelas foi notificada a 30 de março, tendo o acordo político relativo a números gerais sido alcançado a 26 de abril. A 5 de maio foi obtido o acordo ibérico e a 9 de maio a Comissão Europeia partilhou com os dois países uma carta de conforto, para os conselhos de ministros aprovarem hoje a medida. “Esta era a parte mais complicada”, sublinhou o ministro, que espera concluir agora  a parte “menos complicada”, que é a regulamentação da medida e a decisão final da Comissão Europeia.

Neste momento, referiu o ministro, a Comissão tem toda a “informação que necessita para concluir o processo de decisão”. Até agora, as decisões eram de natureza técnica, e mais complexas. Agora, com os processos mais definidos, espera-se uma decisão mais rápida, “que será implementada numa questão de dias”. O mecanismo entrará em vigor após o regulador publicar os regulamentos necessários.

Os efeitos do mecanismo será mais sentido em Espanha, admitiu também Duarte Cordeiro, porque os consumidores espanhóis estão mais expostos aos preços de mercado.

Empresas “não tem razão para sofrimento”

Questionado sobre a possibilidade de a medida dar origem a litigância, nomeadamente por parte das empresas cujos ganhos extraordinários serão capturados, o ministro insistiu que “na prática estamos a afetar o que são ganhos não esperados que resultaram da especulação dos preços” e que, por isso, não vê “razão para sofrimento por parte dessas empresas”.

“As empresas produtoras de eletricidade, o impacto que têm é não ganharem o que estavam à espera. Não me parece que tenham feito as perspetivas para os ganhos deste ano relativamente a uma guerra e à especulação dos preços da energia”, reforçou.

“É difícil o caso de uma empresa dizer que estava à espera de resultados com base em preços especulados em termos internacionais. Teoricamente, não estamos a afetar as previsões dessas empresas em relação aos seus resultados, porque eles estão a ser inflacionados. Em situações extraordinárias, justificam-se medidas extraordinárias”, realçou.

Esta medida, detalhou, “permite que não tomemos outro tipo de decisões, como impostos que poderiam ser aplicados” aos ganhos extraordinários. “Não é uma alternativa que se sobrepõe na totalidade à aplicação do imposto, mas é uma alternativa”.

Duarte Cordeiro reconheceu não saber “o que as empresas farão”, mas afirmou contar com a compreensão das mesmas face ao “momento extraordinário” que estamos a viver. “Estamos a falar de consumidores e empresas que podem ir à falência se não tivermos a capacidade de criar este tipo de proteção. Espera-se por parte das empresas alguma contenção relativamente à forma como cada um defende os seus direitos”.

“Nós estamos, excecionalmente, a alterar a convenção a partir da qual o preço é formado. É uma decisão razoável, ponderada, e tentou evitar-se que existissem efeitos negativos sobre o consumidor”, notou.

Duarte Cordeiro lembrou ainda que “surgiu ontem uma notícia de que a própria Comissão Europeia está a considerar a definição de preços máximos a nível europeu”, que resulta “da necessidade coletiva de diversificação de fornecedores, de procurar outras origens para o gás”, e da “consciência de que o aumentos dos preços tem consequências para toda a economia”, pelo que “tem de haver medidas que nos permitam percorrer este caminho”. Um caminho que “demora e que exige medidas temporárias”.

Questionado sobre se França não se poderá apropriar da baixa dos preços na Península Ibérica, Duarte Cordeiro afirmou que “a Comissão Europeia está envolvida no mecanismo”, e que esse facto significa que Bruxelas “reconhece a necessidade da implementação de medidas extraordinárias, no caso de Portugal e de Espanha”, devido às escassas interligações com a Europa. “Neste momento é muito difícil para uma empresa portuguesa contratualizar com um operador do norte da Europa a venda de energia”. Esse contexto foi analisado e “esse impacto foi considerado”, pelo que, “na prática, poderá acontecer” essa apropriação francesa, “mas o impacto foi internalizado na construção do mecanismo”.

Apesar do contexto, Duarte Cordeiro sublinhou que não há intenção do Governo de voltar à produção da carvão, “pelo contrário”, porque “as tecnologias mais baratas são as renováveis e o caminho é acelerar”.

Sobre o futuro da medida após os 12 meses de vigência, o ministro sublinhou que 12 meses é um período “suficiente para avaliar a eficácia do mecanismo” e para perceber a evolução internacional dos preços, bem como a definição de preços por parte da Comissão Europeia. Neste período, também será discutido o reforço das interligações da Península Ibérica à Europa. “Não consigo ir tão longe em relação à circunstância em que nos vamos encontrar daqui a um ano. Este ano vai servir para muita discussão”.

O ministro foi ainda questionado sobre as declarações feitas ontem pelo ministro da Economia no parlamento, que afirmou não ter problemas em analisar futuros projetos de exploração de gás em Portugal. Ao que Duarte Cordeiro respondeu que “o Governo tem um programa e vai seguir o programa de tem”, que passa pelas promoção das energias renováveis.