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epa09833604 Spanish Prime Minister Pedro Sanchez (L), Italian Prime Minister Mario Draghi (C),  Portuguese Prime Minister Antonio Costa (R), with Greek Prime Minister Kyriakos Mitsotakis (on screen), during a press conference after their meeting at Villa Madama in Rome, Italy, 18 March 2022.  EPA/ETTORE FERRARI
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Os líderes de Portugal, Espanha, Itália e Grécia (por vídeo) reuniram em Roma em março para discutir a crise energética. A França não esteve

ETTORE FERRARI/EPA

Os líderes de Portugal, Espanha, Itália e Grécia (por vídeo) reuniram em Roma em março para discutir a crise energética. A França não esteve

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Chanceler alemão pôs Portugal no mapa europeu do gás e faz pressão sobre França. Porque não avançou ainda o gasoduto?

Com a crise do gás russo, o chanceler alemão tornou-se o maior aliado de Portugal e Espanha na luta pela interligação com a Europa. A pressão cresce sobre o bloqueio francês. Oito respostas.

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É a primeira vez que um político europeu de topo fora do espaço ibérico aponta Portugal como parte importante da solução para a crise de gás, mas também do mapa de infraestruturas que assegurem, num prazo mais lato, a segurança do abastecimento numa Europa livre do gás russo.

A declaração do chancelar alemão, Olaf Scholz, a lamentar a não construção da interconexão de gás entre Portugal e Espanha e o resto da Europa, que poderia dar uma “contribuição massiva” para abastecer o centro e o norte do continente, foi recebida com entusiasmo nos países ibéricos. Desde o início da crise que Espanha e Portugal tentam colocar esta interconexão na agenda das decisões de política energética e também de fundos europeus, mas com um sucesso relativo. Agora, receberam um apoio — quase desesperado — da Alemanha.

Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre o papel de Portugal nas alternativas ao gás de Vladimir Putin.

Poderá Portugal salvar a Europa do gás de Putin?

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Teresa Ribera, a ministra espanhola da Transição Ecológica, afirmou ter transmitido ao governo alemão a vontade de contribuir para atenuar a emergência energética, defendendo que o reforço da capacidade de interligação a França poderia ficar operacional no prazo de nove meses, pelo menos do lado espanhol. Falta o lado francês, sem o qual o gás injetado por Espanha (e Portugal) não chegaria à Alemanha.

Espanha diz que gasoduto nos Pirenéus pode estar pronto em menos de um ano se França quiser

António Costa afirmou que Portugal estava a trabalhar para essa interligação (através da terceira ligação à rede espanhola entre a Beira e Trás-os-Montes) e até acenou com um cenário alternativo perante o que qualificou de “bloqueio com França” a esta velha ambição ibérica. A possibilidade de contornar o obstáculo geográfico (e político) dos Pirinéus, ligando a costa espanhola a Itália (com um pipeline pelo Mediterrâneo), usando a rede deste país para chegar ao centro da Europa. A ideia, revelou Costa, até terá partido de Bruxelas. E será do agrado do ainda primeiro-ministro italiano, Mario Draghi, que também procura portas alternativas de fornecimento de gás russo.

Costa admite gasoduto para a Europa sem passar por França

O apelo de Olaf Scholz “é muito importante porque reforça a ‘pressão’ e faz com que as instituições europeias desbloqueiem a situação”, disse o primeiro-ministro.

Da parte de Bruxelas, veio uma resposta politicamente correta.

“Como referido no plano [energético europeu] RepowerEU, continuaremos a apoiar e encorajar as autoridades espanholas e francesas a acelerar a implementação dos três projetos de interesse comum existentes através do Grupo de Alto Nível Sudoeste Europeu com o objetivo de aumentar a capacidade de interconexão entre a Península Ibérica e a França”.

Mas sem dar resposta ao essencial. O que Madrid e Lisboa querem é financiamento europeu para uma infraestrutura que, defendem, não servirá apenas para o gás natural, mas poderá no futuro acolher o hidrogénio verde (um gás sem emissões porque produzido a partir de eletricidade de fontes renováveis).

