Garantir que está “atento” aos crimes que “abrem os telejornais”, assegurar que Portugal continuará a ser um país seguro e encostar o adversário — neste caso, o PS — ao radicalismo de esquerda, desconhecedor das preocupações dos portugueses. Num debate marcado pelo Chega e focado no tema da segurança, PSD e Governo quiseram cumprir estes objetivos, colocando-se no papel de força moderada na questão da segurança, e classificando como radicais as críticas que lhe chegaram do lado direito e (sobretudo) esquerdo do hemiciclo.

Durante a tarde de debate, no Parlamento, coube ao Chega — promotor da iniciativa — lançar o tema e isolar-se o mais possível, distanciando-se do PSD e apresentando-se como a única força que tem créditos para usar a segurança como sua bandeira. Desde logo, com Pedro Pinto a colocar jornalistas, primeiro-ministro e Presidente da República no mesmo plano, ao acusar todos de esconderem a realidade da insegurança e fingirem que se trata apenas de “perceções da extrema-direita”: “Infelizmente não, e os crimes são diários. Todos sentimos isso na pele”.

Mais tarde, André Ventura subiria bem mais o tom da sua intervenção, de novo disparando contra o PSD (que Pedro Pinto acabaria por acusar de “imitar” o Chega e de lhe copiar o discurso e a agenda): “Uma operação policial não tem de ter medo da cor da pele, etnia ou religião dos envolvidos. Não está dependente de se o primeiro-ministro gosta de ver as pessoas encostadas à parede”. Ventura iria mais longe, chegando a argumentar que a Europa deve “refletir” sobre se deve continuar a receber “todos os da fé islâmica e do subcontinente indiano” e gritando que a etnia cigana “não terá impunidade em Portugal” (o socialista Marcos Perestrello, que conduzia os trabalhos nessa altura, frisou que a referência “não deve ser aplicada a nenhuma única etnia).

Com Ventura a aproveitar ainda para anunciar uma contra-manifestação que acontecerá no mesmo dia da manifestação “Não nos encostem à parede”, crítica da operação policial no Martim Moniz, coube ao PSD assumir o papel de moderado — mas atento às questões da segurança, em que Luís Montenegro tem carregado nas últimas semanas.

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Desde logo, o líder parlamentar, Hugo Soares, aproveitou o facto de ter cabido ao antigo ministro da Administração Interna — e rival de Pedro Nuno Santos na corrida à liderança do PS — José Luís Carneiro falar pelos socialistas para explorar as divisões no PS e tentar fragilizar Pedro Nuno. Depois de ter ouvido Carneiro a lembrar que Portugal é considerado o sétimo país mais seguro do mundo, concedendo que o PS está disponível para “cooperar” no reforço e melhoria dos sistemas de segurança interna e recusando “medrar no caos” ou “provocar conflito”, Soares elogiou a posição “sensata e moderada” do deputado.

Daí passou à provocação: se Carneiro é a “voz da sensatez” do PS, “infelizmente” não tem sido a que fala pelo partido, “que foi a voz do radicalismo, extremismo, muito parecida com a do Bloco de Esquerda”, atirou. Esse radicalismo, prosseguiu, “não entende” a realidade em que os portugueses vivem. “É na moderação, no bom senso que nos sentimos bem, e saudamos declaração de hoje do PS”, rematou.

A última provocação de Carneiro — os partidos de esquerda ainda hão de inventar uma forma de revistar as pessoas de mãos nos bolsos, em vez de encostá-las à parede, ironizou — receberia depois uma resposta de Rui Tavares, do Livre: basta revistar apenas “os que são suspeitos”. “Aquelas pessoas [no Martim Moniz] eram suspeitas de quê?”, perguntou o deputado.

Governo garante estar “atento ao que se passa”

A ideia de que o Governo está atento às preocupações dos portugueses seria reforçada pela ministra da Administração Interna, que teve duas curtas intervenções no plenário. Primeiro, para garantir que os portugueses “entendem” a prioridade que o Executivo está a dar ao combate à criminalidade, consciente de que “a segurança é um direito que tem de ser assegurado dia a dia, todos os dias”. Ou seja, se a esquerda argumentou contra as atuais operações policiais lembrando que Portugal está bem posicionado nos rankings de segurança internacional, a ministra respondeu que o Executivo não dará esses dados por garantidos: “É preciso agir para garantir que no futuro teremos ainda mais condições de segurança e menos criminalidade”.

