O mar estava relativamente tranquilo, mas o naufrágio de uma embarcação de pesca lúdica, este domingo, na zona de Tróia, aconteceu numa zona “mais instável”, refere ao Observador o capitão do Porto de Setúbal. Apesar de as regras imporem o uso de colete salva-vidas para todos os tripulantes de uma embarcação de pesca lúdica, apenas uma das pessoas que seguia a bordo do “Lingrinhas”, uma criança de 13 anos e cujo corpo foi encontrado horas após o naufrágio, teria o equipamento vestido. Sistema de alerta automático também é “desejável”, mas muitas embarcações evitam esse custo.

Esta segunda-feira, foram retomadas em Tróia as buscas pelos dois passageiros que seguiam a bordo da embarcação que naufragou na manhã de domingo devido a um golpe de mar. “Nada mais foi detetado”, confirmou ao Observador o comandante do Porto de Setúbal e comandante-local da Polícia Marítima, Marco Serrano Augusto, explicando que nada impedia a embarcação de circular no local do acidente e que o tempo não fazia prever tal desfecho. O grupo tinha saído ainda de madrugada para um dia de pesca de polvo, uma atividade habitual naquela zona, em que costumam concentrar-se várias embarcações de pesca lúdica.

As buscas foram retomadas ao início da manhã de segunda-feira e por volta das 7h30 estavam novamente a operar o navio-patrulha Viana do Castelo e uma embarcação salva-vidas de Sesimbra, com o apoio de drones da Autoridade Marítima Nacional. Durante a tarde, o dispositivo de buscas ainda foi reforçado com uma mota de água e um drone da Marinha e a intenção é manter dispositivo inicial até às 20h30. Caso não surjam novas informações entretanto, o objetivo é aumentar a área de buscas até Comporta e 8 milhas náuticas (cerca de 14,8 Km) de costa, indicou também ao Observador a Autoridade Marítima Nacional.

Troia. Um barco de pesca naufragou, uma criança e um homem morreram e dois estão ainda desaparecidos

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Local do naufrágio é “instável e mais suscetível de haver mais ondulação”

A bordo do “Lingrinhas” seguiam cinco pessoas — uma criança de 13 anos, o seu pai, de 45 anos, dois irmãos de 21 e de 33 anos e outro homem de 62 anos, que conduzia a embarcação. As autoridades revelaram ainda no domingo que o corpo do menor foi localizado por uma das lanchas da Polícia Marítima e que foi um helicóptero da Força Aérea a localizar o corpo de um dos jovens. Ambos foram levados para o Instituto de Medicina Legal de Setúbal e identificados esta segunda-feira pelos familiares. O único sobrevivente é, para já, o timoneiro.

Às autoridades, o homem revelou que tinham saído naquela manhã de domingo para fazer pesca lúdica, mas que nunca chegaram ao destino. As condições do mar começaram a piorar e a decisão foi de regressar ao porto, altura em que os tripulantes foram surpreendidos por um golpe de mar. Nada os impedia de circular naquele lugar, apesar de estarem estabelecidas na lei algumas restrições a esta atividade, explicou o Capitão do Porto de Setúbal. “É uma área normal para exercício, para trânsito, para atividade de pesca. É uma área com bom tempo, em que se pode navegar com segurança”, refere Marco Serrano Augusto, acrescentando que é bastante comum a presença de embarcações no local.

Quais as restrições à pesca lúdica na área de Setúbal?

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Existem vários tipos de pesca lúdica: de forma apeada (a que se exerce a partir de terra firme), de embarcação (a que se exerce a bordo de uma embarcação registada no recreio ou na atividade marítimo-turística) ou submarina. No espaço de jurisdição da Capitania do Porto de Setúbal (CPS) são impostas, por motivos de segurança, algumas restrições a todas estas. No caso concreto da pesca lúdica a partir de embarcação, é proibida nos seguintes locais:

