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Reportagem abusos sexuais na igreja católica, Convento de Balsamão JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
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Comissão independente estima um "número potencial de 4.815 vítimas" de abusos na Igreja desde 1950

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Comissão independente estima um "número potencial de 4.815 vítimas" de abusos na Igreja desde 1950

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Abusos. Igreja vai criar bolsa de psicólogos e psiquiatras para apoiar vítimas gratuitamente

Ideia partiu das comissões diocesanas e passa por garantir que as vítimas têm acesso a acompanhamento sem custos. Igreja quer rede de profissionais em todo o país e assegura transporte das vítimas.

A Igreja Católica em Portugal vai criar uma bolsa de psicólogos e psiquiatras especialmente vocacionados para o problema da violência sexual, para apoiar gratuitamente as vítimas de abusos sexuais cometidos por membros do clero e outros elementos da Igreja. A iniciativa partiu das várias comissões diocesanas de proteção de menores, explicou ao Observador a advogada Paula Margarido, que é a secretária da equipa de coordenação nacional das comissões diocesanas, liderada pelo antigo procurador-geral da República José Souto Moura.

Segundo Paula Margarido, as 21 comissões diocesanas de proteção de menores (organismos criados entre 2019 e 2020 em todas as dioceses católicas do mundo por determinação do Papa Francisco e coordenados a nível nacional pela Conferência Episcopal) reuniram-se em Fátima no dia 4 de fevereiro para darem “conta das suas perspetivas” sobre o trabalho que está a ser desenvolvido na Igreja portuguesa no âmbito da proteção dos menores e das pessoas vulneráveis.

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“Todas foram unânimes em dizer que há a necessidade de existir uma bolsa de psicólogos e psiquiatras vocacionados para este problema”, diz a advogada.

A bolsa deverá avançar em breve, explica ainda a responsável, salientando que a equipa coordenadora tem já marcadas pelo menos duas reuniões, em fevereiro e em março, nas quais este tema será debatido — e será também analisado o relatório final da comissão independente, apresentado na última segunda-feira. O documento, elaborado pela equipa liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, dá conta de 512 testemunhos de abuso, a partir dos quais foi possível estimar um “número potencial de 4.815 vítimas” de abusos na Igreja desde a década de 1950.

A comissão independente apresentou as conclusões do relatório final da sua investigação na segunda-feira

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Uma das recomendações que constam do relatório final da comissão independente é a de que a Igreja Católica assuma “a iniciativa e o encargo” do apoio psicológico e psiquiátrico das vítimas, devido à “multiplicidade de efeitos provocados pelos crimes sexuais na pessoa das vítimas” — nomeadamente através de protocolos com os Serviços de Psiquiatria do SNS, com ONG e IPSS que atuem no setor. A comissão sublinha também a necessidade de acompanhar psicologicamente os alegados abusadores.

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A criação da bolsa de psicólogos e psiquiatras poderá ser uma das formas de dar resposta a esta recomendação da comissão independente.

Segundo Paula Margarido, “a equipa de coordenação nacional vai estabelecer o esquema e a bolsa de psicólogos e psiquiatras”, idealmente composta por profissionais com atuação em todo o território nacional. Não se comprometendo com um número médio de profissionais que vão integrar a bolsa, a responsável da coordenação nacional das comissões diocesanas explica que a ideia é que haja profissionais nos principais centros urbanos do país.

Um dos primeiros passos será um conjunto de contactos com a Ordem dos Psicólogos e com profissionais reputados da área, para recolher uma lista de pessoas especializadas no tema da violência sexual que se disponibilizem para integrar esta bolsa. Só depois desse trabalho será possível criar os mecanismos concretos através dos quais as vítimas vão poder aceder ao acompanhamento, bem como o modelo de financiamento deste processo. Mas há duas garantias: as vítimas não vão ter de pagar nada e o seu desejo de discrição será sempre respeitado.

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“Imagine uma localidade no interior do país, onde há uma vítima que não tem meios financeiros e que quer ter acompanhamento. Alguém a vai buscar, a expensas da diocese, para a levar, por exemplo, a Coimbra”, exemplifica Paula Margarido. O serviço será totalmente gratuito para a vítima, que também não terá de se preocupar com as despesas do transporte.