Mas do lado mais decisivo para o projeto avançar, França, a reação é para já de silêncio. Porque não avançou antes esta interligação entre a Península Ibérica e a Europa? É verdade que França é contra? Será assim tão fácil e rápido resolver o “estrangulamento” na rede europeia? Quanto tempo pode demorar? Quais as alternativas? Portugal (Sines) pode mesmo fazer a diferença?

Porque não avançou a interligação de gás entre a Península Ibérica e a Europa?

O projeto do gasoduto do Midcat foi promovido pelos operadores das redes de gás espanhol e francês desde o início do século. Em causa estava um investimento de 3.000 milhões de euros para transportar 7.500 milhões de metros cúbicos de gás por ano e que permitiria duplicar a capacidade de interligação existente entre os dois países e que está dividida por dois gasodutos. Esta infraestrutura ia ligar a Catalunha e os Pirinéus através de um pipeline de 1.250 quilómetros, dos quais 800 km seriam em França e 450 km em Espanha. Em 2019, os reguladores de energia dos dois países — a CNMC espanhola e CRE francesa — chumbaram a primeira fase do investimento, considerando que não cumpria com as necessidades do mercado e carecia de maturidade económica. A falta de contratos firmes dos comercializadores dos dois países para usar (e pagar) esta infraestrutura foi determinante para esta posição.

Qual é o papel de Portugal neste projeto?

Com a retirada do projeto cai também em Portugal a terceira ligação a Espanha, um investimento de 150 a 170 milhões de euros proposto pela REN (Redes Energéticas Nacionais) que ligaria a rede portuguesa è espanhola em Zamora. O gasoduto com uma extensão de mais de 160 quilómetros suscitou também alertas por parte do regulador português, a ERSE, devido ao seu impacto nos preços do gás (os investimentos na rede gasista são remunerados pelas tarifas passadas para os clientes) e dúvidas sobre o nível de procura.

A terceira ligação tinha já sofrido um revés ambiental no traçado proposto entre Celorico da Beira e Vale de Frades por entrar em conflito com a região do Douro Vinhateiro reconhecida como património mundial da UNESCO. A REN acabou por adiar o projeto em 2015, apesar de antes ter defendido que a sua construção era importante também para tornar mais sólida a segurança do abastecimento, sobretudo em caso de indisponibilidade no terminal de Sines. Segundo António Costa, o projeto está a ser retomado e tem já um traçado alternativo que protege os valores ambientais.

É verdade que França tem sido o grande bloqueio da interligação?

Se recuarmos a 2019 e aos pareceres dos reguladores dos dois países, parece evidente que não foi apenas França a chumbar a interligação. A autoridade espanhola da concorrência também rejeitou devido essencialmente a razões de rentabilidade. E não houve na altura a vontade política para as ultrapassar ou colocar a segurança de abastecimento à frente da ótica mais economicista.

Com a guerra da Ucrânia e a ameaça russa ao coração económico e geográfico da Europa, a interligação ganha protagonismo na agenda da energia europeia, se bem que Portugal e Espanha já a andavam a defender antes disso. França também admitiu o cenário e publicamente nunca se opôs à interligação. Mas também não parece ter feito nada no sentido de a desbloquear. Há ainda posições distintas por parte dos dois gestores da rede franceses: a Térega, que seria a responsável pela interligação, apoia o projeto; a GRT Gaz tem mais reservas.

Dels Llacs Train in Catalonia

A barreira de montanhas que separa Espanha de França não ajuda a executar as interligações

VW Pics/Universal Images Group v

Na origem da resistência gaulesa, estarão sobretudo políticas de protecionismo económico, admitem fontes do mercado ouvidas pelo Observador, e que se estendem às interligações elétricas. Em resultado das quais, a Península Ibérica define-se como uma “ilha energética” isolada das redes europeias. Se na eletricidade, França quis defender o nuclear e a (energia barata) da onda de renováveis que chegava da Ibéria, no gás pode estar em causa o interesse de ser o próprio país a surgir como um campeão da alternativa ao gás russo — o que exige também mais investimento em terminais de GNL.