  • Nos fundeadouros e zonas de amarrações sazonais de embarcações de recreio (no período em que estiverem estabelecidos);
  • Na via de acesso à entrada da barra e num raio de meia milha, nas águas oceânicas, centrada na baliza n.º 2 da Barra do Porto de Setúbal;
  • Nos canais de navegação ao Porto de Setúbal e de Sesimbra, bem como nos corredores de tráfego marítimo dos transportes fluviais, constituído por um canal com 300 metros de largura, sendo o respetivo eixo a linha que une o terminal sul junto à Marina de Troia, na ponta do Adoxe e o centro da Doca do Comércio (Fontainhas);
  • No interior das docas e marinas de recreio;
  • A menos de 100 metros do acesso a embarcadouros, docas e marinas, bem como de áreas delimitadas de estaleiros de construção naval e estabelecimentos de aquicultura;
  • A menos de 100 metros dos pontões de atracação, das rampas de varagem, das unidades militares, dos navios fundeados;
  • A menos de 300 metros de cais acostáveis;
  • No período noturno entre o pôr e o nascer do sol;
  • Onde ocorram operações de dragagem;
  • Durante o período em que ocorram operações de scooping;
  • Nas praias concessionadas, durante a época balnear, a menos de 300 metros da costa e nas áreas reservadas a banhistas;
  • A menos de 50 metros da margem.

Foi com uma manhã marcada por bom tempo e sem qualquer aviso de perigo pontual ou restrições da parte das autoridades que o grupo se fez ao mar no domingo. A própria Capitania do Porto de Setúbal confirmou este cenário depois de ter sido alertada para o acidente. “Quando chegámos, por volta das 10h45, o mar já estava minimamente tranquilo”, diz o capitão Serrano Augusto. O principal problema, explica, é que se trata de “uma zona de baixo e o mar ali tem alguma tendência a crescer em altura”. “Isso torna aquele lugar mais instável e mais suscetível de haver mais ondulação”, aponta.

Das cinco pessoas a bordo, só uma usava colete (que é obrigatório)

O capitão alerta que no mar podem sempre estar à espreita imprevistos, como o golpe de mar que acabou por virar a embarcação. Há, por isso, vários cuidados a ter em conta quando se faz pesca lúdica, desde já o facto de ser aconselhada a utilização de colete salva-vidas. Sabe-se, pelo relato do timoneiro às autoridades, que a apenas a criança que seguia a bordo da embarcação, e cujo corpo foi localizado por uma das lanchas da Polícia Marítima no domingo, usava um colete.

A Autoridade Marítima Nacional tem avisado sobre a obrigatoriedade do colete durante a pesca lúdica para garantir a segurança dos passageiros. “A obrigatoriedade do uso do colete de salvação encontra-se disposta no n.º 4, do artigo 70.º do Regulamento dos Meios de Salvação, publicado em anexo ao Decreto-Lei n.º 191/98, de 10 de julho, na sua atual redação, conjugado com o estabelecido no artigo 2.º da Portaria n.º 64/2011, de 03 de fevereiro para as embarcações de pesca comercial e no n.º 3, do art.º 4.º da Portaria n.º 14/2014, de 23 de janeiro para a atividade de pesca lúdica embarcada”, referia, por exemplo, em 2017, na sequência de atividades de vigilância e fiscalização.

Sempre que uma embarcação esteja a exercer a atividade de pesca lúdica, em águas oceânicas, interiores marítimas ou interiores não marítimas sob jurisdição da autoridade marítima, todos os tripulantes estão obrigados a envergar colete de salvação ou auxiliar de flutuação individual“, sublinha também a Direção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM) num documento de perguntas e respostas sobre a pesca lúdica, citando o artigo 4.º da Portaria n.º 14/2014 de 23 de janeiro.

Usar colete salva-vidas não é suficiente e, em caso de acidente, importa ter um sistema de alerta automático. “É desejável, até porque no caso de incidente pode não ser possível lançar o alerta via telefone, [rádio] VHF ou algum meio de sinalização como um facho”, refere ainda o comandante-local da Polícia Marítima. Revelando que o “Lingrinhas” não possuía um destes sistemas, o capitão Serrano Augusto admite que haverá muitas outras embarcações que não os usam devido aos custos. E há vários outros associados à prática da pesca lúdica, desde logo a exigência de uma licença.

O documento, que pode ser obtido através de qualquer caixa Multibanco, nos serviços da DGRM ou nas Direções Regionais de Agricultura e Pescas, é obrigatório e pode custar entre 2€ e 70€. Os valores estão tabelados e dependem do tipo de pesca e se a licença é diária, mensal ou anual. A única exceção são os menores de 16 anos que, quando acompanhados por um titular de licença de pesca lúdica, não necessitam deste documento. Além disso, as embarcações têm de estar obrigatoriamente registadas no recreio ou na atividade marítimo-turística. Caso contrário está em causa uma contra-ordenação punível com coima de 200 a 2000 ou de 500 a 20000 euros.