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“A minha filha nunca foi uma criança mazhor. Teve uma vida muito complicada, uma educação complicada”. A frase foi proferida por Dmitry Peskov, o porta-voz do Kremlin que, desde o início da invasão russa da Ucrânia, tem sido um dos rostos da narrativa russa sobre o conflito. Mazhor é uma expressão russa que denota um estilo de vida decadente e esbanjador, comumente associado aos filhos da elite política e financeira de Moscovo. Uma descrição que, a crer em Peskov, não se aplica à sua filha, Elizaveta Peskova – mas que é contestada por opositores.
Numa entrevista à televisão russa, o responsável descreveu as “condições espartanas” da vida da filha, elogiando Elizaveta como alguém que subiu a pulso na carreira. “Uma coisa é seres um mazhor e viveres bem, quando não tens nada a que aspirar, mas outra coisa é quando todos os dias precisas de superar problemas: onde alugar uma casa um pouco mais barata, como economizar dinheiro para poder comprar umas jeans novas no final do mês”, exemplificou.
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O retrato pintado por Peskov chama a atenção, por dois motivos: o primeiro é o facto de Elizaveta morar no coração de Paris, num apartamento milionário, e se mostrar nas redes sociais quase sempre no meio de festas e acomodações luxuosas – as mesmas que a Rússia utiliza frequentemente nas suas descrições de um Ocidente decadente e em declínio. A segunda é o facto de estas incongruências se refletirem em críticas e questões ao próprio Peskov, cuja riqueza e património têm vindo a ser postas em causa pela oposição russa ao regime.
Elizaveta mudou-se para Paris na juventude com a mãe, Ekaterina Solotsinskaya, depois do divórcio dos pais, tendo vivido na capital francesa durante vários anos antes de regressar à Rússia. De acordo com o The Times, os registos da jovem mostram que estudou num prestigiado colégio interno francês, formando-se em relações internacionais e trabalhando depois na equipa de um eurodeputado de extrema-direita no Parlamento Europeu.
As imagens que vai publicando nas suas páginas nas redes sociais não enganam. Frequentemente, Elizaveta é vista a frequentar restaurantes e lojas de luxo, a passear em locais de férias dispendiosos e a viajar em jatos privados – um estilo de vida de glamour que não passa despercebido aos seus mais de 200 mil seguidores no Instagram.
Quem também reparou foi Lyubov Sobol, um crítico do Kremlin e associado de Alexei Navalny, o conhecido líder da oposição detido há já vários anos. Na resposta à entrevista de Peskov, Sobol partilhou uma imagem de Elizaveta num jato privado, que usou para ridicularizar as declarações do responsável russo. “Condições espartanas, de acordo com o mentiroso compulsivo Peskov”.
As incongruências quanto à riqueza da família Peskov não são recentes e, aliás, já vêm sendo questionadas há algum tempo. Em 2016, aquando de um relatório que deu conta de que Peskov tinha declarado um rendimento três vezes superior ao do próprio Vladimir Putin (ele próprio também alvo frequente de rumores quanto à sua alegada fortuna secreta), o porta-voz justificou-se com uma tragédia familiar. “Ganho o meu salário – e infelizmente recebi uma herança por causa da morte do meu pai”, disse, em resposta a questões sobre os 36,7 milhões de rublos (cerca de 645 mil euros na moeda atual), que teria ganho em 2015.
Certo é que Peskov não se coíbe de ostentar a sua riqueza – no seu casamento, por exemplo, foi fotografado a usar um relógio de 750 mil euros. As questões quanto à legalidade da riqueza dos oligarcas e políticos russos têm sido uma das principais críticas apontadas ao Kremlin por opositores externos. Face à polémica, o regime tem optado por aumentar o secretismo: este ano, justificando-se com a necessidade de manter o sigilo em tempos de guerra, o Presidente russo assinou uma lei isentando os titulares de cargos políticos de revelar detalhes sobre os seus rendimentos e património.
Elizaveta também tem enfrentado escrutínio sobre a origem do dinheiro que sustenta o seu estilo de vida. Em 2016, então com 18 anos, a própria revelou ter comprado um apartamento de luxo na Praça Victor Hugo, no centro de Paris. Uma investigação da fundação anti-corrupção estabelecida por Navalny descobriu que a morada, avaliada em cerca de 1,8 milhões de euros, foi comprada pela Sirius, uma empresa sediada em França na qual Elizaveta detém uma participação de 25%. Os outros 75% são propriedade da sua mãe.
Face a este cenário, e num contexto das sanções do Ocidente contra a Rússia, Elizaveta, o irmão e a madrasta foram algumas das muitas personalidades russas sancionadas, com representantes de Washington a dizerem que a jovem vive “um estilo de vida luxuosa, que é incongruente com o salário público de Peskov”. Alheia às “dificuldades espartanas”, Peskova recorreu às redes sociais para dizer, já este ano, que continuava “a trabalhar e a ganhar bastante”, fruto dos vários projetos em que estará envolvida.
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