Pouco dias depois de um iate de luxo se ter afundado ao largo da Sicília — matando sete dos seus ocupantes –, o CEO da empresa que vende os iates disse ter ficado “incrédulo”. Afinal, garantiu, as embarcações que a The Italian Sea Group vende são “inafundáveis” e não têm falhas na conceção e construção. Agora, mais de dois meses depois da tragédia, uma investigação do New York Times veio provar o contrário. Apesar da tempestade que se abateu sobre o iate no dia do desastre, o Bayesian tinha falhas estruturais que explicam porque se virou e afundou tão rapidamente.

“Este barco tinha deficiências definitivas que o tornaram vulnerável ao que aconteceu“, garantiu Ted Roberts, um engenheiro naval com 40 anos de experiência na conceção de iates, que colaborou na investigação do jornal norte-americano. Uma das falhas está relacionada com o lastro do iate, que, em vez de estar espalhado uniformemente pelo fundo do barco — o que teria garantido a melhor estabilidade — estava empilhado na parte traseira do casco do navio. Sem um centro de gravidade adequado, as probabilidades de o barco virar são maiores, sublinhou Roberts. Foi precisamente isso que aconteceu no dia em que o Bayesian afundou.

No entanto, a distribuição incomum do lastro pode ter sido propositada, com o objetivo de acomodar outra particularidade do iate — o mastro anormalmente alto. O comprador original do barco — um empresário holandês — insistiu, quando mandou construir a embarcação, em ter um mastro de grande dimensão, que seria mais alto do que qualquer outro mastro do mundo, de acordo com o fabricante italiano de iates e três pessoas com conhecimento detalhado de como este barco foi construído. A decisão viria a obrigar a alterações a outras componentes do iate, de modo a tentar dar estabilidade à embarcação, o que gerou vulnerabilidades, dizem os especialistas.

CEO da empresa que construiu iate de luxo que naufragou na Sicília diz que barcos como aquele são “corpos inafundáveis”

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Para além disso, o mastro deste iate era composto por pelo menos 24 toneladas de alumínio, em vez da fibra de carbono, um material muito mais leve e o mais usado. Outra falha na construção do iate foi o excesso de saídas de ar, que acabaram por permitir a entrada mais repentina de água, levando ao afundamento do iate — avaliado em 40 milhões de euros — em poucos minutos. Também as duas altas portas de vidro na lateral do convés tiveram o mesmo efeito, deixando entrar grandes quantidades de água.

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Por último, os especialistas identificam uma falha grave no próprio convés do iate, que estava demasiado afundado, ou seja, a nível muito baixo, o que reduziu a flutuabilidade do barco, acelerando o naufrágio. O que à primeira vista parecem apenas pequenas falhas, que podem não parecer decisivas, acabam por se tornar significativas, quando se conjugam, dizem os especialistas, comprometendo a estabilidade da embarcação.

“Podemos olhar para isso em retrospetiva e dizer que eles estavam no lugar errado na hora errada. Não, isso não é verdade”, defende Roberts (um dos 40 especialistas ouvidos pelo New York Times). Os especialistas concordam que a ferocidade inesperada da tempestade que se abateu sobre o Bayesian também contribuiu para a tragédia, mas não explica tudo. Os investigadores italianos também estão a analisar as ações do capitão e da tripulação do Bayesian.

Ouvido pelo diário norte-americano, Giovanni Costantino, o executivo-chefe do Italian Sea Group, reafirma que o iate “era inafundável” e continua a apontar o dedo à tripulação, acusando-a de cometer erros e de “não fazer o que devia ter feito”.