“Os turcos não são conhecidos por serem os mais trabalhadores do mundo”. A frase de André Ventura, quando falava do aeroporto de Istambul feito em cinco anos, levantou o Parlamento. Mas Aguiar Branco, presidente da Assembleia da República, permitiu, argumentando que não será censor de qualquer deputado e que a liberdade de expressão permite a latitude de declarações. O assunto vai chegar à conferência de líderes.

Se “determinada bancada disser que determina raça ou etnia é mais preguiçosa ou burra ou menos digna também pode? É uma pergunta”, confrontou Alexandra Leitão, líder parlamentar socialista. “No meu entender pode. A liberdade expressão está constitucionalmente consagrada, não é uma liberdade sob ponderação do juízo de uma qualquer pessoa faça em relação àquilo que no discurso político é dito. Não haverá condicionamento na liberdade expressão. A avaliação do discurso político que seja feito nessa casa será feito pelo povo em eleições se se revê nas suas posições”, respondeu Aguiar Branco.

O Bloco de Esquerda começou por pedir desculpas ao embaixador da Turquia, dizendo que “atribuir características a um povo ou estereótipos a um povo não deve ter espaço na Assembleia da República. O povo turco merece igual respeito e dignidade”, e, por isso, pediu “desculpa ao embaixador da Turquia. Os turcos como qualquer cidadão do mundo merecem igual dignidade”. Também o Livre se levantou para contestar as palavras de Ventura, dizendo que racismo é crime.

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Mas a todos, Aguiar Branco respondeu que “o debate democrático é poder exprimir-se. Na opinião do presidente deve ser assegurada a livre expressão de todos os senhores deputados. É esse o sentido. Não tem a ver com aquilo que eu penso, não serei censor dos senhores deputados”.

Ainda houve novas tentativas de manter o assunto, mas o presidente da Assembleia atalhou: “Não vale a pena continuar com este debate, é a interpretação do presidente da Assembleia da República. E, senhores deputados, se houver alguém que acha que deve ser feita censura à intervenção, recorre da decisão do presidente e o plenário é que fará a censura, não serei eu. Não serei eu nunca a cercear a liberdade de expressão de um deputado”.

Mas o tema acabou mesmo por voltar, com Alexandra Leitão a anunciar que vai levar a decisão de Aguiar Branco à conferência de líderes, dizendo que está no regulamento a faculdade e dever do presidente “advertir bancadas de declarações injuriosas ou ofensivas”. “Sendo a liberdade de expressão um princípio fundamental, deve ser compatibilizada com outros valores também constitucionais”, lembrando existir, no código, um crime de discurso de ódio. O PS considera, por isso, “um precedente grave” o que se passou. Alexandra Leitão realça que os deputados gozam de imunidade “muito bem”, mas isso “deve dar maior responsabilidade. Não podem ser perseguidos, e bem, criminalmente pelo que aqui afirmem. Mas deve ser o senhor presidente a garantir que não passam linhas vermelhas”.

Depois de aplausos longos das bancadas da esquerda, Aguiar Branco realçou, novamente, que “a riqueza do direito e democracia é podermos pensar de forma diferente”. E assume a interpretação diferente da norma. E será discutido na conferência de líderes, decisão que também Livre, PCP, Bloco e PAN pedem. Bloco pede urgência. Hugo Soares, do PSD, considera que não é tema que requeira urgência, pode ser tratado na reunião ordinária.

“É destes episódios que o populismo ganha gasolina para poder crescer”, realçando a “coerência do senhor presidente, discordando eu da forma como hoje a colocou, como é possível quem quis condenar o presidente da republica a 10 anos estar nesta câmara a invocar liberdade de expressão para dizer o que quer sobre quem quer”. Isto depois de André Ventura ter atacado o PS dizendo que não perdeu os velhos hábitos de Augusto Santos Silva.

“Não fiz nenhuma declaração racista, xenófoba. Qualquer dia não se pode dizer paciência de chinês porque é crime. É ridículo. Para acalmar a bancada, se o Ministério Público de Lisboa entender que foi ato racismo não é preciso imunidade. Eu vou lá, ao contrário de outros, pelo meu próprio pé”.

Para terminar o debate, Aguiar Branco declara: “Eu, como presidente da Assembleia da República, estou na primeira linha na defesa da Constituição. Não há dúvidas. O que entendo é que a mesa [da Assembleia da República] não é o Ministério Público, uma esquadra de polícia, muito menos um tribunal popular e portanto é este entendimento que tenho na defesa liberdade de expressão”.

Este episódio aconteceu durante o debate de política geral do Ministério das Infraestruturas e da Habitação, no qual Miguel Pinto Luz fala sobre habitação, transportes e aeroporto.

André Ventura questionava Pinto Luz a razão do aeroporto de Alcochete precisar de tantos anos para ser construído. O Governo indicou um prazo de 10 anos até ser possível ter aeroporto. E por isso confrontou Pinto Luz com os cinco anos que Istambul tinha demorado a construir o aeroporto. “Os turcos não são conhecidos por serem os mais trabalhadores do mundo”, acrescentou Ventura, para questionar: “O que pergunto é que por que diabo demoramos 50 para decidir, 15 para fazer a mais não sei quantos para ter obra”, pedindo que se mostre que “somos muito melhores que os turcos, chineses, albaneses. É uma vergonha para Portugal”.

Fabian Figueiredo até acabou a dizer que os turcos nem são os que trabalham menos.