Intensifica-se a tensão política em Espanha em torno da possibilidade de o Governo amnistiar os líderes independentistas catalães em troca do seu apoio ao PSOE na formação de governo — e o Partido Popular está a recorrer a todas as ferramentas que tem ao seu dispor para bloquear a tentativa dos socialistas chegarem ao poder.

No início desta semana, o ex-primeiro-ministro espanhol José María Aznar, do Partido Popular, criticou duramente o PSOE de Pedro Sánchez por estar a negociar com o ex-líder catalão Carles Puigdemont uma amnistia aos independentistas acusados ou condenados pelas tentativas de independência da Catalunha ao longo dos últimos anos — mais notavelmente os envolvidos na declaração unilateral de independência que se seguiu ao referendo de 2017.

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Num discurso no início da semana, citado pela imprensa espanhola, Aznar acusou os dirigentes do PSOE de quererem “acabar com a Constituição, porque a Constituição é vista como um obstáculo para materializar a sua ambição de poder”.

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O ex-governante do PP argumentou que estes esforços vêm de uma esquerda “irresponsável e não solidária, que renega a cidadania democrática, livre e igual” — e disse também que Espanha tem “energia cívica, institucionalidade e massa crítica nacional” para evitar que seja consumado aquele “projeto de desconstrução nacional, de dissolução nacional”.

Puigdemont impõe como condição lei de amnistia para apoiar investidura de um Governo

O país continua num impasse político desde as eleições gerais do dia 23 de julho deste ano. As eleições foram ganhas pelo Partido Popular, liderado por Alberto Núñez Feijóo, embora sem maioria absoluta — elegendo 137 deputados num Congresso composto por 350 parlamentares. Mesmo com o 33 eleitos pelo partido de extrema-direita Vox, não é suficiente para a direita alcançar a maioria absoluta, aos 176 deputados eleitos.

Por outro lado, o PSOE, liderado pelo atual primeiro-ministro Pedro Sánchez, ficou em segundo lugar com 121 deputados eleitos, a que pode juntar também os 31 eleitos pelo Sumar. Com o apoio de vários partidos independentistas da Catalunha e do País Basco, porém, é possível que a esquerda chegue ao poder — e a chave de um governo do PSOE está agora nas mãos das negociações com figuras como Carles Puigdemont, que impôs como condição uma amnistia a todos os líderes independentistas acusados ou condenados na sequência dos processos de tentativa de independência dos últimos anos.

Com estas negociações a avançar, o líder do PP, Alberto Núñez Feijóo, está agora a tentar, por todas as vias, bloquear a possibilidade de uma amnistia. Segundo o El Español, o PP vai promover moções em todas as comunidades autónomas de Espanha e em todas as autarquias — e quer também mobilizar todos os presidentes das comunidades autónomas para comparecerem perante uma comissão no Senado para “opinarem sobre se em Espanha manda o Governo central e as comunidades autónomas ou manda alguém que está na oposição na Catalunha”.

Feijóo considera uma “anomalia democrática” que o atual primeiro-ministro, Pedro Sánchez, queria dar a Puigdemont as chaves para o desbloqueio da situação política em Espanha. “Os parceiros da União Europeia não conseguem entender que Espanha dependa de uma pessoa fugida da justiça espanhola”, disse Feijóo, citado pelo El Español, acrescentando que a negociação com os independentistas não está a ser feita “a favor dos cidadãos”, mas de uma “elite política”. No dia 24 de setembro, por seu turno, o PP vai organizar uma grande manifestação em Madrid.

Na comunidade autónoma de Madrid, liderada por Isabel Díaz Ayuso (PP), o plano de Feijóo já está em marcha. Segundo o El Mundo, uma moção para chumbar a amnistia aos líderes independentistas vai ser votada no dia 5 de outubro. “A partir desta tribuna, faço eco da proposta de Alberto Núñez Feijóo de apresentar no Senado, nos parlamento autonómicos, nas câmaras e nas delegações regionais uma moção para que todos os representantes políticos digam se estão com a igualdade perante a lei de todos os espanhóis, vivam onde vivam, e se estão contra o assalto dos nacionalistas à soberania nacional, o Estado de Direito, a verdade, a história e a separação de poderes”, disse Ayuso esta terça-feira.

Em declarações citadas pelo El Mundo, a líder madrilena acusou ainda Pedro Sánchez de “estar disposto não apenas a perdoar de forma ilegal quem nem sequer pediu perdão, mas também a engolir a mentir de que Espanha não é uma democracia liberal com todas as garantias”.

“Assim trabalha pelo bom nome de Espanha e das suas instituições no mundo?”, perguntou Ayuso, sublinhando ainda que não há “traição maior nem humilhação maior para todos os que cumprirem a lei” e que agora veem Sánchez trocar “votos por impunidade”.

As palavras mais duras vieram, porém, do antigo primeiro-ministro espanhol José María Aznar, que acusou o PSOE de estar num “ponto de não retorno rumo à destruição da Constituição”. “Há que dizer hoje de novo: basta!”

As palavras de Aznar foram mal recebidas pelo Governo de Pedro Sánchez. “É de absoluta gravidade que um ex-presidente do Doverno faça este tipo de declarações, que mais parecem comportamentos antidemocráticos e golpistas do que os de um ex-presidente”, lê-se numa declaração do governo espanhol, citada pelo El Mundo.

A porta-voz do governo, Isabel Rodríguez, também acusou Aznar de ter sido ele “a mentir aos espanhóis” durante a gestão dos ataques de 11 de março de 2004 (Aznar apontou as culpas à ETA, quando na verdade os atentados tinham sido levados a cabo por fundamentalistas islâmicos). “Quem fez isso tem pouca credibilidade as suas declarações não têm nenhum valor político, nem sequer moral.”

Mas o debate em torno da possibilidade de amnistiar os líderes independentistas não é apenas entre o PP e o PSOE. Também dentro do próprio PSOE tem havido críticas internas à negociação. Esta quarta-feira, o presidente da comunidade autónoma de Castilla-La Mancha, Emiliano García-Page, que é justamente do PSOE, lembrou que o partido se apresentou a eleições em julho com a ideia de que “a amnistia não cabia na Constituição”.

“Por isso, o que propusemos aos eleitores no dia 23 de julho foi que a amnistia não cabia na Constituição. Portanto, para mim isto terá de se explicar ou aclarar, se é que alguém quer mudar de foco ou de ideias”, disse ainda.