Para que lado cai a bola do Governo quando bate na rede europeia? Para o lado de cá perde. Para o lado lá ganha, pelo menos até ao próximo match point, o ponto que decide as partidas de ténis. É isso que significa instabilidade: esta governação estará sempre a disputar, como se fossem momentos decisivos, aqueles pontos que seriam de gestão corrente numa situação política normal. As sanções de Bruxelas, a possibilidade de medidas extraordinárias e a aproximação do Orçamento de 2017 são as jogadas em que tudo se vai decidir. Com drama. Com emoção. Com consequências. Ou a “geringonça” segue. Ou a “geringonça” encrava”. Ou a “geringonça” se desfaz. Vamos ter um verão quente. Os principais cenários, dos mais pacíficos (improváveis), aos mais dramáticos (vamos ver), são estes.

Não há sanções nem medidas extraordinárias

Altamente improvável. Nas próximas três semanas, a União Europeia deverá impor sanções a Portugal por violação do défice excessivo ou exigir medidas extraordinárias para aplicar este ano, que se podem estender ao OE de 2017 (evitando assim as sanções). António Costa chegou a dizer que a Comissão Europeia já o desiludiu outras vezes, como se preparasse caminho para o pior. Vamos, portanto, ao cenário número dois.

Há medidas extraordinárias e pode haver sanções

Probabilidade forte. Resta saber se Portugal vai ser visado por sanções efetivas, por sanções mais ou menos simbólicas, ou se vai ser alvo de uma exigência para tomar medidas extraordinárias. Pode tratar-se daquele plano B, de que a Comissão Europeia fala desde que Mário Centeno levou o OE da “geringonça” a Bruxelas. Em março, a Europa já queria um pacote de cerca de 700 milhões de euros em medidas de consolidação no Orçamento de 2016. António Costa continuará a dizer que a execução orçamental está no rumo certo e a contradizer o ministro das Finanças, mesmo quando este admite que o crescimento económico será muito mais baixo do que o previsto no Orçamento.

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Os técnicos da Comissão têm uma interpretação formal e legalista e devem propor as sanções. O colégio de comissários decidirá então se há atenuantes políticas, considerando a existência de um novo Governo em Portugal, a intervenção no Banif e o esforço de ajustamento realizado pelo Governo anterior. A decisão final caberá ao Ecofin, mas é cada vez mais improvável que Portugal escape: ou haverá sanções ou a exigência de um compromisso de baixar ainda mais o défice para as evitar. António Costa bem poderá argumentar que as previsões da Comissão dão Portugal com um défice abaixo dos 3%. Mas a execução do primeiro semestre será conhecida a 25 de julho, dois dias antes da Europa decidir o futuro de Portugal (e de Espanha), caso não haja mais adiamentos. E se os números não estiverem em linha com o discurso oficial, a credibilidade de Portugal afunda-se. Será o teste do algodão.

O primeiro-ministro nunca dirá que está disponível para aplicar medidas de austeridade enquanto não for violentamente forçado a isso pelos colegas europeus. Terão de ser as instituições europeias a assumir esse ónus, por causa da política interna. Se o PS aceitasse estas novas ordens sem as negar três vezes e sem três vezes o galo cantar, a “geringonça” escangalhava-se. Tem de ser no limite. Costa não pode mostrar qualquer disponibilidade para ajustar o OE/2016 enquanto não se registar uma derrapagem na execução. O primeiro-ministro só no limite vai negociar medidas adicionais com a esquerda parlamentar, se estiver absolutamente vergado perante as circunstâncias. Joga aqui todo o seu talento político: é contra o Tratado Orçamental, a favor da sua revisão, mas enquanto as regras forem estas é com elas que terá de jogar. Aqui começam os verdadeiros problemas de António Costa. A bola bateu na rede…

O Bloco e o PCP aceitam tudo e as medidas passam

…Mas passou e a “geringonça” segue como se nada fosse. É um cenário difícil de crer. Se o Governo tiver de ajustar o OE, Costa terá um plano B: poderá ser o famoso quadro “secreto” que seguiu para Bruxelas no âmbito do Programa de Estabilidade e que prevê a recolha de 210 milhões de euros em “outros impostos” e um corte de 100 milhões em prestações sociais. Apesar de serem medidas para aplicar até 2020, Costa poderá ser obrigado a antecipá-las. Aliás, Fernando Rocha Andrade, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, chegou a admitir ao Observador, no Congresso do PS, que era impossível prometer que não aumentava impostos nos próximos seis meses. É improvável que o Bloco e o PCP aceitem que os impostos incidam sobre os rendimentos do trabalho ou que haja cortes em prestações sociais. O PCP já iniciou uma jornada de luta contra a “chantagem” europeia e o Bloco avisou que, em caso de sanções ou medidas extraordinárias, colocaria o tema do referendo europeu na agenda.

Apesar do discurso radical, o BE pode continuar a ser pragmático. Francisco Louçã — que já não é dirigente do partido — disse ao Observador, na Convenção do BE, que se houver novas exigências europeias o Bloco deverá escolher perante medidas concretas que possam estar sobre a mesa. “Se essas medidas são aumento de impostos, o BE não poderá aceitar porque cria recessão. Se for uma pequena mas sustentada recuperação de salários e pensões, deve comprometer-se com isso. Estamos no domínio do pragmatismo, responsabilidade e coerência”. Insistiu: “É preciso manter a coerência e torná-la muito responsável.” Ainda não se consegue prever até onde vai essa “responsabilidade” do Bloco e ainda menos no PCP. Perante a corda esticada, até onde aguenta a coerência de ambos os partidos perante o eleitorado de esquerda, se as políticas forem as mesmas da direita? Este é um caminho possível, mas estreito. Passamos ao cenário seguinte. O da crise.

