A Polícia Judiciária está esta quinta-feira a fazer buscas na Câmara Municipal de Oeiras no âmbito da controvérsia relacionada com almoços de trabalho que veio a público no verão do ano passado, confirmou ao Observador fonte oficial da autarquia. Em reação, Isaltino Morais disse aos jornalistas que são almoços “normais”, que “todas as autarquias realizam” — e garantiu que está a colaborar com as autoridades.

O Observador apurou que, em causa nesta investigação, estão os crimes de prevaricação, abuso de poder e peculato. A investigação visa diretamente o presidente da câmara, Isaltino Morais, e outros vereadores da autarquia.

“A Câmara Municipal de Oeiras confirma as buscas realizadas esta manhã pela Polícia Judiciária, estando a prestar todos os esclarecimentos e informações solicitadas”, disse fonte oficial da câmara de Oeiras ao Observador. “As buscas estão relacionadas com almoços de trabalho do Município, como foi do conhecimento público no ano passado, e decorrem nos Paços do Concelho e no Edifício Atrium.”

Em agosto do ano passado, veio a público através de uma investigação da revista Sábado a controvérsia em torno dos gastos da autarquia em almoços de trabalho. De acordo com as notícias da altura, desde 2017 a câmara já teria gastado mais de 139 mil euros em “almoços de trabalho”. Faturas analisadas pela revista davam conta de gastos em almoços de luxo cujos preços rondavam os 800 e 900 euros — havendo mesmo registo de pelo menos um almoço que custou 1.495 euros.

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Câmara de Oeiras pagou 139 mil euros em “almoços de trabalho” que incluem lagosta e champanhe

Numa das faturas, só as entradas teriam custado 197,50 euros. Havia ainda faturas que davam conta de arrozes de lagosta, presunto pata negra e champanhes bastante caros. Isaltino Morais garantiu sempre que não houve “extravagâncias”, que tudo aconteceu “dentro da legalidade” e com “controlo contabilístico” — embora tenha assumido que muitas vezes a hora de almoço foi aproveitada para reuniões de trabalho e que muitos dos almoços foram com “dirigentes de instituições públicas”.

Isaltino Morais: “São almoços de trabalho normais. Não é muito nem é pouco, tem a ver com o trabalho”

Em declarações aos jornalistas à saída da câmara municipal por volta da hora de almoço, Isaltino Morais desvalorizou o caso e garantiu que os almoços de trabalho são “uma prática comum”.

“Tem a ver com almoços de trabalho realizados pela autarquia”, disse. “São almoços que todas as autarquias realizam.”

Questionado sobre se os valores são excessivos, Isaltino Morais recusou classificar os valores, mas disse que as contas que vieram a público dizem respeito a “seis anos”. “São almoços de trabalho normais”, afirmou. “Não é muito nem é pouco, tem a ver com o trabalho. Muitas vezes estamos a falar de almoços que juntam 10, 15, 20 pessoas.”

Isaltino Morais lembrou que as buscas só aconteceram devido às notícias que vieram a público pela revista Sábado e disse mesmo que a revista pediu dados sobre este tipo de despesas a várias câmaras, mas só a de Oeiras respondeu. “Por isso, é a única que está a ser objeto de buscas”, sinalizou Isaltino, garantindo que se trata de uma prática que acontece em todas as autarquias.

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Perante a insistência dos jornalistas sobre os próprios produtos consumidos nos almoços, Isaltino Morais lembrou que ao longo daqueles anos houve “refeições para 10 mil pessoas” e que “foi servido arroz de lavagante em seis ou sete refeições”. E continuou: “Quando se convida uma entidade para um almoço, não se pode dizer ‘da lista não pode escolher o arroz de lavagante’.”

Falando com ironia para os jornalistas, garantiu que a câmara está disponível para dizer todos os preços dos almoços. “Querem saber quanto é que custou o arroz de lavagante?”, perguntou. “A câmara municipal está à vossa disposição.”

