O presidente executivo da Boeing, David Calhoun, enfrentou, esta quarta-feira, duas horas de interrogatório dos senadores norte-americanos sobre a cultura de segurança da empresa, que tem estado envolvida numa série de incidentes nos últimos meses.
O CEO foi chamado a defender-se perante a Subcomissão Permanente de Investigações do Senado, poucas horas depois de ter sido divulgado um relatório, baseado numa série de denúncias e em descobertas governamentais anteriormente não divulgadas, que dá conta da alegada utilização de peças defeituosas em aviões recentemente construídos, da eliminação de inspetores de qualidade e da obrigação imposta aos trabalhadores para assumirem responsabilidade na produção, adianta o The Washington Post.
Richard Blumenthal, o presidente do painel do Senado, classificou as alegações de “arrepiantes”. “Esta não é uma indústria em que seja aceitável cortar nos cantos, reduzir as inspeções, optar por atalhos e confiar em peças avariadas que estejam por aí”, afirmou. Defendeu ainda que este é um momento de “ajuste de contas” e uma oportunidade para mudar “uma cultura de segurança falida” antes da empresa acabar arruinada.
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No início da audiência, David Calhoun dirigiu-se à galeria do público onde estavam familiares de vítimas dos acidentes com os voos da Lion Air, em 2018, e da Ethiopian Airlines, em 2019, onde, ao todo, morreram 346 pessoas. “Gostaria de pedir desculpa em nome de todos os nossos associados da Boeing espalhados pelo mundo, no passado e no presente, pelas suas perdas”, disse. A resposta não se fez esperar e um dos familiares gritou “Devias estar na cadeia!“, conta o Times.
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No relatório a que os senadores tiveram acesso, Sam Mohawk, um inspetor de garantia de qualidade da Boeing, denunciou estar a ser alvo de pressão para ocultar aos reguladores provas de alegadas más práticas de segurança e disse estar a sofrer retaliações por manifestar as suas preocupações, um comportamento que, segundo os investigadores, é recorrente na empresa.
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David Calhoun afirmou que a Boeing incentiva a que os seus funcionários se possam expressar, que está ciente dos factos e que está focado em mudar a cultura da empresa para que se foque em segurança, em vez de lucro: “Encorajamos continuamente os funcionários a comunicarem todas as preocupações, uma vez que a nossa prioridade é garantir a segurança dos nossos aviões e do público que voa”.
Para evitar um processo judicial, a Boeing, em 2921, chegou a um acordo com o Departamento de Justiça que envolveu, entre outros, o pagamento de sanções e o reforço de programas internos para evitar fraudes e incentivar o cumprimento dos regulamentos federais. Os procuradores já tinham anunciado em maio de 2024 que a empresa não tinha cumprido as condições do acordo e na audição de quarta-feira o senador Richard Blumenthal confirmou a existência de evidências suficientes para ser aberto um processo judicial contra a Boeing.
Em março, Calhoun anunciou que se demitiria no final do ano, no âmbito de uma mudança de liderança que envolve também a saída de Stan Deal, líder da divisão de aviões comerciais da Boeing, que trabalha na empresa há quase quatro décadas. O Senado questionou o porquê de o presidente executivo não se ter demitido com efeito imediato à luz de uma série de problemas de segurança e se o próprio considerava apropriado o salário de 33 milhões de dólares (30,9 milhões de euros) que arrecadará quando sair da companhia.
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