"Imagine uma localidade no interior do país, onde há uma vítima que não tem meios financeiros e que quer ter acompanhamento. Alguém a vai buscar, a expensas da diocese, para a levar, por exemplo, a Coimbra."
Paula Margarido, secretária da equipa de coordenação nacional das comissões diocesanas de proteção de menores

Em muitos casos, a possibilidade de realizar a terapia longe do local onde vive é fundamental para o conforto da vítima, sustenta a responsável da Igreja. “Imagine aqui no Funchal, onde há uma pessoa que quer acompanhamento, mas não quer aqui, quer ser acompanhada no continente, o que se compreende”, explica Paula Margarido, sublinhando os inconvenientes de realizar este processo em meios pequenos. “Há pessoas aqui no Funchal que têm acompanhamento, mas se virem na rua [o psicólogo ou psiquiatra] não se cumprimentam, para não se saber que estão a ser acompanhadas.”

Dependendo do número de profissionais que se disponibilizarem para integrar a bolsa, não é de excluir a possibilidade de haver algumas pessoas acompanhadas por profissionais de mais longe — por exemplo, “pode acontecer alguém de Évora ter de ir a Faro” —, mas a responsável reitera que a Igreja vai assumir todas as despesas associadas ao acompanhamento psicoterapêutico ou psiquiátrico das vítimas que optem por esta via, incluindo o transporte.

Concretamente, caberá à equipa de coordenação nacional das comissões diocesanas o estabelecimento de um “organograma” com as várias pessoas que integram a bolsa de psicólogos e psiquiatras. Esse esquema será partilhado com as várias comissões diocesanas, a quem caberá depois estabelecer as pontes entre as vítimas que procurem apoio e os profissionais mais indicados. Os detalhes do funcionamento desta rede de apoio psicológico e psiquiátrico deverão ser conhecidos em breve através da própria Conferência Episcopal Portuguesa.

Bolsa de psicólogos também para acompanhar agressores

Além das vítimas, que serão o foco principal, a Igreja Católica pretende alargar o acompanhamento psicológico aos agressores sexuais, uma vez que essa atuação também tem um caráter preventivo.

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Paula Margarido sustenta esta necessidade com o exemplo recente de uma comissão diocesana que recebeu uma denúncia relativa a um leigo com responsabilidades na Igreja que tinha trocado mensagens inapropriadas com um jovem, com mais de 14 anos. “No caso concreto, chegou-se a tempo e percebeu-se que havia ali um potencial agressor”, explica Paula Margarido.

“Tivemos logo uma intervenção, percebemos que estes comportamentos são desajustados”, sublinha a advogada, sustentando que a pessoa foi de imediato afastada das suas funções e está a ser acompanhada.

Todas as dioceses portuguesas têm comissões diocesanas de proteção de menores

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No entender de Paula Margarido, há também um dever de acompanhamento das pessoas abusadoras. “Muitas vezes, são pessoas muito dedicadas à Igreja”, explica, acrescentando que a perceção de um abandono por parte da instituição pode ser, em casos mais extremos, “meio caminho andado para um suicídio”.

“O objeto da proteção são as crianças e os adultos vulneráveis, mas não podemos descurar os agressores”, acrescenta.

“Tolerância zero” para caso de responsável de comissão apontado como abusador

As 21 comissões diocesanas de proteção de menores e adultos vulneráveis foram criadas entre 2019 e 2020, na sequência da cimeira que o Papa Francisco organizou em Roma com bispos de todo o mundo, em fevereiro de 2019, para discutir o problema dos abusos de menores na sequência do terrível ano de 2018, marcado pela polémica visita do Papa ao Chile, pela divulgação do relatório da Pensilvânia (EUA) e pelo caso do cardeal McCarrick.

A primeira diocese a criar uma comissão foi o Patriarcado de Lisboa. O cardeal-patriarca, D. Manuel Clemente (que tinha representado Portugal na cimeira), anunciou em abril de 2019 a constituição de uma comissão com polícias, magistrados, psiquiatras e juristas para acompanhar o tema na diocese lisboeta. Vários bispos portugueses seguiram voluntariamente o exemplo do Patriarcado de Lisboa, mas, ainda assim, houve algumas resistências na Igreja em Portugal.

