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O Papa Francisco foi este domingo fortemente criticado pelas autoridades ucranianas depois de, um dia antes, ter sugerido numa entrevista que a Ucrânia deveria ter a “coragem” de “levantar a bandeira branca” e negociar um desfecho pacífico para a guerra com a Rússia, que se arrasta desde fevereiro de 2022.
As palavras do Papa Francisco foram ditas em entrevista à RSI, televisão pública da Suíça, e tiveram impacto internacional. O chefe da Igreja Católica foi citado como tendo apelado à “coragem de levantar a bandeira branca e negociar”.
A reação mais forte veio da embaixada da Ucrânia junto da Santa Sé, que emitiu um comunicado pelas redes sociais a repudiar as palavras do Papa. “Ninguém falou de negociações de paz com Hitler”, disse a representação diplomática, sustentando que é necessário “aprender as lições da Segunda Guerra Mundial”, designadamente a de que para “acabar com a guerra” é preciso “matar o Dragão”.
Ucrânia critica Papa Francisco por sugerir negociação com Rússia
A controvérsia à volta das palavras do Papa Francisco obrigou mesmo o Vaticano a tentar, de imediato, clarificar o sentido da declaração do líder católico.
Citado pelo The New York Times, o porta-voz da Santa Sé, Matteo Bruni, sublinhou que o Papa Francisco pretendia defender apenas “um cessar-fogo e uma negociação”, e não uma desistência por parte da Ucrânia.
O que disse, afinal, o Papa?
O Papa Francisco falou em entrevista ao programa “Cliché”, um magazine cultural transmitido pela televisão suíça RSI. A estação publicou na sua página a transcrição integral da entrevista ao Papa.
As palavras polémicas surgem logo na primeira pergunta. E, na verdade, é o entrevistador que usa pela primeira vez a expressão “bandeira branca”, na sua pergunta.
O jornalista começa por mencionar que existe, na Ucrânia, quem peça a coragem de levantar a bandeira branca e também quem pense que isso vai legitimar o mais forte — e pergunta ao Papa o que lhe parece.
Francisco responde que essa é uma interpretação possível e sublinha que quem tem a coragem de negociar é mais forte. Não deve, diz o Papa, haver vergonha de parar de lutar e passar à negociação.
O Observador transcreve na íntegra as duas perguntas que estão no centro da polémica:
Na Ucrânia, há aqueles que pedem a coragem da rendição, da bandeira branca. Mas outros dizem que isto vai legitimar o mais forte. O que é que pensa?
É uma interpretação. Mas penso que é mais forte quem vê a situação, quem pensa no povo, quem tem a coragem da bandeira branca, da negociação. E hoje pode negociar-se com a ajuda das potências internacionais. A palavra ‘negociar’ é uma palavra corajosa. Quando se vê que se está derrotado, que as coisas não vão bem, é necessário ter a coragem de negociar. Há vergonha, mas com quantas mortes é que isto vai acabar? Negociar a tempo, procurar algum país que atue como mediador. Hoje, por exemplo, na guerra na Ucrânia, há muitos que querem atuar como mediadores. A Turquia ofereceu-se para isso. E outros. Não tenham vergonha de negociar antes que as coisas piorem.
O senhor também se ofereceu para negociar?
Eu estou aqui, ponto. Enviei uma carta aos judeus de Israel, para refletir sobre esta situação. A negociação nunca é uma rendição. É a coragem de não levar o país ao suicídio. Os ucranianos, com a história que têm, pobres, os ucranianos do tempo de Estaline, o quanto sofreram…
Papa já foi criticado por ambiguidade sobre guerra
Não é a primeira vez que o Papa Francisco é criticado pelos seus posicionamentos relativamente à guerra na Ucrânia.
Nas primeiras semanas da guerra, ainda em 2022, o chefe da Igreja Católica optou por manter um discurso ambíguo sobre o assunto. Só seis meses depois da invasão do território ucraniano pela Rússia é que Francisco, pela primeira vez, endureceu o discurso e classificou a Rússia como agressora no conflito.
Durante esses primeiros meses, o Papa Francisco foi duramente criticado pela Ucrânia por recusar condenar diretamente a Rússia, o que causou alguns danos na popularidade do chefe da Igreja.
Especialistas em diplomacia eclesiástica viram nesta atitude um esforço, da parte do Papa, de não cortar vias de comunicação com Moscovo, para assegurar a possibilidade de o Vaticano atuar como intermediário em eventuais negociações de paz.
Numa entrevista ao Observador logo em março de 2022, o analista Victor Gaetan, especialista na atividade diplomática do Vaticano, explicava que os passos dados pela Santa Sé indicavam que haveria esforços de bastidores nesse sentido.
Um dos sinais mais fortes foi o facto de, um dia depois de a Rússia ter invadido a Ucrânia, o Papa ter saído do Vaticano e ido pessoalmente à embaixada da Rússia para “expressar a sua preocupação” ao embaixador — algo inédito. No dia seguinte, pegou no telefone e ligou a Volodymyr Zelensky.