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Mesmo depois do chanceler alemão Olaf Scholz ter colocado pressão sobre França para que se avançasse no gasoduto de ligação da Península Ibérica ao centro da Europa, o governo de Emmanuel Macron continua irredutível. E coloca águia fria nas pretensões de se avançar agora — que a Europa quer libertar-se do gás russo — com a conexão nos Pirenéus, que ligaria Portugal e Espanha aos países do centro europeu, nomeadamente à Alemanha.
Olaf Scholz defendeu na semana passada a existência de um gasoduto que ligue Portugal à Europa central, passando por países como Espanha e França, dizendo que uma infraestrutura deste tipo “seria um alívio gigante para a situação atual”. Logo o primeiro-ministro António Costa pegou na ideia e afirmou que Portugal estava a trabalhar nessa interligação — através da terceira ligação à rede espanhola — mas apontou, no entanto, um cenário alternativo perante a possibilidade de bloqueio com França. E essa alternativa era avançar com um gasoduto de ligação entre Espanha e Itália, no Mediterrâneo.
António Costa explicou que a ligação de Espanha com França, nos Pirenéus, se tem confrontado com “as limitações ambientais invocadas por França sobre o impacto do gasoduto”.
As dúvidas de França mantêm-se. António Costa acrescentou, mesmo, na semana passada que a ideia alternativa até tinha sido posta em cima da mesa pela Comissão Europeia caso não fosse possível desbloquear a intransigência francesa.
E é isso que parece estar a acontecer. Como noticiou esta manhã o El País e a Cadena Ser, França continua a opor-se ao projeto.
Citando um comunicado do Ministério da Transição Energética francês, é escrito que a postura do Governo de Macron é inequívoca: “O projeto demoraria anos a estar operacional — o tempo de estudos e das obras deste tipo de infraestruturas levam, sempre, muitos anos — e não seria uma resposta à atual crise”. Aliás, Paris lembra que já existem duas interconexões de gás entre França e a Península Ibérica em Birriatou e Larrau, que, hoje em dia, contribuem para a segurança de aprovisionamento europeu e que têm sido alvo de desenvolvimentos regulares ao longo dos últimos 20 anos. Representam, hoje, uma capacidade de 225 GWh/dia, “utilizada na plenitude depois do início da crise ucraniana”.
O Ministério francês lembra mesmo a ideia do gasoduto de ligação a Itália. “Está em estudo o desenvolvimento de novas infraestruturas de gás para reforçar a ligação entre a Península Ibérica e o resto da Europa”, decisões que “dizem respeito a todos os Estados-membros e, por isso, o diálogo europeu é essencial para projetos deste tipo”, segundo realçou o gabinete do Ministério ao Observador.
Paris sugere ainda que já há outra alternativa a ser implementada. Os Estados-membros com costa marítima lançaram-se já na construção de terminais de GNL (gás natural liquefeito) que “são mais rápidos e permitem a importação de gás dos países do Golfo ou dos Estados Unidos”. Por isso, “a instalação de terminais de transporte de GNL no norte e leste da Europa (especialmente na Alemanha) representa investimentos menores e mais rápidos, ainda mais no caso de terminais flutuantes, que são mais capazes de lidar com o atual contexto”.
A ministra da Transição Energética espanhola, Teresa Ribera, tinha já dito que uma ligação destas poderia estar pronta em menos de um ano, indicando mesmo oito ou nove meses do lado espanhol, mas que seria “fundamental avançar de mão dada com França”. Já esta quinta-feira, perante a resposta francesa, a ministra, citada pelo El País, disse desconhecer a posição de França, sublinhando que Paris está em boa posição para perceber que construir a Europa passa também pela aposta comum de infraestruturas. O Governo português ainda não reagiu.
Uma outra linha argumentativa de Paris passa pelas alterações climáticas, dizendo o Ministério da Transição Ecológica francês que “antes de nos lançarmos na construção de novos gasodutos, também temos de endereçar os desafios climáticos, pois o nosso objetivo é prescindir das energias fósseis até 2050. Para estar à altura tanto do desafio energético atual, como do desafio climático, temos de reduzir o nosso consumo de gás e acelerar o desenvolvimento de energias livre de carbono”.
E descarta a transformação deste gasoduto, que tem a designação de MidCat, ao transporte do hidrogénio verde, como Portugal tem, aliás, reclamado, dizendo que “as incertezas são muito elevadas sobre a capacidade de produção e de consumo”, só admitindo que possa haver necessidade para uma infra-estrutura de transporte de hidrogénio dessa escala dentro de muitos anos, diz fonte oficial do Ministério francês ao Observador, acrescentando mesmo que “certos equipamentos, em particular compressores de alta velocidade, não estão atualmente disponíveis para construir um possível gasoduto totalmente compatível com o transporte de hidrogénio.”
Daí que a mesma fonte conclua a mensagem dizendo que “todos estes elementos devem, portanto, ser objeto de um diálogo entre os Estados-membros para ter em conta tanto as questões da solidariedade europeia, que são essenciais, como também os nossos objetivos climáticos”.