“Este Governo está muito atento ao que se passa na sociedade. Trabalhamos para as pessoas”. E mais uma vez, num discurso em duas camadas que o Governo tem vindo a fazer — semelhante ao momento em que Luís Montenegro disse que Portugal é um país seguro mas não pode descansar “à sombra da bananeira” –, a governante acrescentou que é preciso trabalhar para que “a segurança continue a ser um dos grandes ativos de Portugal, enquanto um dos países mais seguros do mundo”.

Depois de ouvir críticas como as do Bloco de Esquerda — que acusou diretamente o Governo de apostar em “operações fetiches” que relacionam insegurança e imigração –, a ministra quis ainda que “não restassem dúvidas” sobre um ponto: “O Governo não se envolve nas escolhas operacionais da polícia”, defendeu, passando ao ataque: “Quem nos acusa de instrumentalizar as forças de segurança mais não quer do que aproveitar-se politicamente dessas forças, de forma perversa, para alimentar as suas agendas populistas”.

Uma última garantia da ministra: “O crime não tem nacionalidade, cor de pele ou religião. Crime é crime e tem de ser combatido. A segurança é de todos, portugueses e estrangeiros”.

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Esquerda acusou direita de “perseguição”, CDS falou em “hipocrisia” sobre etnias

À esquerda, as explicações do Governo não convenceram. Para Rui Tavares, a prioridade dada pelo Governo à questão da segurança — assim como, em separado, à da imigração — mostram que, passado o debate orçamental, a política voltou a entrar em modo “campanha eleitoral” e o “não é não” de Luís Montenegro a André Ventura deixou de existir.

No Bloco, Mariana Mortágua não hesitou em acusar “PSD e Chega a perseguir imigrantes sem razão”, com base em perceções. Num debate em que foram muitos (e diferentes) os dados escolhidos por cada um dos lados para provar o seu ponto, a bloquista lembrou o aumento de crimes de violência de género e a onda mais alta de criminalidade violenta registada durante o Governo de Pedro Passos Coelho, “quando PSD governava com o apoio de André Ventura” (então militante social-democrata). Para o Bloco, existe uma campanha “fácil e suja” contra minorias éticas e imigrantes, apesar de não existirem dados que relacionem um aumento da insegurança com um aumento da imigração. Mortágua rematou, sempre de olho em PSD e Chega: “Este debate é sobre a luta de dois partidos que incendiam o país para fazer do fogo a sua propaganda”.

O PCP esteve de acordo: criticou o “debate alarmista baseado em perceções”, procurando “exacerbar o sentimento de insegurança dos cidadãos” além da realidade concreta, que, admitiu o deputado António Filipe, “merece preocupação”. Ainda assim, frisou o comunista, os portugueses têm mais e mais graves motivos para se sentirem inseguros quando vêm a pobreza a aumentar ou o tempo de espera nas urgências a chegar a períodos de 16 horas, como tem sido noticiado. Tal como o Bloco, lembrou que o aumento da imigração não corresponde a um aumento da criminalidade, mas deixou um aviso: o “discurso de ódio” contribui para o “aumento da insegurança”.

À direita, a Iniciativa Liberal discordou das duas pontas do hemiciclo: a extrema-esquerda “nega a realidade” e os dados que mostram um aumento de vários crimes; os “populistas de direita” gostam de aumentar o poder da polícia e anular direitos para chegar a uma “sociedade sem crimes”.

Para a IL, foi esse o caminho que o PSD escolheu, “para êxtase da extrema-direita”, optando por das respostas populistas mas ineficazes e sem adotar reformas que tragam na prática mais segurança ao país.

Já o CDS foi, como seria de esperar, um apoiante leal das políticas do Governo, mas fez questão de ir mais longe do que o PSD. Durante a sua intervenção, o deputado João Almeida citou os dados mais recentes (2023) sobre segurança, do relatório de segurança interna (RASI), que mostram um aumento de 5% da criminalidade violenta e grave e um aumento de 14% da criminalidade grupal, por exemplo. Assim, conclui que a criminalidade “existe todos os dias na vida dos portugueses”.

“O país seguro que o PS acha que se deve sobrepor à perceção verdadeira de insegurança é aquele em que todos os crimes aumentaram”, disparou, lembrando que houve operações policiais semelhantes à que aconteceu no Martim Moniz no tempo da geringonça. E acabou a criticar a esquerda por, acusou, nunca atribuir “etnia” aos criminosos: “Não podemos levar a que a hipocrisia diga que quando um criminoso de uma etnia não podemos dizer quem foi, porque isso é racismo”.