Pode a Península Ibérica resolver a crise russa?

A Península Ibérica concentra grande parte da capacidade europeia de receção e processamento do gás natural liquefeito (GNL), o único que é produzido em quantidade suficiente para substituir em parte o enorme fluxo de gás russo, através dos seus sete terminais de GNL. A Europa central tem poucas destas infraestruturas (a Alemanha não tem nenhuma), o que torna mais difícil substituir o gás russo de gasoduto. Uma alternativa é recorrer aos chamados terminais flutuantes de gás natural, os FSRU (floating storage regasification unit) que transportam o GNL e têm capacidade a bordo para regaseificar o GNL e injetá-lo em gasoduto, mas há poucos disponíveis.

LNG transfer between "two giant ships"

A procura por FSRU (unidades de transporte e regaseificação) aumentou com a crise do gás russo

Getty Images

Daí a importância da ligação a outros gasodutos — neste caso a Sul — a onde chegam importantes descargas de gás — por barco via terminal — para além da ligação por gasoduto a um importante fornecedor — a Argélia — ainda que este fluxo esteja para já interrompido devido à tensão política entre o Executivo de Pedro Sánchez e o Governo argelino.

Ibéria poderia substituir até 40% das importações de gás russo se existisse mais capacidade de interligação

De acordo com um estudo feito pelo centro de competências do Estado, a PlanAAP, os terminais ibérico poderiam substituir até 40% das importações de gás russo, se não existisse o estrangulamento na interligação a França.

O problema resolve-se só com mais interligação na fronteira franco-espanhola?

Não. O envio de mais gás da Península Ibérica para a Europa exige investimentos de reforço em toda a rede que está antes e depois dessa interligação. Não são investimentos muito avultados — por exemplo a terceira ligação portuguesa a Espanha custaria duas centenas de milhões de euros, mas são necessários para abrir mais espaço para um maior fluxo. E têm de ser feitos em cadeia e ao longo de todo o circuito, uma decisão que tem de comprometer os três países, o que também ajuda a perceber porque a sua execução demora a arrancar.

Para Portugal entrar no jogo europeu não basta construir a terceira ligação a Espanha — um processo que segundo António Costa já está a avançar com um traçado alternativo ao que foi chumbado em 2018. É preciso que Espanha também reforce a capacidade do seu lado da rede. E chegado à fronteira, e mesmo com a interligação feita, França também tem de reforçar a capacidade da sua rede até chegar ao destino: a Alemanha ou outros países mais dependentes do gás russo.

Quanto tempo poderá demorar a solução?

A ministra espanhola acenou com um prazo muito curto, inferior a um ano, para a execução do seu lado da interligação. Mas este prazo só começa a contar quando se iniciar a construção. Esta interconexão está prevista no plano Repower UE, mas ainda depende do sim da Comissão Europeia e é um projeto diferente do Mid Cat, envolve um gasoduto de 100 km e um investimento de 225 milhões de euros numa primeira fase entre 2022 e 2026, refere o jornal El Mundo, citando o plano estratégico da operadora espanhola Enagas. Mas estas datas, reconheceu Teresa Ribera, são as que contam para o lado espanhol. França terá os seus prazos e será necessário adaptar o projeto de 2019 que previa um só sentido no fluxo de gás e não estava concebido para o hidrogénio verde. Só esta futura utilização justificará um investimento desta dimensão e com um horizonte de décadas de utilização.

"Faz pouco sentido que nós corramos muito se do lado francês aquilo que se transforma num beco sem saída porque não há maneira de evacuar esse gás".
Teresa Ribera, ministra espanhola da Transição Ecológica

A vice-presidente do Governo espanhol defendeu que a Alemanha devia ser convidada a participar num grupo de alto nível para discutir as interconexões com França. “Faz pouco sentido que nós corramos muito se do lado francês aquilo se transforma num beco sem saída porque não há maneira de evacuar esse gás”.

