É uma vitória inesperada: o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) contrariou todas as decisões da primeira instância e da Relação de Lisboa sobre recursos idênticos da defesa de Paulo Pereira Cristóvão e decretou nula a pronúncia do juiz Carlos Alexandre do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC).

Razão? Os conselheiros do STJ entenderam que o TCIC não era o tribunal competente para pronunciar Pereira Cristóvão e mais 17 arguidos para julgamento e tomaram uma decisão que vai obrigar o Tribunal da Relação de Lisboa, que não tinha dado razão ao recurso dos advogados Rui Costa Pereira e de Paulo Farinha Alves, a reformular o seu acórdão em função da jurisprudência agora fixada pelo Supremo.

Consequência? A Relação de Lisboa terá de enviar os autos do processo para o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa ou de Cascais — um dos dois será o tribunal territorialmente competente. A defesa de Pereira Cristóvão entende que deve ser escolhido o último mas a opinião não é unânime.

O envio dos autos para o Tribunal de Instrução Criminal poderá ter duas consequências:

  • a anulação do julgamento que decorre desde junho de 2016;
  • a repetição da fase de instrução do processo.

Ao que o Observador apurou, a defesa de Pereira Cristóvão não vê outra solução que não seja a anulação do julgamento, já que o acórdão do STJ determina que o tribunal competente terá de sanar a nulidade (a falta de competência do TCIC) agora detetada pelo Supremo. Para os advogados da PLMJ, o tribunal competente para sanar tal nulidade na fase de instrução, só pode ser o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa ou de Cascais. Com o retrocesso do processo à fase de instrução para emissão de uma nova pronúncia, a fase de julgamento terá de ser anulada.

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Recorde-se que o ex-dirigente do Sporting e mais 17 arguidos estavam a ser julgados na Instância Central Criminal de Lisboa desde junho de 2016 por suspeitas dos crimes de associação criminosa, roubo, sequestro, posse de arma proibida, abuso de poder, violação de domicílio por funcionário e falsificação de documento. O julgamento tinha começado em junho de 2016 e encontrava-se na fase de alegações finais quando foi suspenso até à decisão do Supremo Tribunal de Justiça que foi conhecida esta segunda-feira.

A defesa liderada pelo advogado Rui Costa Pereira, do escritório PLMJ, argumentava que o juiz de instrução criminal que pronunciou os arguidos para julgamento não tinha competência judicial para o fazer, sendo tal ato nulo. Os conselheiros do STJ que analisaram o recurso deram-lhe razão.

A complexidade do caso

O cenário da anulação do julgamento é, ao que o Observador apurou junto de diversos advogados e magistrados, o caso mais provável. Mas o acórdão do STJ dá espaço legal para que o julgamento que se iniciou em junho de 2016 possa continuar. Tudo depende do que o Tribunal da Relação de Lisboa fará, ao reformular o acórdão que foi revogado pela decisão do STJ.

Em primeiro lugar, o STJ declara que a nulidade (a falta de competência do TCIC) não é insanável. Ou seja, é uma nulidade que pode ser corrigida pelo tribunal competente.

O que faz com que a Relação de Lisboa tenha duas hipóteses:

  • Os desembargadores poderão enviar os autos para um dos possíveis tribunais de instrução criminal competentes (Lisboa ou Cascais) — e aí o cenário da anulação é o mais provável;
  • Ou então os desembargadores poderão entender que a Relação de Lisboa é o tribunal competente e sanar a nulidade, validar a pronúncia e o julgamento continuar. Hipótese menos provável e que mereceria a oposição total da defesa.

Existe contudo espaço legal, acrescentam algumas das fontes contactadas pelo Observador, para que o tribunal de instrução criminal competente que receba os autos possa validar todos os atos sem que o julgamento fosse anulado. Esta, contudo, é uma hipótese pouco provável, já que faria com que o acórdão do STJ não tivesse qualquer consequência para o caso do Pereira Cristóvão. É como se o Supremo desse razão à defesa mas tudo continuasse na mesma.

O caso e o primeiro julgamento

Trata-se de um caso em que Pereira Cristóvão, ex-inspetor da Polícia Judiciária, é suspeito de ter formado um grupo para alegadamente assaltarem empresários com o engodo de que estariam a realizar buscas judiciais devidamente autorizadas por um juiz de instrução criminal. Do grupo de Pereira Cristóvão fariam um antigo líder da claque sportinguista Juve Leo (Mustafá), três agentes da PSP, um traficante de droga e mais dois arguidos. De acordo com a acusação do Ministério Público, e tal como o Observador já noticiou, o grupo terá alegadamente praticado atos de extrema violência, tendo as vítimas relatado situações de estrangulamento e uso de armas de fogo.

Paulo Pereira Cristóvão já tinha sido condenado num outro processo a uma pena suspensa de quatro anos e meio de prisão pela prática dos crimes de peculato, uso indevido de dinheiro do clube e denúncia caluniosa. Neste primeiro processo, decidido em primeira instância em maio de 2016, estava uma causa uma situação que foi muito mediatizada pelos jornais desportivos: o pagamento de dois mil euros, depositados numa conta no Funchal, ao árbitro assistente José Cardinal para um jogo com o Marítimo para a Taça de Portugal de 2011.

Artigo atualizado às 21h48