O vírus da varíola dos macacos que está em circulação nos últimos surtos, incluindo em Portugal, sofreu uma taxa de mutação dez vezes maior do que o habitual nos últimos quatro anos, sugerem as sequenciações genéticas realizadas de 2018 para cá.

A família dos poxvírus tem uma taxa evolutiva baixa e costuma sofrer, em média, uma mutação genética por genoma por ano. Mas as sequenciações realizadas nos últimos surtos revelam mais 40 mutações do que os genomas recolhidos há quatro anos, apontou o biólogo Richard Neher, da Universidade de Basileia (Suíça) no Twitter. É uma média de 10 mutações por ano.

Essas mutações parecem obedecer a um padrão — e para entendê-lo é preciso conhecer os quatro componentes essenciais das moléculas de ADN, que contêm a informação genética deste vírus: adenina (A), citosina (C), guanina (G) e timina (T). Estes componentes combinam-se aos pares: a adenina liga-se sempre à timina e a citosina liga-se sempre à guanina. No genoma dos vírus que estão a provocar os surtos mais recentes, as mutações estão quase sempre a substituir uma ligação “GA” por uma “AA”; ou “TC” por “TT”.

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Normalmente, as mutações acontecem de modo aleatório quando um vírus se replica. Mas segundo Cornelius Roemer, médico e bioinformático especialista em evolução genética viral na Universidade de Basileia, é “muito improvável” que estas mudanças estejam a acontecer apenas “devido ao acaso”. “Algo mais deve estar a acontecer”, admitiu o perito.

E colocou uma hipótese em cima da mesa: uma enzima das células animais, cuja função será mutar moléculas genéticas invasoras para o tornar inviável, pode estar a alterar o ADN do vírus. Isso demora algum tempo a acontecer, acrescenta o biólogo Richard Neher, mas pelo caminho acumulam-se estas mutações que são como “cicatrizes” do combate dos hospedeiros contra o vírus.

A confirmar-se esta teoria, as mutações encontradas nas últimas sequenciações — Portugal é o segundo país que mais as fez (atrás da República Democrática do Congo), tendo sido o primeiro a apresentar o genoma completo do monkeypox — não são produto de uma adaptação espontânea do vírus, mas foram “infligidas pelo sistema de defesa do hospedeiro”.

A enzima responsável por essas alterações será a APOBEC, acrescentou o cientista Roberto Pereira. É uma molécula que ajuda os mamíferos a protegerem-se de infeções virais, mas que quando desregulada pode contribuir para o surgimento de cancros.

Por enquanto, esta é apenas uma explicação para o percurso evolutivo do monkeypox, cujas infeções já atingiram pelo menos 143 pessoas em Portugal. Ainda não se sabe que funções terão as mutações encontradas neste vírus, mas “a maioria deve ser inócua ou prejudicial” para o monkeypox, aponta Richard Neher. E “não temos evidências de adaptação viral”.

Segundo a GenSpectrum, uma ferramenta pública suíça que reúne informação genética sobre o monkeypox e o SARS-CoV-2, Portugal já realizou 28 sequenciações genéticas do vírus responsável pela varíola dos macacos. Acima só a República Democrática do Congo, que reportou 36 sequenciações genómicas. Em terceiro lugar estão os Estados Unidos (13). Vinte e quatro países já sequenciaram o material genético do vírus, num total de 156 sequenciações.