Antoine não sabia patavina do que se estava a passar. Andava a correr atrás de uma bola, pelo país e pelas mais de 81 mil pessoas que trocaram euros por um bilhete para o ver fazer isso. Dizem que o futebol une, arranca sorrisos, mexe com os sentimentos, mas também puxa um lado mau. O dos very-lights ou dos petardos, que toda a gente pensava estarem a rebentar no estádio. Uma, duas e três vezes, ouviram-se explosões. Mas o que se achava vir de dentro acontecia lá fora e era a manifestação mais próxima de uma tragédia que não se aproximou mais de Antoine por acaso. Porque não calhou. Ou porque, “graças a Deus”, à sorte ou a um milagre, a irmã “conseguiu sair do Bataclan”.
Griezmann teve de se agarrar ao telemóvel, dar aos dedos em mensagens e à voz em telefonemas, para saber o que estava a acontecer na sala de concertos em Paris. As metralhadoras de três terroristas dispararam sem critério e cheias de crueldade, contra as 1.500 pessoas que no Bataclan estavam para assistir a um concerto. Terror, sangue, choque, trauma. Oitenta e nove morreram, mas a irmã de Antoine escapou. “Deus cuida da minha irmã e dos franceses”, escreve o futebolista, 24 anos, no Twitter, quando o França-Alemanha acaba, sai do relvado e sabe que a irmã saíra do Bataclan. Este foi o lado bom do balneário, mas houve um mau.
Enquanto Antoine sentia o alívio a esvaziá-lo de preocupação, o coração de 30 anos de Lass Diarra apertava-se. As más notícias correm mais rápido que as outras e o médio não tardou a saber que estava “pessoalmente tocado pelos atentados”. Uma das balas disparadas no Bataclan atingira a prima que lhe era chegada, como “uma grande irmã”. A tragédia esquecia um, mas tocava no outro. “Temos que nos manter unidos perante um horror que não tem cor, nem religião”, pede o jogador do Marselha, horas depois de ser puxado para a tragédia sem se aperceber. França chora, o mundo choca-se, as lágrimas caem todas sobre Paris. Mas Griezmann e Diarra não ficam por lá.
https://twitter.com/Lass_Officiel/status/665581410405715968
Eles e os outros 22 que jogam futebol pela França vão para Londres. Para terça-feira já havia uma partida marcada com a Inglaterra, o país rival de guerras antigas, que pergunta se o melhor não seria adiar o encontro. Os gauleses respondem que não. O jogo é para se jogar e tanto Antoine como Lass lá estarão, porque o assustado e o tocado assim o quiseram. “Todos os jogadores vieram”, garante Philippe Tournon, diretor de comunicação da Federação Francesa de Futebol. Ir correr e dar pontapés numa bola com a tragédia guardada no canto da mente. Ou desarrumada por todo o lado, como será mais provável. Quatro dias não é tempo que cure coisa alguma.
Por isso é que, no sábado, acabados de almoçar, vários não gostaram quando Didier Deschamps lhes passou o recado de que iriam mesmo a jogo no Estádio de Wembley. O selecionador, diz o The Times inglês, limitou-se a passar a mensagem que, por volta do meio-dia, o presidente da federação lhe tinha entregado. “Tomei a decisão sozinho. Os jogadores não tiveram nada a ver com o facto de este jogo se realizar”, esclareceu Noël Le Graët, confirmando a atitude que caiu mal em quem vai correr pelo país menos de 24 depois de terminarem os três dias — decretados por François Hollande, presidente gaulês — de luto pela tragédia. A federação inglesa, que tinha questionado a congénere sobre a hipótese de cancelar a partida, obedeceu e aproveitará o jogo para “prestar homenagem às pessoas afetadas e expressar solidariedade com o povo francês”.
