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Havia quem dissesse que só tinha um olho e quem garantisse que tinha perdido uma mão. Também havia quem jurasse que ficou preso a uma cadeira de rodas desde que um ataque israelita lhe tirou a perna. A verdade é que Mohammed Deif, líder militar do Hamas, autor do ataque de 7 de outubro, sobreviveu a pelo menos sete tentativas de assassinato israelitas, mas a 13 de julho as “sete vidas chegaram ao fim. E uma foto divulgada pelas IDF (sigla inglesa das Forças de Defesa de Israel) recentemente mostra que tinha perdido um olho.

Esta quinta-feira, Telavive divulgou que Deif foi morto num bombardeamento na Faixa de Gaza no mês passado. Até ao momento, o Hamas não confirmou a informação. “As FDI anunciam que a 13 de julho de 2024, caças atingiram a área de Khan Younis, após informações dos serviços secretos, e podem confirmar que Mohammed Deif foi eliminado no bombardeamento”, informou o exército israelita, depois de a 14 de julho ter presumido a sua morte, o que nunca foi confirmado pelo Hamas.

Sempre envolto em mistério e discreto, deu voz ao anúncio da operação do grupo islâmico do Hamas em Israel, a 7 de outubro. “À luz dos crimes contínuos contra o nosso povo, à luz da orgia da ocupação e da sua negação das leis e resoluções internacionais e à luz do apoio americano e ocidental, decidimos colocar um fim a tudo isto”, avisou, mais do que ameaçou.

[Já saiu o primeiro episódio de “Um rei na boca do Inferno”, o novo podcast Plus do Observador que conta a história de como os nazis tinham um plano para raptar em Portugal, em julho de 1940, o rei inglês que abdicou do trono por amor.]

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Na madrugada de 7 de outubro, enquanto esta mensagem tomava conta das rádios nacionais, já centenas de militares do Hamas se moviam para a fronteira da Faixa de Gaza e se preparavam para lançar mísseis para o território de Israel: as explosões que se seguiram serviam para comprovar ao “inimigo” que precisa de “compreender que não pode continuar a divertir-se sem ser responsabilizado”.

Deif, 58 anos, raramente falou ou apareceu em público. Por isso, quando o canal de televisão do Hamas anunciou que iria falar no dia do ataque, os palestinianos em Gaza souberam que algo de significativo se passava. Nos meses que se seguiram ao 7 de outubro, Deif terá dirigido operações militares a partir dos túneis e das ruas secundárias de Gaza, ao lado de colegas mais antigos.

Considerado o maior ataque terrorista da história em Israel, o número de mortes ronda os 1.200. Mas quem é o homem que esteve na sua origem e que acabou a ser eliminado num ataque israelita nove meses depois?

Mohammed Deif, cujo nome de guerra significa “O Convidado” — por se esconder constantemente em novos abrigos e casas em Gaza para despistar os alvos que lhe eram apontados — nasceu em 1965, no campo de refugiados Khan Younis, em Gaza. Ainda que a família tivesse várias dificuldades, conseguiu ir para a faculdade, na Universidade Islâmica de Gaza, tendo-se alegadamente formado em Biologia.

Ainda antes de ajudar a fundar o grupo Hamas, em 1987, juntou-se à Irmandade Muçulmana, particularmente ao seu braço armado. Tal fez com que fosse detido e sentenciado a 16 meses de prisão.

No início da sua vida no Hamas, ele estava focado nos rastos militares. Era muito gentil e estava sempre a fazer desenhos para nos fazer rir”, lembrou Ghazi Hamad, membro do grupo islâmico, citado pelo Financial Times.

Em 1996, os serviços secretos israelitas assassinaram o seu mentor: Yahya Ayyash, mais conhecido como “O Engenheiro”, visto ser perito em fabricar explosivos usados em atentados suicidas: atendeu a chamada de um telemóvel que tinha sido armado com uma bomba.

O desejo de vingança apoderou-se de Deif e acabou por organizar vários “ataques sangrentos” que provocaram “dezenas de mortos nas ruas israelitas”. Tal fez com que ficasse bem visto nas Brigadas Al Qassam, o braço armado do Hamas tendo, em 2002, após o assassinato do antigo líder, Saleh Shehada, sido nomeado chefe militar este ramo militar.

A partir daí, e mesmo após ter sido alvo de vários ataques israelitas — tendo um resultado na morte da mulher e de um filho de sete meses —, ajudou o Hamas a organizar diversos conflitos violentos pela independência da Palestina. Quatro levaram mesmo a guerras: em 2009, em 2011, em 2014 e em 2021.

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Várias pessoas de luto pela morte do filho e da mulher de Deif, em 2014

É-lhe atribuído o fabrico de rockets Qassam, a criação de uma infraestrutura de túneis e a  aproximação com o Irão, que permitiu um forte aumento do fornecimento de armas.

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A aposta nos sequestros é também um traço do braço armado do Hamas liderado por Deif – e foi uma das táticas usadas a 7 de outubro. O Hamas raptou milhares de israelitas na tentativa de serem usados como moeda de troca para reaver os palestinianos presos por Israel. Em 2011, o grupo terrorista trocou o soldado israelita Gilad Shalit por mais de mil palestinianos, presos há mais de cinco anos.

“O Hamas percebe muito bem que, no que diz respeito aos prisioneiros israelitas, a paciência é a chave. Com o tempo, o público criará uma pressão sob o governo. Tudo o que o Hamas precisa de fazer é esperar”, disse um diplomata, que ajudou a negociar a libertação do soldado, citado pelo jornal norte-americano. Já Deif seguia outro lema: “Tudo o que Alá decidir, acontecerá”.