Depois de surpreender com a sua escolha de quatro rodas para a primeira deslocação em solo português, quando optou por um Toyota Corolla Cross idêntico a todos os outros à venda nos stands da marca nipónica, o Papa Francisco regressou esta quinta-feira ao seu tradicional papamóvel. A matrícula é a mesma (SCV 1), mas agora trata-se do habitual SUV da Mercedes, um Classe G 500 blindado. Mas porque o Vaticano considera que Portugal é um país de brandos costumes – e Sua Santidade detesta sentir-se como sardinha em lata –, a enorme campânula em vidro à prova de bala foi deixada na garagem.
Se o Corolla Cross constituiu uma lufada de ar fresco enquanto viatura papal, uma surpresa muito ao estilo de Francisco, que sempre revelou preferência por veículos mais simples e acessíveis, o Classe G 500 é o veículo em que estamos habituados a ver os Santos Pontífices desde Bento XVI, inclusive nas suas incursões em redor da Praça de São Pedro. É um facto que o SUV da Mercedes está intimamente associado ao Santo Padre, mas é provável que mesmo os mais crentes desconheçam algumas curiosidades acerca da montada oficial – ou pelo menos a mais habitual – do Papa. Abaixo reunimos algumas delas.
O Papa e a lata de sardinhas, “ainda que em vidro”
O Papa Francisco sempre se assumiu como uma pessoa simples, como prova a sua paixão pelo Renault 4L que tão bem o serviu durante todo o início da sua carreira na Argentina. E tanto gabou o prático (e barato) modelo francês que o padro Renzo Zocca resolveu oferecer-lhe um 4L italiano, com mais de 300.000 km, para as suas deslocações através do Vaticano e Roma.
A preferência de Francisco por carros mais simples chocou de frente com a decisão do Vaticano em impor papamóveis blindados, depois do atentado de que foi alvo João Paulo II, em 1981, em plena Praça de São Pedro. Contudo, isto não impediu o Papa Francisco de visitar o nosso país com um SUV aberto, exactamente nas mesmas condições em que ocorreu a tentativa de assassinato há 42 anos, quando o Santo Padre circulava no Fiat Campagnola, um SUV aberto similar ao Classe G, mas substancialmente mais pequeno.
Referindo-se ao Classe G 500, o Papa Francisco reconheceu que nunca foi grande fã dos protocolos de segurança e já assumiu publicamente que considera que o nível de protecção a que está sujeito dificulta a aproximação aos fiéis. “Não posso saudar um povo e dizer que o amo a partir do interior de uma lata de sardinhas, mesmo que seja em vidro”, revelou a alemã Deutsche Welle. “É verdade que qualquer coisa me pode acontecer, mas sejamos realistas, com a minha idade já não tenho muito a perder”, acrescentou.
Actual papamóvel nasceu como veículo militar
Nos anos 70, a Mercedes decidiu conceber um jipe capaz de ir a todo o lado, a ponto de conseguir equipar o exército germânico. Daí nasceu o projecto G-Wagen – uma abreviação de Geländewagen (todo-o-terreno) –, veículo que foi concebido e produzido pelos austríacos da Steyr Daimler Puch. O primeiro Classe G surgiu em 1979 e era assumidamente um jipe, visando competir em robustez e em capacidade em fora de estrada com os restantes rivais directos, do Land Rover Defender ao Jeep Wrangler.
Não deixa de ser curioso que um veículo originalmente militar, cujo caderno de encargos incluía até poder ser atirado de paraquedas de um avião militar para o teatro de operações, acabasse por ser o veículo oficial do Papa, um dos símbolos oficiais da paz. Entre as características do jipe que não iriam certamente ser utilizadas pelo Papa figuravam, além da robustez, as impressionantes aptidões em TT e a capacidade de poder instalar metralhadoras na sua estrutura. Para satisfazer as necessidades militares, o modelo recorria a um chassi/cabina, com uma estrutura de longarinas e travessas, onde a carroçaria era aparafusada, solução típica dos jipes “durões” e que ainda hoje se mantém.
Classe G ao serviço do Papa há mais de 40 anos
A primeira versão “papal” do G-Wagen surgiu logo em 1980, apenas um ano depois da versão militar provar o seu valor debaixo de fogo. O objectivo era estar ao serviço de João Paulo II durante a sua visita à Alemanha, com a curiosidade desta primeira geração montar o motor habitual do modelo à época, uma pequena unidade com quatro cilindros e apenas 102 cv, associada a uma caixa automática.
Neste primeiro G-Wagen, o Papa estava sentado na traseira, numa posição 40 cm mais elevada, coberto por uma campânula com 2,8 metros de altura em plexiglass, um acrílico que substitui os tradicionais vidros com uma solução mais leve e ligeiramente mais robusta. Mas o atentado de 1981 obrigou a uma blindagem, tanto na carroçaria como na campânula, pelo que em 1982 a Mercedes entregou ao Vaticano um segundo jipe, desta vez um 230 GE com 125 cv, um incremento de potência que deveria permitir deslocar o peso extra da protecção à prova de bala.
Este papamóvel foi entregue em 2007 ao Papa Bento XVI
O Papa não conduz o papamóvel, mas os condutores e seguranças do Vaticano tratam o carro oficial com todos os “miminhos”, como prova o facto de o Classe G 500 que o Vaticano deslocou a Portugal estar impecável, embora esteja ao serviço do Santo Padre há 16 anos. Recebido em 2007, durante o papado de Bento XVI, o actual papamóvel continua aí para as curvas, necessariamente a baixa velocidade, uma vez que o Sumo Pontífice vai lá atrás sem cintos de segurança.
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Este Classe G 500, modificado no fabricante, está equipado com um pára-brisas que se pode dobrar para a frente (opção que foi utilizada em Portugal), além de uma plataforma sobrelevada capaz de receber o cadeirão do Papa, que pode aceder ao seu posto através de uma escada na traseira, ao longo da qual se pode apoiar nos corrimões laterais.
O G 500 é blindado e pode ser utilizado em versão aberta, nos países menos problemáticos, com a campânula a surgir nos países em que os responsáveis pelo Vaticano temem pela segurança do Santo Padre.
Quando a Audi e BMW lutaram para substituir o Mercedes do Papa
A utilização de um veículo de determinada marca pelo Papa é um excelente argumento comercial para o construtor, mesmo que não faça anúncios ou campanhas apoiadas no Sumo Pontífice. Aliás nem convém, uma vez que o Vaticano é particularmente sensível à utilização da imagem do Santo Padre, mesmo quando lhe oferecem prendas de valor significativo.
Vem isto a propósito da visita do Papa Bento XVI à Alemanha, em 2006, quando a Audi e a BMW tentaram ser elas a motorizar o Papa, em vez da habitual – e rival – Mercedes. Com um Papa alemão, a visitar a Alemanha e com três construtores alemães a disputar a preferência do Santo Padre, a troca de galhardetes aqueceu, obrigando o Vaticano a impor uma solução de compromisso.
A solução encontrada para satisfazer Audi e BMW passou por entregar a esta última a responsabilidade de deslocar o Papa Bento XVI nos três dias na região de Munique, onde fica a casa mãe da BMW e onde o Sumo Pontífice utilizou um BMW Série 7 blindado. Nos restantes três dias da incursão por Ratisbona, próximo da sede da Audi em Ingolstadt, foi a Audi a proporcionar um A8, igualmente blindado.