Isaltino Morais disse estar de “consciência tranquila” e até assinalou que em vários dos almoços não esteve presente. “Acha que eu tenho barriga para consumir isto tudo?”, perguntou, com ironia, acrescentando que o pagamento de almoços não passa de uma “atividade administrativa” de uma autarquia.

O autarca disse pensar que “o que está a ser investigado são os almoços”, mas sugeriu que o que devia ser investigado é se “porventura há faturas falsas” submetidas por alguém. Quanto às preocupações dos oeirenses, Isaltino diz que os munícipes estão “preocupados com outras coisas, que se faça habitação pública, que se façam boas escolas, que se façam bons jardins”.

Mais tarde, Isaltino Morais voltou a falar aos jornalistas para confirmar que estarão em análise “umas cinco mil” refeições desde 2018. “Dessas, sete refeições tiveram vinho branco Pêra Manca e seis arroz de lavagante. Qual é o problema?”. O problema, segundo o próprio autarca, é que pecou por “transparência excessiva”, uma vez que outras câmaras municipais teriam um gasto igual ou superior.

O autarca de Oeiras disse que não seria necessária “busca nenhuma” e criticou os jornalistas por “fazerem parte do espetáculo”. Além disso, questionado sobre se a montanha irá “parir um rato”, contrapôs que parirá antes um “leirão” (outro tipo de roedor).

À noite, Isaltino Morais voltou a prestar declarações. Em entrevista à CNN, o responsável pela autarquia de Oeiras afirmou haver “um abuso das autoridades judiciarias, sobretudo quando destacam 58 inspetores”. “Apareceram lá [na Câmara Municipal] 58 inspetores, mas bastavam um ou dois, que a Câmara Municipal tem a informação toda muito bem organizada.”

Voltando a defender que se trata de uma prática comum e que não foi cometida qualquer ilegalidade, Isaltino Morais criticou depois o período temporal que está sob investigação pelas autoridades: “Não percebo porque é que foram só a 2018. Entre 2013 e 2017 houve uma despesa de 90 mil euros em quatro anos. Agora são 130 mil em seis.”

E detalhou ainda que o montante global que o município aprovou no início do ano para gastar (o valor disponível no fundo permanente do gabinete do presidente da câmara), nomeadamente 3000 euros, “nunca foi utilizado” na sua totalidade durante os seis anos.

O Pêra Manca branco e a salada da dieta

As notícias divulgadas pela revista Sábado em agosto do ano passado motivaram grande controvérsia e levaram mesmo Isaltino Morais a justificar-se perante a Assembleia Municipal de Oeiras, numa célebre intervenção em que elencou os seus restaurante favoritos do concelho, lembrou a distinção entre um Pêra Manca branco e um Pêra Manca tinto e argumentou que até estava a tentar perder peso, preferindo “beber água e petiscar uma salada”.

“Cinco faturas têm vinho Pêra Manca. Vinho branco Pêra Manca. Mas o jornalista, sério e rigoroso, disse ‘Pêra Manca’. Portanto, é caso para perguntar: tinto ou branco? É que há uma diferença substancial: o tinto custa 500 euros a garrafa, o branco custa 55”, disse Isaltino Morais na reunião. “Este Pêra Manca branco é um vinho banal. Não é o vinho tinto de 500 euros.”

O presidente da Câmara de Oeiras disse também, nessa ocasião, que almoçar é “um sacrifício enorme” e que os seus pedidos não representam uma despesa grande para a autarquia, uma vez que está a fazer dieta e, muitas vezes, opta por uma salada em vez de carne. “Para mim é um sacrifício enorme. Eu só já vou a almoços e jantares por dever de oficio e continuarei a ir”, afirmou, acrescentando: “Nem imaginam o esforço que eu faço para emagrecer. Tento até, muitas vezes, nesses almoços beber um copo de água e petiscar uma salada.”

Por fim, apresentou a lista com todos os restaurantes onde durante o seu consulado organizou os “almoços de trabalho”, fazendo notas sobre quais os pratos que recomenda.