Armas nucleares prontas para atacar, mas sem um conhecimento profundo do que tinham nas suas mãos.”No dia em que a guerra começou, as armas nucleares estavam a postos”, revelou um desertor russo, Anton, à BBC, detalhando o dia-a-dia de um funcionário de uma base nuclear na Rússia.
Anton explica que, com o início do conflito militar com a Ucrânia, a sua unidade ficou essencialmente “fechada dentro do recinto” durante as primeiras três semanas, sem acesso a qualquer informação vinda do exterior, à exceção da televisão estatal russa. “Não sabia bem o que significava tudo isto. Cumpri automaticamente as minhas obrigações. Não estávamos a combater na guerra, estávamos apenas a guardar as armas nucleares”, refere.
Nestes primeiros momentos, Anton diz ter recebido uma “ordem criminal” para efetuar palestras, com diretrizes muito específicas, para explicar a importância das operações aos restantes militares. “Disseram que os civis ucranianos são combatentes e que devem ser eliminados”, denuncia. “Para mim, essa é uma linha vermelha — é um crime de guerra. Disse que não iria divulgar esta propaganda”. Com esta decisão, Anton foi castigado e estava tudo encaminhado para ser enviado para a linha da frente. No entanto, conseguiu atrasar o processo. Assinou um documento com o objetivo de se recusar a participar na guerra e, consequentemente, as autoridades abriram um processo criminal.
Com ajuda de um grupo de voluntários de uma organização dedicada a desertores — Idite Lesom —, Anton conseguiu abandonar o país. Como fugiu de uma brigada comum, acredita que uma falha no sistema de segurança facilitou a sua saída da Rússia. Num local desconhecido, o ex-militar revela que se distanciou de todos os seus amigos, “para não os colocar em perigo”, e trabalha “fora do sistema”.
Até fevereiro de 2022, a vida na base “ultra-secreta de armas nucleares” era composta essencialmente por exercícios de treino e protocolos extremamente rígidos para assegurar que todas as operações dentro das instalações se mantinham em total regime de confidencialidade. “Há controlos constantes e testes de deteção de mentiras para todos”, afirma Anton, referindo que o processo de seleção para este papel difere significativamente do da recruta.
“A minha responsabilidade era garantir que os soldados sob o meu comando não levassem telemóveis para a base nuclear”, acrescenta. O ex-militar pertencia à unidade de segurança da base, “uma força de reação rápida que guardava as armas”.
Apesar dos salários “muito mais elevados” que recebiam e de não serem destacados para o terreno, a responsabilidade de “defender ou conduzir um ataque nuclear” requer condições de controlo rigorosas, adianta. “É uma sociedade completamente fechada (…) Se quiserem uma visita familiar, têm de submeter um pedido ao serviço de segurança FSB com três meses de antecedência”.
A recente discussão em torno da alteração da doutrina nuclear da Rússia levou a uma extensa especulação sobre a possível composição do arsenal nuclear russo. Apesar das sugestões que indicam uma maioria “da era soviética”, Anton esclarece que não é o caso. “Podem existir algumas armas antiquadas em certas áreas, mas o país tem um arsenal nuclear enorme e uma grande quantidade de ogivas”, indica, sublinhando que todo o armamento é “totalmente operacional e pronto para combate”.
A BBC explica que, apesar de ter visto documentos que comprovam as credenciais de Anton e a sua experiência militar, não foram capazes de verificar independentemente todos os eventos descritos no relato do ex-soldado.