Os tribunais reabrem na quinta-feira com uma série de julgamentos e processos mediáticos a aguardarem sentenças, decisões instrutórias ou despachos de acusação, após uma interrupção de mês e meio para férias judiciais.
Entre os julgamentos mais conhecidos que esperam acórdão contam-se Pedrógão Grande, e-Toupeira e Operação Cavaleiro, mas os maiores processos estão mais atrasados, com alguns a aguardar julgamento – como o do ex-primeiro-ministro José Sócrates e o do antigo deputado Duarte Lima -, outros em fase de instrução – BES/GES, “O Negativo” e Operação Lex -, e alguns ainda em inquérito, como o Caso EDP/CMEC e o Caso CGD, que envolve o empresário Joe Berardo.
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O mês de setembro tem já prevista para dia 13 a leitura do acórdão do julgamento sobre eventuais responsabilidades criminais nos incêndios de Pedrógão Grande, em 2017, que provocaram 66 mortos. O Tribunal Judicial de Leiria vai anunciar a decisão para 11 arguidos, que respondem por crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, depois de 44 feridos terem solicitado procedimento criminal.
Um dia antes, em 12 de setembro, está prevista nova sessão do julgamento do processo Football Leaks, para a qual existe a expectativa de que Rui Pinto venha finalmente a prestar declarações, caso já tenha concluído a consulta dos discos apreendidos pela PJ. O criador da plataforma eletrónica e principal arguido deste processo, de 33 anos, responde por 90 crimes, num julgamento que decorre há praticamente dois anos.
No dia 20 arranca a instrução do processo Operação Lex, com as primeiras audições de testemunhas no Supremo Tribunal de Justiça, cerca de dois anos após ser conhecida a acusação e que conta entre os 17 arguidos com os antigos juízes Rui Rangel, Fátima Galante e Vaz das Neves e o ex-presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira. Em causa neste processo estão crimes de corrupção passiva e ativa para ato ilícito, recebimento indevido de vantagem, abuso de poder, usurpação de funções, falsificação de documento, fraude fiscal e branqueamento.
A terminar o mês, para os dias 28 e 30, estão previstas sessões da fase de instrução do processo BES/GES, sendo que o caso do colapso do grupo financeiro outrora liderado pelo ex-banqueiro Ricardo Salgado tem de conhecer decisão até fevereiro de 2022, após determinação do Conselho Superior da Magistratura (CSM). Esse prazo poderá ser ainda afetado pelo processo disciplinar instaurado pelo CSM ao juiz de instrução Ivo Rosa.
Ainda em setembro deve ser retomado no tribunal de Loures o julgamento do processo Hells Angels, no qual a juíza ordenou perícias às tatuagens dos 89 arguidos, que respondem por associação criminosa, tentativa de homicídio qualificado agravado pelo uso de arma, ofensa à integridade física, extorsão, roubo, tráfico de droga e posse de armas e munições.
Para 03 de outubro está marcado o início do debate instrutório do processo “O Negativo”, também conhecido por “Máfia do Sangue” e que está igualmente a cargo de Ivo Rosa. O juiz já avisou que a decisão não será proferida no prazo legal de 10 dias após o fim do debate instrutório, num processo em que o Ministério Público acusou em 2019 sete arguidos, incluindo uma empresa, estando em causa crimes de corrupção ativa e passiva, recebimento indevido de vantagem, falsificação de documentos, abuso de poder e branqueamento de capitais.
Novembro promete ser um mês de decisões, com a leitura no dia 04 do acórdão do julgamento do processo E-toupeira, onde o MP pediu a condenação do ex-assessor jurídico do Benfica Paulo Gonçalves e dos dois funcionários judiciais acusados. Estão em causa crimes de corrupção passiva e ativa, violação do segredo de justiça, violação de segredo por funcionário, violação do dever de sigilo, acesso indevido e peculato.
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Quatro dias depois, em 08 de novembro, é a vez de ser conhecida a sentença no julgamento do processo Operação Cavaleiro, no qual o ex-diretor do Museu da Presidência, Diogo Gaspar, e outros três arguidos respondem por um total de 42 crimes (abuso de poder, participação económica em negócio, tráfico de influências, falsificação de documentos, peculato e branqueamento de capitais). O MP pediu prisão efetiva para o antigo responsável do Museu da Presidência, mas admitiu que venha a ter pena suspensa, algo que pediu que seja aplicado aos outros arguidos.
Para dia 23 está agendado o arranque do julgamento do antigo deputado Duarte Lima no Tribunal de Sintra pelo alegado homicídio de Rosalina Ribeiro, em 2009 no Brasil. Duarte Lima está atualmente preso no Estabelecimento Prisional da Carregueira, em Belas (Sintra), onde cumpre uma pena de seis anos no âmbito do caso BPN/Homeland.