O PCP e o Bloco rejeitam a “chantagem” de Bruxelas

Aqui a bola bate na rede e cai do lado de cá. Jogo perdido para o PS. O Bloco e o PCP, que se vigiam mutuamente, rejeitam a “chantagem” de Bruxelas em coro. A “geringonça” chega ao ponto de saturação. Os dois partidos recusam ser “syrizados” e normalizados pela bitola da Europa “neo-liberal”. Com tamanhas exigências europeias, impossíveis de acomodar por António Costa sem beliscar os acordos parlamentares, as medidas são chumbadas no Parlamento. Já podia ter acontecido com o Programa de Estabilidade, com o qual o PCP e o BE discordavam — mas o documento não teve que ser votado. O momento é decisivo, mais do que durante as negociações para o OE. Os partidos de esquerda regressam ao dilema que viveram quando deitaram abaixo o Governo de José Sócrates em 2011: a direita pode voltar a governar com a queda de um Executivo socialista.

António Costa sabe que está nas mãos dos parceiros, mas tem consciência de que este é o melhor momento para ir a eleições e se legitimar, enquanto ainda dispõe de boa vontade por parte do eleitorado. O momento de ir para eleições tem de acontecer antes de eventuais resultados negativos aparecerem. Costa dramatiza. Faz das medidas uma moção de confiança — estilo PEC IV — e cai no Parlamento. Pede eleições.

Outra possibilidade seria o PSD, por pura maldade, acabar por segurar o Governo de Costa e aprovar as medidas impostas por Bruxelas, deixando o primeiro-ministro a ferver em lume brando e a governar com a “geringonça” desfeita. Até momento mais apropriado.

Eleições antecipadas: calma, há um Presidente da República

Não será assim tão fácil a António Costa demitir-se e ir logo a eleições. Marcelo Rebelo de Sousa parece amigo, mas nem tanto. Fará tudo para evitar eleições antecipadas. E desenvolverá um esforço enorme e criativo para haver outros entendimentos, até com o PSD, da mesma maneira que tinha feito tudo para a “geringonça” não se desfazer. Impossível. António Costa não se pode entender com a direita. O Presidente também pode voltar à fórmula inicial e pedir à desfeita coligação PSD/CDS para apresentar um novo Governo. Se Costa não tem condições para se manter, deve dar lugar aos que venceram as eleições e viabilizar o Executivo da direita. Quase impossível. Um governo presidencial com o acordo dos maiores partidos também “não lembrava ao careca”, para usar uma expressão cara ao Presidente. A única saída, apesar de toda a coreografia das múltiplas reuniões no Palácio de Belém, acabaria em legislativas antecipadas.

Há mesmo eleições antecipadas e fica tudo (quase) na mesma

É um risco. António Costa tem tudo a ganhar se o PSD e o CDS forem separados às eleições, porque Assunção Cristas quer afirmar-se como líder no seu partido e fazer prova de vida eleitoral. Nesse caso, tendo em conta algumas sondagens, o PS ficaria uns pontos à frente do PSD. Nada mudaria em termos de correlação de forças no Parlamento: continuava a ser impossível haver maiorias PSD/CDS ou só do PS, mas Costa conseguia legitimar-se como líder do partido mais votado. De pouco lhe servia essa vitória eleitoral, se tivesse de coligar-se de novo com os partidos que o fizeram cair e que teriam um discurso ultra-radical na campanha contra a Europa. O próprio Costa havia de passar a campanha a criticar a Europa, dramatizando o voto útil: porque só com maioria absoluta o PS poderia governar sem estar condicionado pelos partidos que não aceitam este projeto europeu. Nos seus discursos, Catarina Martins acentuaria precisar de força eleitoral para condicionar ainda mais o PS: isso é que seria um voto útil. E o PCP manter-se-ia no seu reduto, falando para um eleitorado fiel, com promessas de voltar a apoiar o PS, desde que este não se vergasse a Bruxelas.

No PSD, Pedro Passos Coelho também dramatizaria. Sobretudo no passa-culpas das sanções. Pediria maioria para o PSD e juraria que com ele nada do que aconteceu sucederia, mantendo o discurso que tivera em 2015, com uma nuance: o país tinha perdido um ano porque o eleitorado não lhe dera força suficiente. Se voltasse ao Governo, seria obrigado a praticar mais austeridade a contragosto, por responsabilidade de outros, os socialistas mais uma vez. Por isso, a única solução seria mesmo pedir a maioria. Mas não seria provável que isso acontecesse. Resultado: mais um impasse na formação do novo Governo. Uma situação à espanhola.

Isto leva-nos a duas últimas questões hipotéticas, decisivas: se Passos ganhasse, Costa demitia-se e depois seria possível um entendimento ao centro com o novo líder do PS? E se Costa ganhasse, Passos demitia-se para ser possível depois um entendimento com um novo líder do PSD? Difícil prever. Qualquer um dos cenários poderia desbloquear o sistema (pelo menos durante algum tempo). O certo é que os próximos meses serão vividos no fio da navalha. Se a “geringonça” sobreviver a este embate, o próximo match point, onde tudo volta a decidir-se, será em setembro, nas negociações para o OE/2017. Nada está garantido enquanto não estiver tudo garantido.

Corrigida às 11h30 com a data correta da divulgação dos dados da execução orçamental.