A psicóloga Rute Agulhas, até agora membro da comissão diocesana do patriarcado de Lisboa, foi convidada para liderar uma equipa que servirá como organismo onde as vítimas de abusos sexuais de menores no contexto da Igreja Católica portuguesa poderão denunciar os seus casos. O nome — confirmado ao Observador pelo ex-Procurador-Geral da República José Souto Moura — é uma escolha direta do presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), D. José Ornelas. Ao Observador, a CEP confirmou oficialmente a escolha da psicóloga.

Numa nota enviada ao Observador já ao final da tarde desta quinta-feira, a Conferência Episcopal refere que “o nome da psicóloga Rute Agulhas foi apontado, pelo Conselho Permanente da CEP e após consulta aos Bispos diocesanos e auxiliares, para coordenar o grupo operativo que será responsável pelo acolhimento e acompanhamento das vítimas de abusos no seio da Igreja Católica em Portugal”. O grupo funcionará, como o Observador também tinha avançado, “em articulação com a Equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas”, liderada por Souto Moura.

Na próxima semana, a CEP reúne-se em Assembleia Plenária. Nessa reunião, será votada a escolha de Rute Agulhas, assim como o nome que o grupo (uma recomendação da Comissão Independente para o estudo dos abusos sexuais na Igreja Católica, que cessou funções em fevereiro) vai adotar. “Grupo de receção de queixas e acompanhamento de vítimas” é uma das hipóteses, avançada por Souto Moura, mas não ainda não foi confirmado oficialmente. Na mesma nota, a CEP refere, a este respeito, que “a constituição do grupo e o projeto serão analisados na Assembleia Plenária que se realiza na próxima semana”.

A escolha do presidente da CEP

A psicóloga que deverá presidir ao grupo “é uma escolha do próprio D. José Ornelas, que também me perguntou o que eu achava. Disse-lhe que era uma boa escolha”, refere ao Observador Souto Moura, atualmente na presidência da Equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas e que, desde o final de março, assume também a Comissão de Proteção de Menores do Patriarcado, tendo substituído o bispo auxiliar Américo Aguiar nessas funções.

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Questionada sobre a possibilidade de vir a liderar o novo grupo, Rute Agulhas — que escreveu artigos de opinião no Observador até 2018, e foi autora de outros artigos no Público e no DN — preferiu não fazer, neste momento, qualquer comentário sobre o assunto, limitando-se a sublinhar a “tão grande importância” do tema.

O Observador sabe que, além da escolha da psicóloga, já estarão delineados os nomes dos membros que vão prestar apoio nessa missão de recolher denúncias de abusos no seio da Igreja ou de elementos ligados à Igreja e no acompanhamento desses casos para a justiça (seja porque há matéria para instaurar processos-crime ou porque os casos justificam a abertura de um processo canónico). Mas não foi possível apurar se esses elementos são Igreja, se são figuras da sociedade civil (como acontecia no caso da Comissão Independente) ou se, eventualmente, são destes dois universos.

Estava previsto que esse anúncio fosse feito no início da próxima semana, ao mesmo tempo que serão votados os documentos que definem as funções exatas do grupo e a sua estrutura operativa — essa informação foi clarificada ao Observador por fonte oficial da Conferência Episcopal Portuguesa, que sublinhou não haver qualquer “confirmação oficial” antes da Assembleia Plenária marcada para os dias 17 a 20 de abril, em Fátima. Mas a confirmação oficial acabou por ser antecipada depois de o Observador avançar o nome de Rute Agulhas para a presidência da nova equipa.

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“O grupo vai dispor de um conjunto de pessoas que recebem queixas [de vítimas de abusos sexuais] e ideia é ultrapassar as resistências que possam existir por parte das pessoas que não querem apresentar as suas denúncias junto das comissões diocesanas”, concretiza Souto Moura. “O que se pretende é garantir que não haja dificuldades em receber queixas.”

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Ao mesmo tempo, este “não será um grupo para continuar o trabalho da Comissão Independente”, clarifica o magistrado. Depois de a comissão liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht se ter dedicado a fazer um levantamento da realidade dos abusos no contexto da Igreja em Portugal nos últimos 70 anos — mas que também resultou na receção de um conjunto de 512 testemunhos validados pelos membros da comissão (e na estimativa de um universo de 4.815 vítimas de abusos em Portugal) —, o organismo que deverá ser presidido por Rute Agulhas vai “atuar no terreno”, em proximidade com a Equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas, antecipa Souto Moura.

No relatório final, apresentado em fevereiro, a Comissão Independente liderada por Strecht sugeria a criação de uma nova “comissão” no âmbito dos abusos sexuais na Igreja. Um grupo que fosse “diferente na sua composição, com novo estatuto, incluindo psicólogos, assistentes sociais, terapeutas familiares, psiquiatras, juristas, sociólogos e outros, e com novos objetivos, prosseguindo, a partir dos conhecimentos agora adquiridos, o propósito de assegurar um canal de comunicação aberto à receção de denúncias ou testemunhos de abusos sexuais de crianças por membros da Igreja Católica portuguesa”.

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Na primeira reação a esse relatório, a Conferência Episcopal não se comprometeu com um formato ou designação específicos, admitindo a criação de um “grupo” para o efeito. “Estamos disponíveis para acolher a vossa escuta através de um grupo específico, que será articulado com a Equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis”, referia o comunicado da CEP de início de março.

[Já saiu: pode ouvir aqui o quinto episódio da série em podcast “O Sargento na Cela 7”. E ouça aqui o primeiro episódio, aqui o segundo episódio, aqui o terceiro episódio e aqui o quarto episódio. É a história de António Lobato, o português que mais tempo esteve preso na guerra em África.]