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Entre os processos mediáticos mais atrasados sobressai o julgamento de José Sócrates e de Carlos Santos Silva, no processo conexo da Operação Marquês, que – mais de um ano após a decisão instrutória do juiz Ivo Rosa, em 09 de abril de 2021 — continua sem data marcada para o seu início. Este período ficou marcado por um imbróglio jurídico e uma sucessão de recursos do ex-primeiro-ministro e do MP, num processo em que Sócrates é acusado de três crimes de branqueamento de capitais e outros tantos de falsificação de documento.
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Outros processos que agitaram a sociedade portuguesa ainda não passaram da fase de inquérito, com destaque para o Caso EDP, relacionado com os Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC) e investigado pelo MP há cerca de uma década. Os antigos gestores António Mexia e Manso Neto são suspeitos de corrupção e participação económica em negócio para a manutenção do contrato das rendas excessivas e, segundo o MP, terão corrompido o ex-ministro Manuel Pinho e o ex-secretário de Estado da Energia Artur Trindade.
Outro caso mediático e que continua ainda em inquérito envolve a Caixa Geral de Depósitos (CGD), tendo sido constituídos 11 arguidos, entre os quais o empresário Joe Berardo. De acordo com o MP, a investigação envolve um grupo “que entre 2006 e 2009 contratou quatro operações de financiamentos com a CGD, no valor de cerca de 439 milhões de euros” e terá causado “um prejuízo de quase mil milhões de euros” à CGD, ao Novo Banco e ao BCP.
Greves preocupam agentes da justiça
Uma onda de greves, a situação dos tribunais administrativos e fiscais, os megaprocessos, a falta de peritos financeiros, magistrados e funcionários são problemas apontados por agentes do setor da Justiça em vésperas da reabertura dos tribunais.
Na quinta-feira os tribunais retomam a sua atividade normal após as férias judiciais e, embora o ano judicial corresponda ao ano civil, para quem trabalha nos tribunais “a retoma da atividade que se avizinha assume especial relevância pelo impacto” que terá na vida profissional destes trabalhadores, disse à Lusa o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP).
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Adão Carvalho alertou para “o stress e a pressão associados ao trabalho nos tribunais”, que têm “provocado um número crescente de magistrados com burnout, depressão, exaustão física e mental”.
A tal não é alheio o quadro de carência atual de magistrados do Ministério Público (MP)”, disse Adão Carvalho, lembrando que a partir de 01 de setembro irão produzir efeitos os movimentos anuais dos magistrados judicias e do MP com a consequente movimentação de centenas de magistrados que vão iniciar funções em novas comarcas, tribunais, jurisdições ou serviços.
Paralelamente, o presidente do SMMP disse desconhecer até ao momento “qual a política do atual Governo para a justiça”, observando que, “além do remendo de algumas opções erradas da anterior legislatura, não é conhecido o programa da atual ministra da Justiça e que soluções vai apresentar para suprir a mais que manifesta carência de meios humanos e materiais”.
Adão Carvalho assinalou ainda que depois dos “discursos inflamados de combate à corrupção e criminalidade económico-financeira e à morosidade das investigações criminais nesse tipo de processos” aguarda-se que o “Governo reforce a autonomia do MP e dote o mesmo dos meios e da disponibilidade dos meios necessários a esse combate”.
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O presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), Manuel Soares, apontou como uma das prioridades para o ano judicial 2022/2023 a questão dos tribunais administrativos e fiscais, nomeadamente a aprovação da lei orgânica do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o plano de recuperação dos atrasos processuais dos processos mais antigos nestes tribunais, o reforço conjuntural dos quadros, leis processuais mais expeditas e mais planeamento e monitorização.
Outra das prioridades indicadas por Manuel Soares prende-se com os megaprocessos e a criminalidade financeira, domínio em que considera ser necessário um “reforço dos meios no MP e na Polícia Judiciária (PJ) para a investigação criminal, assessorias nos tribunais e alterações nas leis do processo que permitam ao juiz impedir o exercício abusivo e dilatório dos direitos processuais”.
A terceira prioridade identificada pelo presidente da ASJP traduz-se, disse à Lusa, no reforço dos mecanismos de proteção da integridade judicial e da confiança social no sistema de justiça, com “mais mecanismos de prevenção, deteção e repressão de comportamentos desviantes e falhas éticas graves”.
O bastonário da Ordem dos Advogados (OA), Luís Menezes Leitão, declarou à Lusa considerar “preocupantes as greves que foram anunciadas para os dias de reabertura dos tribunais”, considerando que demonstra “a grande insatisfação que existe atualmente no setor da justiça, uma vez que o Governo só tem governado para as magistraturas, ignorando os restantes profissionais do setor”.
