Cerca de quatro horas depois de anunciar a decisão, João Cotrim Figueiredo, ex-presidente da Iniciativa Liberal e eurodeputado eleito nas últimas europeias pelo partido, revelou a decisão de retirar a candidatura à presidência do Renew Europe (Renovar a Europa), o grupo dos liberais no Parlamento Europeu. A explicação surgiu num comunicado enviado às redações ao final do dia: “Depois da retirada de apoio de última hora de várias delegações, decidi não avançar com a minha nomeação para presidente do Renovar a Europa”.

Na mesma mensagem, o ex-presidente da Iniciativa Liberal acrescentou que, durante o período de anúncio da candidatura e retirada, teve “discussões francas e frutíferas” com a atual presidente do grupo político, a eurodeputada francesa Valérie Hayer. “Concluímos que partilhamos uma preocupação comum sobra a necessidade de fazer o Renovar a Europa evoluir em resposta às indicações que nos deram os últimos resultados eleitorais”, acrescentou.

Esta retirada não significa, porém, que Cotrim tenha ficado sem ambições dentro da bancada europeia dos liberais. “Decidi apresentar a minha nomeação para uma das vice-presidências do Renew Europe para poder contribuir para o fortalecimento do grupo e para o processo de transformação que concordamos ser necessário”, anunciou.

A decisão de Cotrim Figueiredo se candidatar a presidente do Renew Europe, o grupo dos liberais no Parlamento Europeu, foi inicialmente avançada pelo Político e confirmada pelo Observador.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Num e-mail enviado aos membros do ALDE Party, partido europeu de que a Iniciativa Liberal faz parte, a que o Observador teve acesso, os dois co-presidentes, Ilhan Kyuchyuk and Timmy Dooley, comunicavam a decisão e apelavam ao voto em Cotrim Figueiredo. “Congratulamo-los com a decisão, apoiamos a candidatura e encorajamos-vos, como membros do ALDE Party, a apoiarem também a candidatura na votação desta terça-feira, dia 25 de junho, para que o ALDE Party possa assumir um papel de liderança no próximo grupo parlamentar do Renew Europe”, dizia a missiva.

[Já saiu o sexto e último episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui o primeiro episódio, aqui o segundo, aqui o terceiro, aqui o quarto episódio e aqui o quinto episódio.]

O português iria concorrer contra Valérie Hayer, que é líder do grupo dos liberais no Parlamento Europeu desde janeiro, e que foi o rosto escolhido por Emmanuel Macron para a candidatura às eleições europeias. Esse contexto tornava difícil a missão de João Cotrim Figueiredo, tendo em conta que Valérie Hayer teria, segundo uma fonte citada pelo Politico, toda a delegação francesa ao seu lado e “uma parte sólida do apoio do ALDE”. Ainda assim, a Iniciativa Liberal explicou que existiu uma “vaga de fundo” a “empurrar João Cotrim Figueiredo para se candidatar a presidente do Renew Europe” e o português acabou por aceitar o desafio. Isto apesar de se reconhecer dentro do partido que a eleição de Cotrim Figueiredo era “muito improvável“, desde logo tendo em conta o nível de influência na atribuição dos cargos na Europa e o facto de esta ser uma estreia para a IL.

O nome de Cotrim Figueiredo, que chegou a assumir uma possível candidatura a vice-presidente do ALDE Party durante a campanha eleitoral (e que não ficou afastada com esta tentativa de chegar à presidência do grupo parlamentar dos liberais na Europa), foi ganhando força junto de vários partidos a nível europeu e subiu um patamar durante o council do ALDE em Vilnius, quando o eurodeputado da IL surpreendeu com um discurso focado no resultado das eleições, na falta de discussão sobre o mesmo e na insistência sobre a forma de abordar o liberalismo.

Numa intervenção a que o Observador teve acesso, Cotrim Figueiredo admitiu não estar “extremamente satisfeito” com a reunião pelo facto de ter “ignorado o resultado das eleições”. E alertou que “embora tenha havido pontos positivos, o liberalismo está perdeu terreno”, frisando que “o pior é que, ao mesmo tempo, a Europa está a ficar para trás”. Não deixou de atribuir “culpas” aos próprios representantes e sublinhou que estes deviam “ser os embaixadores do liberalismo“. Num olhar para os resultados, notou que o futuro “não parece muito bom”, e mostrou ser importante fazer algo e não esperar para que haja “melhor sorte para a próxima vez”.

“Temos a responsabilidade de fazer melhor internamente, tanto nas nossas estruturas políticas, como externamente. Porque se há coisas que levaram as pessoas a gostar da Europa, é porque a Europa sempre foi vista como um lugar onde as pessoas podem viver em paz, desfrutar das suas liberdades e ser prósperas. E perdemos isso”, disse, numa referência à guerra na Ucrânia onde os liberais devem, segundo afirmou, ser a “voz mais ativa“. À boleia do tema das liberdades básicas que considera ser preciso defender, Cotrim Figueiredo alertou ainda para a necessidade de crescimento, mas não a “qualquer custo”, para pagar gastos extra com a defesa, uma transição verde e digital e até o alargamento da UE. “Se agirmos em conjunto e se não fugirmos destas questões, poderemos fazer muito melhor. E tenho a certeza que quando as pessoas olharem para os liberais num futuro próximo, veremos novamente o partido que luta pela paz, pela liberdade e por oportunidades para todos. Mas devemos agir”, concluiu.

Num primeiro comunicado, João Cotrim Figueiredo revelou que tomou a decisão após “ponderada reflexão” e “depois de contactos com numerosas delegações do grupo parlamentar europeu Renew Europe”. Crente de que os resultados das eleições seriam um “sinal de que algo precisa de mudar”, o ex-líder liberal considerava ser preciso “aprender com o que correu mal e traçar um novo caminho que incorpore as lições que estas eleições possam conter”, já que, referiu, só dessa forma seria possível “reconquistar a confiança dos cidadãos eleitores europeus”.

“Esta candidatura não é contra ninguém, mas a favor do projeto liberal europeu”, garantiu então, descrevendo-a como “uma candidatura positiva, focada no futuro e na capacidade do grupo de ouvir, aprender e liderar com transparência e inclusão”. E sublinhou ainda a consciência de que “atual liderança parte em vantagem nesta disputa, já que possui experiência e relações duradouras nas estruturas do grupo e do Parlamento Europeu”, mas ainda assim considerou que esta não seria “a altura de fazer cálculos políticos” e sim de “assumir com coragem que algo precisa de mudar a nível estrutural” dentro do grupo. Com outro comunicado, anunciou o fim do projeto.

A Iniciativa Liberal está a estrear-se pela primeira vez no Parlamento Europeu, com a presença de dois eurodeputados, e procura, para já, um alto cargo dentro da família europeia que caiu para quarta força política nas últimas eleições.