As autoridades da China começaram a investigar várias pessoas que participaram nos protestos do fim de semana contra as restrições ligadas à Covid-19 no país, revelam a Reuters e a BBC. As manifestações estão, entretanto, a acalmar de tom, numa altura em que a repressão policial aperta.

Segundo a BBC, as forças policiais estão em força em várias cidades do país, o que está a contribuir para reprimir mais manifestações. Ao mesmo tempo, estão a investigar manifestantes. A Reuters identifica, citando pessoas que participaram nas manifestações em Pequim, alguns casos de alegada repressão. Um dos manifestantes terá recebido uma chamada telefónica tendo-lhe sido pedido que se apresentasse numa esquadra na terça-feira, para deixar um depoimento por escrito sobre o que fez no domingo.

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Outro estudante terá sido contactado pela sua universidade, que o questionou sobre se teria estado nos locais das manifestações. “Estamos todos a apagar o nosso histórico de mensagens desesperadamente”, indicou um dos participantes dos protestos em Pequim. “A polícia veio verificar o número de identificação de uma amiga e levou-a. Não sabemos porquê. Algumas horas depois libertaram-na”, conta.

Outras testemunhas relatam que a polícia lhes pediu os telemóveis para verificar se tinham VPN (Virtual Private Network), uma ferramenta que permite contornar o bloqueio de sites, e a aplicação de mensagens instantâneas Telegram, que está bloqueada na China.

Os manifestantes estão contra as restrições da Covid-19, quase três anos depois do início da pandemia, e numa altura em que ainda há várias cidades em confinamentos apertados e em que os casos de infeção continuam a atingir recordes diariamente. A Reuters diz que se trata da maior onda de “desobediência civil” desde que Xi Jinping chegou ao poder, há uma década.

A polícia está a ocupar locais em várias cidades, onde presume que estejam a ser organizados mais protestos, para prevenir ajuntamentos. Esta segunda-feira, algumas das manifestações planeadas não se terão concretizado e em Xangai foram mesmo erguidas barreiras na presumível rota dos protestos, e detidas várias pessoas.

As demonstrações subiram de tom no fim de semana passado, quando um incêndio num prédio, na província de Xinjiang, matou 10 pessoas. Os manifestantes acreditam que as vítimas não conseguiram fugir devido às restrições (as portas do prédio estariam fechadas), mas as autoridades negam a acusação.

Cartazes, equações e até alpacas — como os chineses contornam as restrições

A vaga de protestos já recebeu o nome de “revolução do papel branco” ou “revolta A4” porque vários manifestantes têm erguido folhas em branco durante os protestos, contra a repressão e a censura. É que de dia para dia aumenta a lista de palavras proibidas: em plataformas como a Weibo, uma espécie de Twitter chinês, foram proibidas as palavras “Shanghai” e “Urumqi”, cidades onde se têm realizado protestos.

Para contornar a censura, os utilizadores começaram a usar, nessas plataformas, os termos “papel branco” ou “A4”, mas como até estas expressões já foram censuradas, já passaram para “A3”, por exemplo.

Há outras formas mais criativas de protestar, fugindo ao crivo da censura: em Pequim, um grupo de estudantes inscreveu numa folha a equação matemática de Friedmann, que soa à expressão “Free man” (homem livre). Outro manifestante usou o símbolo do ponto de exclamação do WeChat (semelhante ao WhatsApp) que aparece quando uma mensagem não pode ser enviada.

Até alpacas estão a ser usados: uma mulher foi vista a passear três animais numa rua em Urumqi, um gesto que foi interpretado como uma referência aos protestos de 2009, pensados para gozar com a censura na internet.

É preciso recuar a 2009 para perceber o contexto. Nesse ano,  a censura na China apertou consideravelmente e, para a criticar, vários utilizadores publicaram um meme com a imagem de um Cao Ni Ma, um animal semelhante ao alpaca. O nome, na língua chinesa, é semelhante a um insulto, como explica o The Guardian.

Como uma folha de papel branco se tornou o símbolo dos protestos na China. Veja as imagens e os vídeos