O Conselho de Finanças Públicas (CFP) reviu as previsões para o crescimento da economia nos próximos dois anos. A entidade liderada por Nazaré da Costa Cabral publicou esta quinta-feira uma atualização das projeções macroeconómicas que tinha feito em abril, e está agora mais otimista para 2024 e 2025. A economia vai abrandar face a 2023, sim, mas menos do que estava previsto há cinco meses. O CFP aponta agora para um crescimento de 1,8% este ano (face a 1,6% nas previsões anteriores e aos 2,3% de 2023). O salto nas previsões é ainda maior para 2025, ano em que o CFP vê o PIB a crescer 2,4%, que compara com 1,9% das últimas projeções. Em média, até 2028, a economia portuguesa deverá crescer 2%. Entre 2024 e 2026, o CFP acredita que a economia portuguesa “deverá registar um crescimento superior ao projetado para a área do euro”.

Nas previsões entregues na semana passada aos partidos, o Governo aponta para um crescimento de 2% em 2024 e 2025.

O CFP refere que o desempenho da economia “será impulsionado pela aceleração do investimento público, especialmente através da execução dos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)” e que “as medidas de política com impacto no rendimento disponível das famílias contribuirão para o dinamismo do consumo privado em 2025”.

Concretamente, a “dinâmica de realização de consumo deverá resultar sobretudo do impacto desfasado das medidas de estímulo ao rendimento com efeito no final de 2024 (em particular do IRS, através da diminuição anunciada das taxas de retenção na fonte), concentrado em agregados familiares com uma propensão marginal a consumir elevada”.

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Além disso, espera-se que a situação financeira das famílias beneficie “da expectativa de redução da inflação, das perspetivas favoráveis para o mercado de trabalho, e da antecipação de um crescimento robusto das remunerações por trabalhador, elementos que contribuem para um aumento expressivo do rendimento disponível real”. Em 2025, acrescenta o CFP, “os consumidores deverão ainda beneficiar de condições de financiamento menos restritivas, consequência da expectativa da redução gradual das taxas de juro por parte do BCE”.

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O otimismo do CPF estende-se ao excedente orçamental previsto para este ano. Em abril, a entidade previa um saldo de 0,5%, que sobe agora para 0,7% do PIB. A revisão, refere o CFP, “resulta do melhor desempenho da receita fiscal e contributiva e dividendos que mais do que compensa o impacto das novas medidas de política e a atualização das medidas de resposta à inflação e ao choque geopolítico”.

No médio prazo, acrescenta a instituição, para os anos de 2025 a 2028 “mantém-se a perspetiva de excedentes orçamentais (0,4% do PIB no final do horizonte), mas de menor dimensão do que o projetado em abril em consequência do impacto das medidas entretanto aprovadas”.

No que toca à dívida pública, o CFP aponta para que se situe em 78,3% do PIB em 2028, o que representa um decréscimo de 20,8 p.p. do PIB face a 2023 e um ritmo de diminuição de 4,2 p.p. do PIB por ano, em média. Em abril, a instituição antecipava que o rácio de dívida pública se situasse em 80,1% em 2028. “Esta diferença fica a dever-se, em larga medida, a uma projeção superior no presente exercício para o crescimento do PIB no acumulado destes cinco anos”.

Já no que diz respeito à inflação, o CFP continua a prever uma desaceleração para 2,7% em 2024 e para 2,2% em 2025, e uma estabilização em torno de 2% a partir de 2027. “A desaceleração do crescimento dos preços será influenciada pela política monetária do BCE e pela diminuição das pressões inflacionistas associadas aos preços das matérias-primas energéticas e bens alimentares”, antevê a instituição.

No mercado de trabalho, a entidade chefiada por Nazaré da Costa Cabral prevê um maior ritmo de criação de emprego em 2024 (sendo a resiliência do mercado de trabalho um dos fatores que suportam o crescimento da economia), mas também antevê desafios. “As condicionantes demográficas deverão limitar o crescimento do emprego a médio prazo, projetando-se que tal resulte num crescimento nulo do emprego no final do horizonte de projeção. A taxa de desemprego deverá diminuir de 6,5% em 2024 para cerca de 6,0% em 2028”, diz o CFP.

O CFP ressalva que as projeções se inserem “num contexto externo de elevada incerteza”, ao qual é preciso acrescentar a “incerteza macroeconómica” e a quantificação das medidas de política económica. “Em particular, a despesa pode encontrar-se subestimada, no que diz respeito ao pessoal e saúde, devido à falta de informação completa e suficiente relativamente a acordos salariais e ao Plano de Emergência e Transformação na Saúde“, lembra o CFP. Além disso, ainda há incertezas no que toca a “financiamento e partilha de riscos” relativos a grandes obras públicas “como o Novo Aeroporto de Lisboa, a linha de alta velocidade ou o Hospital Oriental de Lisboa”.