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Luís Menezes Leitão manifestou também “grande apreensão” com o resultado evidenciado num inquérito aos juízes sobre o tema da corrupção, que, disse, “demonstram uma grande dimensão do fenómeno”, acrescentando que lhe parece que “o Governo está a desvalorizar” a questão, quando deveria “tomar medidas efetivas de combate à corrupção na justiça”
Em vésperas da reabertura dos tribunais, o bastonário da OA considerou ainda que “já deveria ter sido revogada a legislação Covid no setor da Justiça agora que a pandemia parece ultrapassada”.
“Greve na reabertura dos tribunais trará mais atrasos na justiça”
Já quanto à greve anunciada dos trabalhadores judiciais, para quinta e sexta-feira — coincidindo com reabertura dos tribunais na quinta — o Presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ) considera que trará “ainda mais atrasos” na justiça.
Recomeçará ainda com mais atrasos, desde diligências adiadas a processos não urgentes parados, o que acarretará prejuízos vários para os cidadãos”, disse à agência Lusa António Marçal, presidente do SFJ, que convocou a greve juntamente com o Sindicato dos Oficiais de Justiça (SOJ).
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Segundo António Marçal, “a greve destina-se principalmente a sensibilizar o utente da justiça” para os problemas graves do setor e dos funcionários judiciais, advertindo que “lamentavelmente, os problemas de julho continuarão em setembro, facto maioritariamente resultante da falta de recursos humanos”.
Os funcionários judiciais em greve protestam contra a falta de efetivos, a estagnação das carreiras e das promoções e aquilo que entendem ser a reiterada atuação à margem da lei por parte da Direção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ).
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Para o presidente do SFJ, “o que fere a justiça são políticas que se vêm consolidando ao longo dos últimos anos, que se mostram contraproducentes”.
Na verdade, acabam por trazer prejuízo à sociedade — desde os tribunais privados, onde se discutem dinheiros públicos e onde os juízes são nomeados pelas partes, os chamados tribunais ad hoc, constituídos apenas para esse fim, passando pelas dificuldades do acesso ao Direito e consequentemente prejudicando essencialmente os cidadãos, nomeadamente, no que concerne ao acesso à justiça por parte da classe média”.
Quanto ao acesso à Justiça, António Marçal considerou que “só os mais pobres e desfavorecidos têm direito ao apoio jurídico”, criticando que o Estado esteja também a “empurrar aqueles que não podem pagar para os julgados de paz ou para uma resolução alternativa de litígios, extrajudicial”.
Cada vez mais, o poder político opta por políticas de desjudicialização, deixando o cidadão médio desamparado, na medida em que, nessas situações, não existe uma igualdade de armas. Infelizmente continuamos a assistir a uma justiça para ricos e outra para pobres”, afirmou.
De acordo com o dirigente sindical, tudo o que sai da esfera dos tribunais, como por exemplo o caso das execuções (ações de cobrança de dívidas), gera “atropelos aos direitos” do cidadão.
O cidadão comum é vítima de penhoras abusivas, execuções que se eternizam sem dar satisfações aos executados, contas finais que não são elaboradas, tal como é demonstrado em diversas situações desta natureza que têm vindo a público”, assinalou António Marçal, lembrando que nos tempos em que as execuções se encontravam a ser tramitadas nos tribunais “era mais fácil ao executado obter informações e tomar providencias sobre qualquer penhora que considerasse abusiva”.
O presidente do SFJ criticou também a situação específica dos inventários (por exemplo, relação dos bens pertencentes a uma pessoa falecida) que, “por opção política, foram entregues aos notários há alguns anos, mas que, também por opção politica, regressaram aos tribunais, visto que os notários se viram confrontados com processos bastante minuciosos, laboriosos e demorados, que não os compensava monetariamente”.
Relativamente à última movimentação de oficiais de justiça, António Marçal assinalou que “há tribunais que ficam numa situação muito periclitante”, uma vez que pela DGAJ foram “retirados elementos essenciais ao seu funcionamento, sem haver o cuidado de os substituir por outros”.
“Esta situação, mais não é, do que a efetivação para todos (os funcionários judiciais) de um inferno diário que os levará ainda mais à exaustão”, concluiu.
O presidente do SFJ recordou que as reivindicações dos oficiais de justiça “são já antigas” e bem conhecidas dos sucessivos governos, e disse que o atual executivo “parece também fazer orelhas moucas, o que obriga a classe a continuar a lutar” pelas suas reivindicações.
“Os trabalhadores da justiça têm direito à sua dignidade, a serem respeitados e, é por isso que os sindicatos (SFJ e SOJ) se concertaram e anunciaram dois dias de greve”, reiterou António Marçal.