O mais controverso de todos foi o bispo do Porto, D. Manuel Linda, que numa entrevista à TSF rejeitou criar uma comissão, recorrendo a uma metáfora que o acompanharia para o resto da sua carreira eclesiástica. “Ninguém cria, por exemplo, uma comissão para estudar os efeitos do impacto de um meteorito na cidade do Porto”, disse. “É possível que caia aqui um meteorito? É. Justifica‐se uma comissão dessas? Porventura não.”

O bispo de Lamego, D. António Couto, também recusou inicialmente criar uma comissão, argumentando ao jornal Público que não pretendia criar um organismo para “tratar um assunto que não existe” e reiterando: “Não sou daqueles que criam comissões que depois não terão nada para fazer.” Já o bispo do Funchal, D. Nuno Brás Martins, disse que “em princípio” não iria fazer uma comissão por não ter “casos que justifiquem isso”.

Independentemente das vontades dos bispos particulares, o Vaticano acabaria por dissipar as dúvidas ao tornar obrigatória até ao verão de 2020 a criação de estruturas diocesanas para acompanhamento e proteção dos menores e das pessoas vulneráveis.

Essas comissões diocesanas, atualmente em vigor nas 21 dioceses nacionais, têm sido apontadas como a principal resposta da Igreja Católica à crise dos abusos — mas também têm sido acusadas de ineficácia. No seu relatório final, a Comissão Independente revela que apenas recebeu oito casos encaminhados pelas comissões diocesanas, um número com pouca relevância estatística num universo de 512 testemunhos validados junto da comissão de Pedro Strecht.

"Temos de divulgar [o trabalho das comissões diocesanas] para que se saiba que está aqui uma porta amiga."
Paula Margarido, secretária da equipa de coordenação nacional das comissões diocesanas de proteção de menores

Ainda no relatório final, a Comissão Independente diz que, “tal como estão atualmente organizadas, as Comissões Diocesanas não se adequam a estes objetivos ou fins [os meios de promover a reparação das vítimas], embora possam ser importantes como meios ativos em projetos de prevenção primária”. Para a equipa de Strecht, importa “reformular o modelo e/ou o seu foco primordial”, pelo que a comissão independente apelou à Conferência Episcopal que procedesse a uma “reflexão/avaliação sobre o funcionamento efetivo das Comissões Diocesanas”.

Mais: na conferência de imprensa que se seguiu à apresentação do relatório final, na segunda-feira, Pedro Strecht foi questionado sobre o papel das comissões diocesanas e sublinhou que a maioria das vítimas “não se sente à vontade” para recorrer a organismos da própria Igreja Católica para contar a sua história. Strecht apontou, como exemplo, um “caso complicado” em que um responsável de uma comissão diocesana — que não identificou — “é apontado como alegado abusador e o bispo em causa está a par da situação”.

Sobre este assunto, Paula Margarido rejeita uma visão tão pessimista do trabalho das comissões diocesanas e promete “tolerância zero” para esse caso concreto — cujos contornos já estão a ser apurados.

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“Temos tido denúncias nas comissões diocesanas”, sublinha Paula Margarido, salientando que, naturalmente, as queixas não chegam às comissões diocesanas “com o mesmo volume da comissão independente” — em grande medida porque a distância da comissão independente, de contornos nacionais, contribui para que as vítimas possam manter o anonimato, algo que poderia ser mais difícil de assegurar com a denúncia a um organismo da Igreja local.

“Temos de divulgar [o trabalho das comissões diocesanas] para que se saiba que está aqui uma porta amiga”, salienta a advogada e secretária da equipa de coordenação nacional das comissões diocesanas.

Concretamente sobre o caso apontado por Pedro Strecht, a responsável disse não ter conhecimento da situação específica, mas garantiu que a equipa de coordenação nacional está a recolher informação sobre o assunto. “Existindo e acontecendo, a tolerância é zero”, diz Paula Margarido, sublinhando que tem de haver uma “comunicação de imediato ao Ministério Público” e que a Igreja tem uma responsabilidade concreta: “Se o bispo está a par da situação, tem de desencadear logo os procedimentos canónicos.”

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