Casa cheia, muito cheia para acolher o regresso de Durão Barroso ao combate político interno. No Europarque de Santa Maria da Feira, com cerca de duas mil pessoas (sentadas e em pé), o antigo primeiro-ministro e ex-comissário europeu, apareceu disposto a ajustar contas com o passado, a defender o legado do partido e fazer (mais um) apelo ao voto útil à direita.
Recordando o período de intervenção da troika em Portugal, Barroso recusou leituras criativas da história do país. “É preciso lembrar porque é que fomos para aí [troika]. Portugal estava numa situação de bancarrota. Quem pôs Portugal na situação de bancarrota foi o governo do PS”.
“É preciso lembrar como fomos para lá e como saímos. Quem pôs Portugal na situação de bancarrota foi o Governo do PS, depois houve um programa de ajustamento dificílimo, e o governo de José Sócrates foi substituído pelo de Pedro Passos Coelho”. O social-democrata lembrou depois que, ao contrário do que aconteceu na Grécia, por exemplo, Portugal conseguiu cumprir o programa de ajustamento no período de tempo previsto.
“Houve coragem de enfrentar um problema que não foi criado pelo PSD mas foi o PSD com o CDS que conseguiu resolver. Não temos de pedir desculpa por esse período. Temos de ter orgulho pelo que fizemos com sentido patriótico para salvar Portugal”, afirmou o antigo primeiro-ministro.
“Não chega um voto de protesto”
A seguir, Durão Barroso tentou agarrar o eleitorado mais à direita, pegando numa polémica mais antiga — a questão dos símbolos nacionais — e outra mais recente — as declarações de Eduardo Oliveira e Sousa sobre as alterações climáticas –, para defender que o PSD não aceita lições de moral dos partidos mais à esquerda.
“Diziam eles que o logótipo, as nossas antigas armas, não eram suficientemente inclusivas, que há uma parte das pessoas que não se identificam com elas. Mas se esses portugueses não se identificam com o nosso brasão de armas, então, para mim, não são verdadeiros portugueses, nós não temos símbolos mais inclusivos do que esses”, defendeu Durão Barroso.
Sobre a polémica com Eduardo Oliveira e Sousa, o antigo comissão europeu atirou contra a superioridade moral de alguns. “Não vão ser alguns meninos e meninas da cidade que nunca viram uma vaca ou um bezerro que nos que vão dizer como se deve ligar à natureza. Todas as políticas, mesmo as mais justas, necessitam de ter equilíbrio, e temos de evitar as posições extremistas, sejam elas de extrema-esquerda ou extrema-direita.”
A terminar, Durão Barroso tentou fazer duas coisas: dramatizar com a possibilidade de Pedro Nuno Santos vencer as eleições — “seria o governo mais à esquerda desde o período revolucionário” — e forçar o apelo ao voto útil à direita. “Temos de respeitar para as pessoas que deixaram de acreditar nos partidos ou que foram para os extremismos. O problema não são as pessoas. A solução é ver o que está errado e construir uma alternativa”, sublinha Durão Barroso, num apelo ao voto útil.
Ouça aqui a reportagem da Rádio Observador no comício da AD em Santa Maria da Feira
“Luís Montenegro é alguém que não tem vergonha do nosso passado. Aprecio imenso a sua simplicidade e estabilidade. Estamos fartos de políticos egocêntricos, com narcisismo patológico. Dá garantias de maturidade e responsabilidade. A prudência e A moderação são qualidades essenciais para ser o primeiro-ministro de que Portugal precisa”, defendeu.
“É com moderação que se consegue criar confiança. Por um voto se ganha, por um voto se perde. Vale a pena ir para um voto de protesto? Não chega um voto de protesto. É preciso para além do protesto criar alternativa. Ou um governo liderado pelo PS ou um governo da AD. É isto que está em causa. A única força política capaz de criar alternativa ao PS é a AD. Como é que se sentiriam aqueles que não querem ver mais a governação socialistas se acordassem a 11 de março e percebessem que eles se mantinham mais algum tempo? É por isso que é importante concentrar os votos”, apela Barroso.
Montenegro centra discurso na estabilidade; Melo comete gafe
A seguir, no discurso mais longo que já fez nesta campanha, Luís Montenegro tentou centrar a sua mensagem na ideia de que só a Aliança Democrática representa a estabilidade. “O PS trouxe-nos até aqui. Experimentou as suas soluções, absolutamente ineficazes e até contraditórias. Apresenta-se agora para dizer que vai fazer o que não conseguiu fazer até agora. O PS não foi capaz de dar esse safanão na economia portuguesa. E o que propõe agora é crescer entre 1,5 a 2%. O PS está a ser sério, está a dizer: ‘Eu, PS, com as minhas políticas, não consigo crescer mais do que isso’. Nós achamos que Portugal não tem de ser isto”, repetiu Montenegro.
“A estabilidade é um ponto essencial para motivar e arrastar um país para poder ter um país com boas políticas públicas. No dia 10, espero e peço aos portugueses que façam a sua avaliação: de que lado está a estabilidade”, apontou. “Não pode um governo pedir estabilidade se ele próprio não for estável. Nós temos a estabilidade destes três partidos, do nosso legado, que nos é trazida por muita gente dinâmica. E, do outro lado, temos o maior exercício de instabilidade da história da democracia portuguesa. É o cúmulo da instabilidade política. E Pedro Nuno Santos é um dos rostos da instabilidade porque foi ele um dos demitidos.”
Numa crítica implícita a Pedro Nuno Santos, Montenegro reiterou que só governará se ficar em segundo lugar. “É que é precisamente o princípio da decisão. Eu quero respeitar a vossa decisão. Eu quero a legitimidade da vossa vontade. Eu não vim para fazer arranjos partidários. Eu não vim para vacilar nos princípios e nos valores em que sempre acreditei”.
A noite acabou por ficar marcada por uma gafe de Nuno Melo. Enquanto discursava, o líder do CDS enganou-se e apelou ao voto em Pedro Nuno Santos. “Nós merecemos uma grande vitória, uma vitória robusta que permita a Pedro Nuno Santos ser primeiro-ministro sem depender muito dos outros”, afirmou o democrata-cristão. Perante o evidente engano de Melo quem assistia ao discurso reagiu de imediato e foi gritando ‘Pedro Nuno não’. “Eu disse isso?! Enganei-me. Deus me livre, cruzes canhoto”, corrigiu Melo.
Curiosamente, no mesmo discurso, Melo disse que daqui a dois anos a AD prestaria contas pela governação — depois, lá corrigiu para quatro, o tempo normal de uma legislatura. A menos que o líder do CDS esteja a contar com os tais mini-ciclos governativos para que vai alertando Marcelo Rebelo de Sousa.