Com Donald Trump na presidência dos EUA, Vladimir Putin não teria invadido a Ucrânia. A teoria é defendida até à exaustão pelo ex-Presidente norte-americano, mas é também reforçada por Boris Johnson, ex-primeiro-ministro britânico. Em entrevista ao The Telegraph, na antecipação do lançamento do seu livro de memóriasUnleashed — o antigo governante considera que a imprevisibilidade de Trump teria sido suficiente para convencer Putin a não correr o risco de entrar em guerra com um país soberano.

Da guerra da Ucrânia para a do Médio Oriente, Johnson revela que, quando era ministro dos Negócios Estrangeiros, os seus funcionários encontraram um dispositivo de escuta na sua casa de banho pessoal, depois de ter sido utilizado por Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel. Critica ainda Keir Starmer, o atual primeiro-ministro britânico, por colocar um embargo de armas a Israel ao mesmo tempo que se diz inequivocamente ao lado do país e lamenta algumas decisões tomadas durante a pandemia.

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O antigo governante britânico falou ainda sobre a sua tentativa de impedir a saída de Meghan Markle e do Príncipe Harry da família real inglesa e revelou vários episódios caricatos da sua vida política, que incluem um encontro inusitado com Leonardo DiCaprio na Cop26, em Glasgow.

Elogios à “imprevisibilidade” de Trump e críticas ao “maior erro” de Starmer

“Do ponto de vista do Kremlin, havia um risco real de Trump interpretar um ataque a um país europeu como uma afronta à América e à ordem mundial, e poderia ter sido duro”, afirmou Boris Johnson ao The Telegraph.

O conservador britânico olha para a “imprevisibilidade” do candidato à presidência dos EUA enquanto uma “virtude”. ” [Trump] expulsou 60 espiões russos [após os envenenamentos de Salisbury]. Foi muito mais duro com a Síria do que as administrações democratas. Foi mais duro com o IRGC [Corpo de Guardas da Revolução Iraniana] e depois deu aos ucranianos o míssil Javelin”, enumerou.

Sobre o Médio Oriente e a força aplicada por Israel, o antigo governante considera que, depois do ataque de 7 de outubro, “a democracia israelita está a tomar as medidas que qualquer democracia tomaria para proteger o seu povo e impedir novos atentados”.

Para Johnson, o maior erro “de muitos” feitos até agora por Keir Starmer foi o de dizer que o Reino Unido está ao lado de Israel, “tendo sido o primeiro primeiro-ministro britânico a colocar um embargo de armas a Israel, numa altura em que Israel está sob ataque contínuo”. “Penso que é a declaração de política pública mais absurda que alguma vez ouvi”, atirou.

Hipótese de voltar a Downing Street é “tão boa como ser decapitado por um frisbee”

Boris Johnson condena em toda a linha a atitude dos trabalhistas em relação à União Europeia, temendo que o legado do Brexit esteja sob ameaça, com o atual governo trabalhista a “tentar voltar em bicos de pés” à influência e controlo europeu.

Sugere mesmo que a intenção de rever partes do seu acordo sobre o Brexit e procurar um alinhamento mais próximo com algumas regras da UE vai contra o fundamento base para a saída. “Se tivéssemos adotado regras não teríamos tido a vacinação mais rápida da Europa”, recordou, referindo-se ao tempo da pandemia de Covid-19 em que o país teve oportunidade de agir de forma independente e célere.

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Ainda regressado a esse tempo, que lhe traçou grande parte do mandato e que descreve no livro de memórias, o antigo primeiro-ministro britânico confessou ter hoje dúvidas em relação à eficácia e papel dos confinamentos na diminuição de casos de coronavírus.

Johnson diz que, embora ache que o confinamento salvou vidas, tem dificuldade em avaliar “até que ponto foi decisivo para dobrar a curva de epidemia e até que ponto essa queda iria acontecer de qualquer forma”. “Penso que a redução foi ligeira, mas será que foi suficiente para justificar todas as desvantagens dos confinamentos e de manter as crianças fora da escola?”, questionou na entrevista.

O político lamenta não ter escrito aos seus funcionários para se absterem de festas durante o confinamento mas considera o escândalo do Partygate, que lhe abriu a porta de saída do poder, como “uma histeria dos media”. Não passava tudo de pessoas que “trabalhavam horas a mais em cenário fúnebre” e que “bebiam uns copos à secretária”. Se há coisa de que se arrepende foi de ter escolhido Sue Gray — atual chefe de gabinete de Starmer — para investigar o caso já que ela lhe diria uma coisa a ele e outra aos polícias.

Quanto ao seu futuro, diz estar muito bem como está, “numa rústica obscuridade”, mas garante que poderia ter vencido as eleições em 2024, e responde indiretamente que não quando lhe perguntam se algum dia voltará ao nº. 10 de Downing Street. A pergunta impõe-se já que na segunda página do seu livro de memórias, depois da dedicatória à mulher e aos filhos, escreve a frase com que se despediu do Parlamento: “Hasta la vista, baby”. Mas agora, Boris limita-se a dizer: “Acho que as minhas hipóteses são tão boas como ser decapitado por um frisbee ou reencarnar como uma azeitona.”

Isabel II, a “avó muito querida” da “psicoterapia gratuita” e o ídolo Di Caprio

Nas 738 páginas de  memórias e na entrevista que deu a antecipar a sua venda ao público, Johnson descreveu o momento em que se cruzou com o ator de Hollywood e ambientalista, Leonardo DiCaprio, em novembro de 2021, na cimeira sobre alterações climáticas Cop26, em Glasgow.

A expressão inglesa “starstruck” aplica-se à interação entre o político e o seu ídolo, com o então primeiro-ministro britânico a imitar uma das personagens do ator no filme Diamante de Sangue. Com um sotaque sul-africano, citou um diálogo que a sua família sabia “de cor”. O ator acabou por “despachá-lo” e o governante percebeu mais tarde que isso aconteceu porque estava com pressa para chegar à casa de banho.

Johnson descreve igualmente a sua tentativa de impedir o Megxit — o processo de afastamento do príncipe Harry e Meghan Markle das suas responsabilidades reais e à mudança do casal para os EUA.

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No seu livro, o conservador descreve que se encontrou com o duque de Sussex para o tentar convencer a não deixar a Grã-Bretanha com Meghan. “Foi uma iniciativa minha. Acho que decidi, de uma forma um pouco pomposa, que seria triste se perdêssemos o seu talento, porque tinha trabalhado com ele e com a Meghan num evento para promover a educação feminina, e eram ambos brilhantes”, descreveu. “A minha tentativa de impedir o Megxit não foi bem sucedida”, admite ao Telegraph.

E, no domínio da realeza, Boris Johnson revela ainda o que até aqui tinha sido calado pela Casa Real. A doença que matou a Rainha Isabel II. A certidão de óbito falava em causa naturais, a monarca teria morrido de velhice. Mas não é isso que o político conservador conta nas suas memórias.”Tinha uma forma de cancro nos ossos”, avança, acrescentando que “os médicos receavam que a qualquer momento entrasse num declínio acentuado”.

Johnson recorda o seu último encontro com Isabel II: “Pálida e mais encurvada, tinha nódoas negras nas mãos e nos pulsos, provavelmente devido a gotas ou injeções”, mas mantinha uma mente “completamente sã”. De resto, diz ter sido um “privilégio” as reuniões que teve com a Rainha ao longo de três anos em que liderou o governo. “Era um bálsamo, uma forma de psicoterapia gratuita. Era como estar na escola e ser levado a tomar chá por uma avó muito querida.”