“Vim, não só por mim e pelo futuro dos meus em Macau, mas também para apoiar este movimento”. José Drummond, 39 anos, é artista plástico e decidiu vir a Hong Kong juntar-se aos protestos a pedir a eleição do governo local por sufrágio universal, até porque o que se passa naquela região administrativa chinesa poderá ter consequências em Macau.
José Drummond é um dos muitos estrangeiros que se juntam aos protestos nas ruas de Hong Kong, pelo terceiro dia consecutivo. Muitos deles fazem parte da grande comunidade internacional em Hong Kong, exigindo a eleição, em 2017, de um chefe do Executivo por sufrágio universal direto, sem pré-seleção dos candidatos como defende o governo chinês. A tensão entre manifestantes e autoridades tem sido crescente mas o ponto alto deverá ser amanhã, quarta-feira, dia em que se assinala o Dia Nacional da China. “Foi com espanto que vi as imagens de domingo à noite quando a polícia lançou gás pimenta e lacrimogéneo contra os manifestantes; este grau de violência não se pode passar, não estava à espera daquela resposta” da polícia, critica José Drummond, salientando que foi essa ação que o levou a ir para Hong Kong.
O artista de Macau lembra que no domingo a multidão chegou aos 80 mil e ainda assim “nem uma loja foi danificada”, um sinal do pacifismo dos manifestantes. “E o Governo tem uma reação daquelas?” — questiona. José Drummond, que está em Hong Kong desde as 14:30 (7:30 em Lisboa), diz-se impressionado com a organização dos estudantes, que distribuem gratuitamente água e comida na rua. “As pessoas ficaram tão incrédulas com o que se passou ontem [domingo] que hoje estão ainda mais unidas”, conta o artista português, que critica a atuação das autoridades do território.
O padre italiano Franco Mella, 66 anos, vai mais longe e justifica a sua presença na manifestação com a necessidade de respeitar os direitos humanos. Visivelmente cansado, mas satisfeito, o sacerdote elogia a presença de jovens nos projetos, um sinal de que o regime terá de aceitar a mudança. “É muito encorajador ver que mais de 90 por cento dos que estão aqui têm menos de 30 anos”, diz, enquanto aponta para um conjunto de chapéus de chuva onde estavam pintadas as frases “Não temos medo da polícia” e “Lutamos até ao fim”.
O chapéu de chuva tem sido usado como símbolo não oficial do movimento por ter sido o objeto usado pelos manifestantes para se protegerem do gás pimenta e lacrimogéneo que a polícia diz ter sido obrigada a usar por 87 vezes em nove locais distintos. Mella diz que não é “contra uma certa ideia de comunismo” que é defendido na China, mas pede que esteja “ao serviço das pessoas se poderem expressar livremente”.
Sentados no relvado, onde há minutos havia sido erguida uma réplica da Estátua da Liberdade, semelhante à construída pelos manifestantes em Tiananmen em 1989, estavam três universitários do Reino Unido a frequentar um programa de intercâmbio. Chris, 19 anos, justifica a participação nos protestos por considerar “importante ver o que as pessoas estão dispostas a fazer pela democracia quando na Europa há quem nem vá votar”. A poucos metros do grupo, o professor universitário Gerard Penpergrast, da Nova Zelândia, explicou que foi o ataque com gás lacrimogéneo que o fez decidir participar nos protestos: “Sentia-me neutro até ver os meus alunos na televisão, é intolerável ver os meus estudantes a serem tratados daquela maneira”. O académico considera que, hoje, “os alunos são os professores” nas ruas e mostra-se confiante no futuro de Hong Kong: “Quando vemos a forma civilizada como este protesto está a decorrer, torna-se absurdo dizer que Hong Kong não tem maturidade para ser uma democracia”.
Os protestos em Hong Kong estalaram depois de Pequim ter anunciado, a 31 de agosto, que os aspirantes ao cargo de chefe do Governo vão precisar de reunir o apoio de mais de metade dos membros de um comité de nomeação para poderem concorrer à próxima eleição, em 2017, e que apenas dois ou três serão selecionados. Isto significa que a população de Hong Kong exercerá o seu direito de voto só depois daquilo que os democratas designam de “triagem prévia”, violando a anterior promessa de Pequim de permitir um sufrágio universal. Agora, um eventual recuo do governo chinês pode influenciar também o modelo de governação de Macau, muito semelhante a Hong Kong, considera José Drummon. Por isso é que os habitantes de Hong Kong “precisam do apoio de Macau” nestas manifestações. “O futuro de Hong Kong é o futuro de Macau, há sempre um efeito porque Macau vive muito do que acontece em Hong Kong”, desabafa.