De acordo com as fontes ouvidas pelo Observador no setor do gás natural, o desenvolvimento de uma interligação que permita produzir o efeito de um “gasoduto entre Portugal e Alemanha”  — na expressão escolhida pelo chanceler alemão — poderá demorar dois a três anos. E se tudo correr sem problemas de maior. Com o licenciamento e entraves ambientais que obriguem, por exemplo, a mudar traçados, o calendário pode rapidamente derrapar para os cinco anos. E a Europa central e a Alemanha precisam de respostas nos próximos meses.

Mas que soluções podem avançar já?

Há coisas que podem ser feitas para reforçar no curto prazo a capacidade, limitada, das infraestruturas existentes sem grandes investimentos. É o caso da instalação de mais centrais de compressão ao longo da rede de gasodutos (também do lado português), o que permite injetar mais gás e transportá-lo mais rapidamente para o destino, sem necessidade de grandes investimentos (dezenas de milhões de euros).

Terminal de GNL Sines DR

Capacidade do terminal de Sines já foi reforçada e pode voltar a sê-lo

Adelino Oliveira

A outra solução que tem sido defendida pelo primeiro-ministro português junto dos governos alemão e polaco é o ship to ship (de barco para barco). Para contornar a falta de capacidade das interligações, o gás natural liquefeito (GNL) que chega aos terminais mais disponíveis na Europa — os da Península Ibérica — poderá seguir diretamente para a Europa central sem chegar a entrar no terminal físico de Sines. Para tal, são necessários metaneiros (navios de transporte de gás) de grande dimensão que façam a transfega para barcos mais pequenos que iriam descarregar nos portos de destino. Mas sem terminais para transformar esse GNL em gás injetável em gasoduto, é preciso usar os super-metaneiros que têm a bordo unidades de regaseificação que não são muitos. A descarga em terminais no centro da Europa, como Roterdão, está condicionada pelo intenso tráfego desse porto e pelo tempo que demora a regaseificar o GNL. Não basta carregar num botão.

Europa tem soluções para trocar gás russo por GNL, mas fica mais caro e é pior para o ambiente

Daí que a primeira resposta já posta no terreno é o cortar no lado da procura no imediato, para poupar as reservas para um inverno de grande incerteza. Os 27 chegaram a um acordo para cortes voluntários no consumo de gás que podem ser vinculativos em caso de crise. E vários países, entre os quais Espanha — Portugal anunciará o seu plano nas próximas semanas —,  já adotaram medidas de poupança de energia (poupar eletricidade também poupa gás porque o gás é usado na produção elétrica), limitando os ares condicionados e as iluminações comerciais.

Qual o papel de Portugal (Sines)?

Portugal tem apenas um, no conjunto de sete terminais da Península Ibérica. E a entrada portuguesa na nova ordem de fornecimento de gás à Europa está limitada por decisões de França e de Espanha. Há quem diga que os espanhóis não estarão especialmente interessados em “dar gás” a Sines quando têm seis terminais, alguns com mais capacidade, e estão a ponderar reativar outro. Mas uma parte destes terminais é no Mediterrâneo, um mar onde a circulação e as operações de grandes navios metaneiros está mais limitada no espaço e até pela profundidade das águas, ainda que mais próximo de grandes produtores de GNL como o Qatar.

Na geografia, Sines tem duas vantagens: está mais perto de algumas das principais fontes de abastecimento de GNL: Nigéria, Estados Unidos, Trinidad e Tobago e fica no Atlântico e é um porto de águas profundas, o que facilita as operações com barcos de grande dimensão.

Do ponto de vista do que poderá ser o redesenhar das rotas terrestres do gás, os projetos para o desenvolvimento de hidrogénio verde previstos para a localidade alentejana (Sines) são mais um trunfo no jogo. Isto porque os investimentos na infraestrutura do gás terão de a deixar preparada para receber este novo gás verde num horizonte de décadas. Dito isto, o gás que chega a Sines vai chegar à Alemanha? Não. O gás que entra por Sines ficará algures na Ibéria, permitindo empurrar outro gás, que vai entrando a montante, na direção da Europa central.

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