O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) condenou esta quinta-feira o Estado português a pagar cerca de 26 mil euros a dois cidadãos, um português e um letão, que se queixaram das condições desumanas e degradantes de detenção.
Em causa esteve uma ação intentada por João Ribeiro Santos, detido, a partir de setembro de 2015, nas cadeias de Aveiro e Coimbra, e que se queixou de sobrelotação, insuficiência de luz elétrica, falta de luz natural e ausência de privacidade na casa de banho, e uma queixa apresentada pelo cidadão letão Mãris Jevdokimovs, recluso do Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL).
Este último queixou-se das condições prisionais degradantes, nomeadamente de sobrelotação, temperatura inadequada, instalações elétricas perigosas e deficientes, cela suja e com mofo, falta de ar fresco e de privacidade na casa de banho.
Queixou-se também de má qualidade das roupas de cama e dos alimentos fornecidos, de insuficiente exercício físico ao ar livre, quantidade insuficiente de alimentos, falta de assistência médica, partilha de celas com reclusos infetados com doenças contagiosas e deterioração das condições de detenção, incluindo falta de higiene.
Falta de contacto com o mundo exterior, restrição de acesso a água quente, falta ou restrição de acesso a atividades de lazer ou educação e infestação da cela por insetos e roedores foram outras das queixas do cidadão da Letónia, através do seu advogado José Gaspar Schwalbach.
Ambas as queixas apresentadas no Tribunal de Estrasburgo fundamentaram-se na violação do artigo 3 da Convenção dos Direitos Humanos que refere que “ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes”.
O Tribunal considerou que os queixosos foram mantidos em detenção em condições precárias e insuficientes.
A propósito da jurisprudência, o TEDH refere que no caso Petrescu contra Portugal, de 2019, já havia constatado uma violação em relação a questões semelhantes às que envolvem agora João Ribeiro Santos e Mãris Jevdokimovs.
Estas queixas são, portanto, admissíveis e revelam uma violação do artigo 3º da Convenção”, concluiu o Tribunal de Estrasburgo.
Assim, o Tribunal considerou “razoável” atribuir o pagamento pelo Estado português de 16.300 euros a João Ribeiro Santos e de 9.600 euros a Mãris Jevdokimov´s, sendo que neste último caso entendeu ainda o TEDH ser adequado o pagamento de mais 250 euros por taxa de juros de mora.
A decisão do TEDH foi tomada por unanimidade e obriga o Estado português a pagar aos queixosos aquelas quantias no prazo de três meses.
Em declarações à agência Lusa, José Gaspar Schwalbach salientou que “o panorama atual no sistema prisional português não oferece quaisquer condições de dignidade a todos aqueles que se encontram em situação de privação da liberdade, quer a aguardar julgamento — como foi o caso de Maris Jevdokimovs no EPL — quer de todos aqueles reclusos que se encontram a cumprir pena de prisão noutros estabelecimentos” prisionais.
“Situações de sobrelotação de celas, sanitas num dos cantos do quarto sem qualquer separação das camas dos outros reclusos, humidade nas paredes, instalações elétricas deficientes com os cabos descarnados fazem parte do quotidiano de quem é arrastado para estes locais“, disse o advogado, notando que o Estado português reconhece a situação, mas “nada faz para a sua correção”.
Paralelamente, apontou também, verifica-se em Portugal um excesso de aplicação de medidas de prisão preventiva ou penas efetivas em detrimento de tantas outras que a legislação penal prevê.
Em comparação com outros países da Europa, em 2021, Portugal tinha cerca de 111 presos por cada 100.000 habitantes —números que contrastam com outros países como a Irlanda (74), Alemanha (69) ou Países Baixos (63), indicou ainda.
Segundo José Gaspar Schwalbach, é, pois, sobre estes factos que o Estado português merece censura, “quer pela falta de condições a que sujeita os cidadãos naqueles espaços (prisionais) e à sua sobrelotação, quer também pela facilidade com que o Ministério Público requer a medida de prisão preventiva”, sendo que, “em bom rigor, deveria ser a última medida a aplicar” face à existência de tantas outras como a obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (vulgo pulseira eletrónica), apresentações periódicas ou proibições de contacto.
Mâris, um cidadão da Letónia atualmente a cumprir pena em Portugal, conseguiu a condenação do Estado Português, em 2022, por tais condições decadentes e que nos envergonham a todos. Impõe-se uma mudança de atitude e politica imediata por parte do Ministério da Justiça”, sugeriu o advogado.
O TEDH analisou ainda duas outras ações contra o Estado português, uma delas também relacionada com condições de detenção e que foi declarada “inadmissível”, e outra relacionada com excessiva morosidade processual e violação do princípio de presunção de inocência, a qual não necessitou de decisão, uma vez que foi estabelecido um acordo entre as partes.