Fá-lo-á a cantar, mesmo que a ideia não tenha partido da federação. Foram as pessoas, os adeptos, a dar uso às redes sociais para espalharem a intenção de, antes do encontro, todos no estádio darem voz à Marselhesa. “É tempo de mostrarmos o que a fraternidade realmente significa”, escreveu, por exemplo, o jornalista Mark Pougatch. Entretanto, soube-se que a letra do hino nacional francês será exibida nos ecrãs gigantes do estádio para puxar pela voz às mais de 70 mil pessoas que deverão estar no recinto. Para o exterior, os painéis do estádio vão exibir uma mensagem: “Liberté, Égalité, Fraternité”. Vários outros jogos entre seleções vão decorrer na terça-feira, ao contrário do que se viu durante o fim de semana, quando muita coisa foi cancelada.
- Futebol: no sábado, pelo menos sete jogos da Taça de França foram adiados. Todas as equipas envolvidas pertencem às divisões secundários do futebol gaulês;
- Râguebi: na Heineken Cup, que é a Liga dos Campeões do râguebi europeu, os quatro encontros que envolviam equipas francesas foram cancelados: Racing 92-Glasgow, Oyonnax-Ulster, Pau-Castres Olympique, Bordeaux-Begles-ASM Clermont Auvergne e o RC Toulon-Bath. Quanto a este último já se começa a falar de problemas, porque o Bath é um clube inglês e no verão a Inglaterra terá uma digressão pela Austrália. Até lá, entre jogos de campeonato, da competição europeia e das seleções (ainda haverá o torneio das Seis Nações), não deverá haver uma semana livre para agendar este jogo;
- Voleibol: duas partidas da primeira divisão masculina de França e quatro do campeonato feminino não se realizaram;
- Andebol: um encontro da primeira divisão gaulesa foi adiado;
- Taekwondo: a etapa do circuito internacional, que estava agendada para Paris, não ocorreu;
- Patinagem no Gelo: o Grande Prémio de Patinagem Artística de Bordéus foi cancelado.
Na terça-feira haverá bolas a rolar um pouco por toda a Europa e a mensagem que jogadores, selecionadores e federações têm passado é praticamente a mesma — não aparecer era dar aos terroristas o que eles querem. “Não seremos intimidados pelo terror. O facto de a equipa jogar contra a Holanda apenas uns dias depois da terrível experiência em Paris é um sinal necessário”, disse Reinhard Rauball, presidente da federação alemã. Entre o choque, o sofrimento e as condolências às vítimas, era uma questão de tempo até alguém tocar na ferida, que era uma espécie de arranhão sofrido numa queda em que ninguém repara por no corpo existirem mazelas bem maiores — o Europeu de futebol.
Restam 207 dias até ao 10 de junho de 2016, data para a qual está agendado o arranque da competição que França está a organizar. Mas os atentados de sexta-feira que mataram 129 pessoas voltaram a atear a chama da preocupação, para a qual o ataque à redação da revista Charlie Hebdo, em janeiro, (e outros incidentes) já dera a faísca — estará o país seguro o suficiente para receber uma competição destas? Just Fontaine acha que não e foi dos primeiros a pegar nos fósforos. “Penso que não podemos garantir a segurança necessária para acolhermos um evento tão grande. É, simplesmente, demasiado perigoso. Acham mesmo que as pessoas irão ao Stade de France no futuro?”, questionou o homem de 82 anos que, na flor da idade, marcou 13 golos pela seleção francesa no Mundial de 1958.
Mas Jacques Lambert, o senhor que está responsável pela organização do Euro 2016, já anda a tentar apagar as chamas: “Fazer perguntas sobre o cancelamento do Europeu é colocarmo-nos nas mãos dos terroristas. Não digo o que estamos a preparar, porque isso alertaria os nossos inimigos, mas iremos tomar as medidas necessárias para termos as melhores condições de segurança”. A mensagem é mostrar a quem mata, dispara metralhadoras, rebenta bombas e espalha o terror, que não ganhará. Talvez por isso os ingleses vão juntar a voz aos franceses e ajudá-los a entoar A Marselhesa. Um hino que, sobretudo, fala de armas:
“S’ils tombent, nos jeunes héros; La terre en produit de nouveaux; Contre vous tout prêts à se battre! Aux armes, citoyens…“
“Se os nossos jovens heróis tombarem; A terra produzirá novos; Prontos a lutar contra vocês! Às armas, cidadãos…”.