O senhor Vilamoura ou o senhor Quinta do Lago ou ainda o senhor Belas Clube de Campo. O nome de André Jordan ficará para sempre ligado a estes projetos e ao turismo, mas viveu sem ilusões: “Se for lembrado já é uma grande coisa. Tirando os grandes artistas e escritores, as pessoas são esquecidas muito rapidamente”. Morreu o empresário que dedicou a vida ao imobiliário e turismo, avançou o Nascer do Sol. André Jordan tinha 90 anos.

André Jordan nasceu polaco na cidade de Lviv que é hoje ucraniana. Na fuga à guerra e à perseguição aos judeus saiu em 1939 do país onde nasceu. Tinha seis anos. Passou por Portugal e rumou ao Brasil, porque o pai fora convencido que o Brasil era o país do futuro.

É no Rio de Janeiro que o grupo, hoje denominado André Jordan, tem as suas origens. A família estava ligada ao petróleo e passou para o imobiliário e turismo. André Jordan não assentou arraiais. Foi viver para os Estados Unidos — na era do New Deal, de Franklin Roosevelt, “dos valores sociais-democráticos, da economia da livre empresa, mas da regulamentação — regressou ao Brasil, passou pela Argentina. Trabalhou em nove países, viveu em “cinco ou seis” na primeira metade da sua vida.

Nos anos 1960 André Jordan ruma a Portugal e aqui se torna português, de papel e de coração. “Tenho oito netos nascidos em Portugal e dois dos quatro filhos também”, comentou ao Público em 2018, para explicar que “a segunda metade da minha vida está aqui [em Portugal] e é aqui que eu vou ficar”. Foi em Portugal que concretizou a ideia de fazer crescer a Quinta do Lago, no Algarve. Comprou uns terrenos a Pinto de Magalhães, o banqueiro do Porto que está também na origem da Sonae, e sonhou.

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“Foi um dia que nunca vou esquecer”, relembrou Jordan, recordado no site do empreendimento, tendo explicado a ideia: “Sentei-me na colina, olhei por entre os pântanos e tive uma visão do que viria a ser o plano principal da Quinta do Lago. (…) Em 10 minutos, tive o conceito de todo o projeto em mente. Eu queria criar um resort de alta qualidade que refletisse o estilo e o caráter local.” Mas ao Expresso, em 2017, garantiu: “Não era para ser um lugar de ostentação”, ocasião em que desabafou: “a Quinta do Lago, hoje, está muito longe da sua origem”, mas, acrescentou, “hoje é o número um no mundo. Há espaços e lugares mais luxuosos, mas não há nada que tenha o prestígio da Quinta do Lago”.

A Quinta do Lago, em 1975, foi intervencionada. André Jordan saiu depois do 25 de abril de Portugal, mas voltou para acabar a fazer amizades com os dois lados. Anos depois a Quinta do Lago foi-lhe devolvida.

Sonhou, criou e vendeu a Quinta do Lago nos finais dos anos 1980. Para avançar perto de Lisboa com o projeto Belas Clube de Campo que em 2019 alienou, em parte, ao fundo Oaktree, para desenvolvê-lo.

Mas foi ao Algarve que voltou uma e outra vez como empresário. Em 1995 a compra da Lusotor levou-o a Vilamoura, desenvolvendo o projeto Vilamoura XXI. Mudou este destino do Algarve. E é aí que a Avenida Praia da Falésia passou a designar-se Avenida Comendador André Jordan. O empresário já não foi — por questões de saúde — à cerimónia em Vilamoura que o homenageou em 2023. Foi o filho Constantino que agradeceu a homenagem: “Ele sempre trabalhou com todo o seu coração e não parava enquanto não fazia o melhor que podia. Estamos todos aqui como testemunho desse trabalho, dessa paixão”.

O presidente da Câmara de Loulé, Vítor Aleixo, falou, na ocasião de André Jordan, como “um homem de exceção, um empresário com qualidades invulgares que soube sempre levar para a sua atividade o bom gosto, a arte, o equilíbrio, a elegância e sobretudo o respeito e a sensibilidade na relação entre a economia e o ambiente”.

Considerou, também ao Expresso, que reabilitar Vilamoura e fazer o Vilamoura XXI foi, profissionalmente, “um desafio até maior do que a Quinta do Lago, que era um terreno virgem, uma tela em branco. Em Vilamoura já existia muita coisa que era preciso respeitar”.

Mas acabou a viver em Belas. No seu Clube de Campo. Já depois de Jorge Jardim Gonçalves ter saído do BCP, nunca renegou a sua amizade com o banqueiro. “O engenheiro Jardim Gonçalves é a quem eu devo a minha carreira em Portugal. Acreditou sempre em mim e apoiou-me sempre”, declarou, em 2017, garantindo: “Somos amigos pessoais desde que nos conhecemos, estava ele a começar a sua carreira bancária. Mas tenho amigos também fora do mundo dos negócios”.

A amizade, disse-o, era o seu “maior luxo. A coisa mais importante da minha vida são as amizades”, disse-o enquanto dizia que a sua vida era um luxo. “Vivo com conforto, com qualidade”. Boémio, galã. Não se furtava a estas características. Casou quatro vezes. Tem quatro filhos (Gilberto Jordan está à frente dos negócios em Portugal). É ainda pai do turismo em Portugal. “Aceito também esse título na medida em que as pessoas mo atribuem. E fico muito honrado com ele”, declarou ao Expresso. Marcelo Rebelo de Sousa condecorou André Jordam em 2023, atribuindo-lhe a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Comercial.

Pai do turismo, senhor Vilamoura. Viveu boa parte da sua vida em Portugal, mas nunca perdeu o sotaque, nem a acutilância. Foi dizendo o que pensava do país. E escreveu a sua história.

Na sinopse da obra com a sua vida, com a chancela da Almedina, fala na “travessia de situações e desafios interessantes, em relacionamento intenso com seres com quem vou compartilhando os espaços para onde a vida me leva, encarando as missões que vão surgindo e os obstáculos que vão aparecendo”. Ao Observador (num conteúdo patrocinado pela Almedina) assumiu que “tive oportunidade de viver muitas coisas em muitas áreas e nesse sentido sou um privilegiado. Noutro sentido, sempre acho que podia ter sido mais e melhor, gostaria de jogar bem futebol o que não aconteceu, por exemplo. Gostava muito de cantar e dançar, era um prazer enorme que tinha. Dançava tudo o que se dançava na minha época. Aprendi uma coisa fantástica que é Samba no pé, que não é fácil, mas estive muito ligado às escolas de samba e aprendi. Ficam por cumprir muitos sonhos, ambições e desejos, mas não tenho nenhuma queixa da vida. Apesar de ter tido momentos difíceis, como todos têm, tive uma vida muito rica. As oportunidades que tive e as amizades que fiz, os namoros que consegui na vida, tudo isso foi sempre uma surpresa para mim. Sempre me pareceu um grande privilégio e sorte”.

«Não tenho muitas ilusões sobre ser lembrado. Mas tenho uma obra feita»

O relato “verdadeiro” é, assumiu, “incompleto”. “Espero que gostem. E se não gostarem, não digam”. Fecha-se agora o livro. Ao Público, em 2018, garantiu que tinha já um jazigo comprado no cemitério de São Lourenço, em Almancil. “É junto a uma igreja pequenina mas lindíssima, uma jóia de azulejos maravilhosos. É aqui que eu vou ficar”.