Fim do PRR terá “expressivo impacto negativo” no investimento

O fim do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), agendado para 2026, é um dos maiores motivos de preocupação do CFP. Deverá, desde logo, ter efeitos no crescimento da economia. “Num cenário de políticas invariantes, este facto tem um expressivo impacto negativo no investimento público, bem como no consumo público”, lê-se no relatório, no qual se prevê que a taxa de investimento público deverá reduzir-se de 4,1% em 2026 para 2,9% do PIB em 2027.

“Esta redução justifica a desaceleração do crescimento do PIB de 2,1% em 2026 para 1,6% em 2027”, sendo que em 2028 “espera-se uma recuperação do crescimento do PIB real para valores em torno de 2%”.

Neste cenário, a quebra do investimento público “afetará negativamente o investimento total (FBCF) da economia portuguesa”, antecipa o CFP. Para 2027, a instituição projeta que a FBCF registe uma quebra de 2,4%. “Embora em 2028 se perspetive alguma recuperação, a taxa de investimento total voltará a um nível relativamente baixo. Tudo isto terá consequências negativas: a curto prazo, terá um efeito negativo na atividade económica; a longo prazo, abrandará o ritmo de investimento que é necessário para implementar com sucesso a transição energética na economia portuguesa e para enfrentar os desafios colocados pelas alterações climáticas e demográficas e pela transição digital”.

Assim, conclui o CFP, “corre-se o risco de o PRR introduzir um ciclo na economia portuguesa caracterizado por um período de expansão em 2024-2026, durante o qual a atividade económica é estimulada e o investimento público contribui para tornar o crescimento económico mais sustentável a longo prazo. No entanto, este período de expansão irá parar subitamente em 2027, altura em que se iniciará uma dinâmica inversa com consequências negativas para o crescimento a curto e a longo prazo”.

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Risco de regresso ao défice com o IRS Jovem

Por não ter sido ainda aprovado, o CFP não considerou nas previsões o impacto do IRS Jovem anunciado pelo Governo (e que tem sido um dos bloqueios na negociação do Orçamento do Estado com o PS). Mas fez as contas a um cenário de hipotética aprovação. E há riscos associados ao regime, nomeadamente no saldo orçamental e na dívida pública.

O Governo quantifica a medida em mil milhões de euros. Face a esta estimativa, a simulação feita pelo CFP “aponta para uma redução significativa do excedente projetado em 2025 e o risco de regresso a uma situação de défice orçamental em 2026” caso a medida avance.

“Com base nesta simulação, os resultados obtidos apontam para uma deterioração do saldo orçamental em 0,3 p.p. do PIB face ao projetado no cenário em políticas invariantes, atingindo em 2026 um défice de 0,2% do PIB e um saldo no final do horizonte (2028) de 0,1% do PIB, que contrasta respetivamente com um de 0,1% e 0,4% do PIB, constante na projeção em políticas invariantes”, avisa o CFP.

Na dívida pública, acrescenta, “o impacto resultaria num rácio em percentagem do PIB de 79,3%, mais 1 p.p. do PIB do que o apresentado na referida projeção”. Para a instituição, “uma medida discricionária desta dimensão terá um impacto relevante no novo enquadramento orçamental europeu”. E no que toca à despesa líquida, “e na ausência de medidas que compensassem a perda de receita gerada pelo novo IRS jovem, a taxa de crescimento deste indicador elevar-se-ia em 2025 para 7%, refletindo-se num agravamento na taxa de crescimento médio da despesa líquida no período 2025-28 de 4,2% para 4,4%”.

CFP pede “responsabilidade” no Orçamento

Na conferência de imprensa de apresentação das projeções, Nazaré da Costa Cabral apelou ao Governo para que tenha “responsabilidade” no desenho do Orçamento do Estado para 2025, que será entregue a 10 de outubro.

“Qualquer decisão que se tome em matéria de receita e despesa pública, ela tem impactos na trajetória da divida pública. O CFP tem chamado sempre a atenção para necessidade de não perder de vista este ponto e de estarmos focados na importância deste esforço coletivo de redução da dívida pública”, sublinhou a responsável.

Nazaré Costa Cabral destacou que “ainda não estamos no ponto em que podemos dizer que estamos completamente descansados” apesar de a situação atual ser “mais favorável, e quanto mais favorável for, mais ela permite opções de política económica”. Mas para isso é preciso ter margem orçamental, reforçou. “Se as condições de financiamento se alterarem, não é desejável podermos comprometer credibilidade do país em termos de evolução da dívida”, concluiu.

(Notícia atualizada às 13h00 com declarações de Nazaré Costa Cabral)