A casa de Alzira, que ardeu nos incêndios de Pedrógão Grande, aparece-lhe nos sonhos. Não há dia em que não pense nela, mas a espera é tão longa que já não consegue acreditar que voltará a lá viver.

Na semana passada, nas vésperas das comemorações do 10 de Junho, que este ano terá como palco a região afetada pelos incêndios de junho de 2017, Alzira Luiz, de 79 anos, assinou o contrato com o empreiteiro para o arranque das obras de construção da sua casa, na aldeia de Rapos (Castanheira de Pera), quase sete anos depois de a habitação ter sido consumida pelas chamas.

No entanto, a espera é demasiado longa para, mesmo com contrato assinado, acreditar que verá a sua casa reconstruída, contou à agência Lusa a idosa, de 79 anos, já viúva.

“Já ouvi tantas vezes que estava tudo bem e não estava a correr nem bem nem mal, estava parado. Acho que qualquer pessoa que consiga pôr-se no meu lugar, não acredita, como eu não acredito. Eu não acredito que as coisas estão a andar. Só acredito quando chegar aqui e der para tocar nas paredes, nas coisas, no chão, ver alguém a trabalhar, porque até agora só foram papéis e palavras”, lamentou.

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O processo até à assinatura do contrato com o empreiteiro foi longo e com vários avanços e recuos. Neste momento, a casa tem apenas o trabalho de alvenaria feito.

Ao início, a casa começou por ser reconstruída por um grupo de voluntários de Pombal, mas o grupo acabou por desmobilizar e não concluir a obra, apenas avisando Alzira no final de 2019 de que iria abandonar o projeto.

Posteriormente, contratou um engenheiro para reformular o projeto da casa (havia divisões sem as dimensões mínimas exigidas por lei), que terá dado entrada em 2021, recordou.

Entre 2021 e 2024, foram vários os impasses, sobretudo relacionados com o Revita (fundo criado para apoiar as populações afetadas pelo incêndio) e com os demasiados papéis exigidos para o processo de reconstrução e reformulação da habitação.

“O Fundo Revita entrou para ir ao encontro da melhor forma de ajudar a dona Alzira a ter uma casa semelhante ao que tinha, mas houve alterações nos órgãos e um atraso motivado por esse facto. Assim que as coisas ficaram estabilizadas, o processo teve o seu caminho normal”, explicou à agência Lusa o presidente da Câmara de Castanheira de Pera, António Henriques, referindo que o fundo esteve cerca de ano e meio sem representante dos municípios no conselho de gestão.

Após esse impasse, “foi o tempo de reuniões e aprovações até agora, com a assinatura do contrato”, no dia 28 de maio, aclarou, admitindo esperar que Alzira Luiz possa voltar à sua casa no espaço de um ano, numa obra “completamente custeada pelo fundo Revita”.

Porém, ninguém irá recuperar os sete anos a morar desterrada em Moredos, junto à vila de Castanheira de Pera, as noites de pouco sono, os pesadelos e o sofrimento de esperar e esperar, sem poder voltar à casa que ajudou a construir com as suas próprias mãos — fez as vezes de servente para os acrescentos que foi fazendo à habitação ao longo dos anos.

Alzira contou à Lusa que pensa na casa reconstruída a “toda a hora” e até sonha com todo o processo.

No pouco que durmo é a sonhar com estas coisas. Sonho que me dizem que vai haver casa, mas depois vejo que não será assim e acordo revoltada.

Alzira Luiz olha para a estrutura que está lá construída e não reconhece a casa. As dimensões são diferentes e a paisagem à volta mudou, com silvas e mato a ganharem terreno: “Tinha isto tudo muito zeladinho, muito bonitinho, com hortas que eu sempre fiz para não deixar entrar a fome em casa”.

Apenas sorri quando recorre à memória para falar da casa que tinha, dos animais, da mesa farta sempre que alguém aparecia por ali e que no final levava sempre “um saquinho” com coisas que a terra lhe dava.

A voz volta a embargar-se quando regressa ao presente e olha para a estrutura de cimento abandonada.

“Vou ser-lhe sincera. Vou falar-lhe do coração. Eu pergunto a Deus: ‘Será que eu consigo ver o fim a isto?’ Tenho dúvidas, mas por outro lado, tenho uma certeza: Se chegar a ver o fim, já não estou em condições — nem de forças nem de memória — para me lograr do que vier a ser feito, se for feito”.

Além de ter visto a sua saúde afetada ao longo destes sete anos de espera, além do trauma de escapar ao fogo com a roupa que tinha e pouco mais, custa-lhe especialmente perceber que já não terá capacidade para aproveitar a casa, quando esta ficar concluída.

Um ano antes dos incêndios, tinha feito obras na habitação para preparar “um bocadinho mais de conforto para o resto” dos seus dias.

“Cair nesta situação em que caí é muito triste”, afirmou, revelando acreditar que já não terá forças “para aproveitar esta casa”.

O certo, garantiu, é que terá “duas chagas” abertas e que já não fecham — o incêndio que viveu e os sete anos à espera da casa reconstruída.

“Essas duas chagas nunca mais me vão largar. Vou ter de lidar com isso para o resto da vida. Mesmo com a casa reconstruída, essas chagas não têm cura”, asseverou.

João Gaspar (texto) e Paulo Novais (fotos)