Convenhamos que ouvir o CEO de um construtor de automóveis afirmar que “os membros do conselho de administração deviam estar bêbados quando aprovaram o Mercedes-AMG One”, o seu veículo mais sofisticado, não será propriamente o melhor certificado de qualidade, nem deverá incutir grande confiança junto dos clientes. Sobretudo se tivermos em conta que a Mercedes rapidamente vendeu todas as 275 unidades que pretendia construir por cerca de 2,5 milhões de euros cada, antes de impostos, e ainda não entregou nenhuma. Mas foi exactamente isso que Ola Källenius, CEO da Mercedes, disse numa entrevista à Autocar.
Källenius recordou que a equipa da AMG e a divisão que desenvolve os motores dos F1 da marca, a High Performance Powertrain, “abordaram a administração há cerca de quatro anos com a ideia de colocar uma mecânica de F1 dentro de um hiperdesportivo de estrada”, como forma de fechar o ciclo e fazer chegar aos clientes a tecnologia que usam na F1. Mas as dificuldades técnicas que encontraram pela frente têm sido imensas e os engenheiros da Mercedes têm-se revelado incapazes de as ultrapassar, o que levou o CEO a admitir que tem de “rever os minutos da reunião, mas tenho a certeza que devíamos estar bêbados quando dissemos que sim”.
O AMG One monta um pequeno motor de seis cilindros em “V” com apenas 1,6 litros, sobrealimentado por um turbocompressor, idêntico ao utilizado pela Mercedes no F1 que correu em 2015 (esta foi a informação avançada durante a revelação do One, em 2017). Este motor, que debitava entre 600 e 700 cv quando estava instalado no carro de Lewis Hamilton, deverá ver a sua potência revista em baixa para ser instalado no AMG One, tanto mais que o regime máximo de 14.000 rpm foi reduzido para apenas 11.000 rpm. Mas o 1.6 V6 continuará a ser completado por um motor eléctrico associado ao turbocompressor, para produzir energia, e outras três unidades com 160 cv alimentadas por uma bateria com apenas 6 kWh, para incrementar a potência. Um motor eléctrico está acoplado à cambota, com os outros dois instalados no eixo dianteiro, para juntos elevarem a potência para um valor que deverá ficar ligeiramente acima dos 1000 cv. Os motores eléctricos à frente são ainda os responsáveis pela capacidade de o AMG One conseguir se deslocar durante 25 km apenas em modo eléctrico. Contudo, necessita do motor de combustão para atingir 350 km/h, um valor interessante para 600 cv, mas não para mais de 1000 cv, como se pode ver pelo Aston Martin Valkyrie, que anuncia 402 km/h.
Ola Källenius afirmou ainda que espera que o Mercedes-AMG One, apresentado em 2017 e que esteve previsto ser entregue em 2019, chegue (finalmente) aos clientes que o adquiriram ainda em 2022. Isto será uma excelente notícia para os 275 compradores que já sinalizaram o One, embora alguns possam continuar a ter as suas dúvidas, porque o mesmo CEO afiançou, em 2020, que quem pagou o AMG One o receberia em 2021.
As sucessivas derrapagens no projecto devem-se ao facto de os técnicos do construtor não conseguirem civilizar o V6, de modo a que respeite as normas de emissões para circular em estrada, o que pressupõe instalar um filtro de partículas e reduzir para cerca de 1000 rpm o regime de ralenti de um motor de F1, que tradicionalmente ronda as 4000 rpm, com emissões bem acima do que é aceitável pela regulamentação europeia.